Acórdão nº 26/01.7TBAGD-B.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 15 de Outubro de 2008
Data | 15 Outubro 2008 |
Órgão | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Por requerimento efectuado na audiência de julgamento de 12 de Setembro de 2008, do processo comum singular n.º 26/01.7TBAGD, do 2.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Águeda, veio o arguido AM deduzir perante este Tribunal da Relação o incidente de recusa da Ex.ma Juíza RP por entender haver factos que constituem motivos sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade , no julgamento do processo.
Alega para o efeito os seguintes fundamentos: « Os seguintes factos constituem motivo sério e grave adequado a gerar desconfiança sobre a imparcialidade da MMª Juiza no julgamento deste processo; Desde logo a considerar ter escrito no primeiro parágrafo do despacho de 10-09-2008 que concorda na íntegra com o teor da promoção que antecede, que pressupõe reproduzida e de para ela remeter para, em fundamento da decisão que tomou sobre a defesa do requerimento de prova do arguido AM, sendo certo que nessa promoção, conforme hoje o arguido, a Ilustre Defensora Oficiosa da arguida e demandante cível ficaram a saber, se escreveu nessa promoção que “existiu omissão de entrega das quantias retidas no prazo legal”.
Trata-se, na verdade, de um dos factos por que os arguidos vêm pronunciados e pelos quais o Magistrado que presidir a este julgamento vai ter que julgar, começando por decidir se tal facto deve ser julgado provado ou não provado.
Ora, no processo penal português continua, para já, a exigir-se que a prova dos factos constantes da acusação ou pronúncia e susceptíveis de integrar qualquer tipo de ilícito penal sejam julgados, continuando para já a exigir-se que o sejam em audiência pública, sujeita ao contraditório subordinada ao principio da acusação e respeitadas que se mostrem todas as demais formalidades essenciais e acessórias que o legislador processual penal e o legislador constituinte entenderem definir para assegurar que o julgamento seja justo, no sentido que de justiça se pode ter num Estado de direito democrático moderno como é aquele que Portugal continua a ser, e que pressupõe que o Juiz não tenha tomado qualquer decisão sobre qualquer dos factos sob julgamento antes do mesmo se concluir.
Dizer, como o Sr. Procurador ou a Sra. Juiza agora disse, que isto é assim porque resulta da pronúncia ou que o Tribunal julga com base em factos, mostra no entender do requerente desta recusa que a MMª Juiza não garante que o julgamento seja imparcial, já que a Mmª Juíza tem o dever relativamente ao que está na pronúncia exactamente contrário de presumir, até final do julgamento, que o que está na pronúncia não é assim. Esse o significado, como é por demais sabido, da inocência dos arguidos em Processo Penal.
Trata-se, claro está, de uma presunção ilídivel, mas até que o seja, é esse o entendimento, a postura e a convicção que o Tribunal tem necessariamente que assumir, só podendo considerar que o que está na pronúncia corresponde à verdade se durante o julgamento for produzida prova inequívoca e para além de qualquer dúvida razoável de que efectivamente assim o é, prova essa que naturalmente e constitucionalmente compete ao Ministério Público ou à acusação fazer, e que só pode ter lugar durante este julgamento.
Por outro fado, não se julga ou não se deve julgar a matéria de facto com base em factos. O que se julga com base em factos é a questão de direito. Mas uma e outra pressupõem que os factos tenham sido julgados previamente provados e essa prova não pode, como é obvio, basear-se em factos, mas em meios de prova produzidos em julgamento com as características antes referidas.
Ora, o que esta Mmª Sra. Juíza fez, foi decidir limitar ou condicionar a produção de meios de prova requeridos pelo arguido, partindo do princípio de que um dos factos constantes da pronúncia, constitutivo do tipo legal do crime imputado aos arguidos, existe, é verdadeiro, está dispensado de prova em julgamento, uma frase que pode ser dada de barato.
Trata-se de um erro grave, e que no entender do requerente por si só, faz com que esta Mma Sra, Juíza, não possa decidir este caso, com a certeza de que, tal como resulta dos esclarecimentos solicitados e doutamente feitos, do primeiro parágrafo do despacho de 10-09-2008 e do terceiro parágrafo da promoção de 0909-2008, efectivamente inequivocamente aconteceu e acontece.
Além disso, entende o requerente ter ficado hoje também evidenciado que a própria atitude da Mmª Juiza de insistir na realização do julgamento na data de hoje e de manter a segunda data designada, mostra também que o dever de imparcialidade está afectado, de forma grave e séria e igualmente justificadora deste requerimento de recusa; atende-se em tudo o que antes se disse sobre a não notificação de uma arguida e das notificações das testemunhas de outro arguido para começar por ilustrar esta preocupação, atende-se mais, no facto da Sra. Juíza não obstante de ter integralmente aderido à promoção de 09-09-2008, entendido não valer a pena mandar notificar o arguido AM nos termos promovidos a propósito da prova documental requerida, sendo difícil extrair disto outra conclusão, que, não obstante ter aderido integralmente à douta promoção, a mesma ter sido apenas aproveitada naquilo que prejudica a defesa, desprezando o que dela se poderia aproveitar em benefício da posição processual do arguido, cujos direitos, importa sublinhar, o Ministério Público ainda assim tentou acautelar.
É claro que isto pode resultar de mero descuido ou desatenção.
Alias, foi nesse sentido que, antes do início desta diligência o arguido e o seu advogado interpretaram o que errado saltava aos olhos de fazer enfermar este processo e a impossibilidade de realização deste julgamento, a falta de notificação às testemunhas, o à-vontade com que a Sra. Funcionária confirmou ao sr. Advogado subscritor, aquando da chamada das testemunhas, que elas não tinham sido notificadas (para prova do que deve ser ouvida a Sra. Funcionária, a Dra. …. e o Dr. ….., que o arguido apresentou em Tribunal, com a curiosidade de a primeira, apesar de indicada na contestação, nem sequer constar do rol das testemunhas da Sra. Funcionária).
A transparência da pressa com que este Tribunal pretendia julgar este processo e estes aspectos já anteriormente devidamente questionados na alegação ora produzida.
Do mesmo modo, foi nesse sentido que, de alguma forma, desculpou o insuportável desrespeito demonstrado por este Tribunal relativamente a todos os intervenientes processuais, quando, tarde e a más horas, mais de três semanas depois de ter sido apresentada a contestação e a dois dias da data designada para julgamento, a Mma Juíza mandou notificar um dos advogados intervenientes, porque aos outros nem isso foi feito, de dois doutos despachos dos quais inequivocamente resultava que a data de julgamento se mantinha, apesar de ser impossível mantê-lo nos termos da lei.
Mesmo como lapso, distracção, desleixo, o que seja, seria de gravidade suficiente para questionar a intervenção da Mmª Juiza neste julgamento; todavia, este tipo de incidentes, entende o advogado subscritor, devem ser limitados aos casos em que para além de qualquer dúvida estava efectivamente em causa a capacidade e o dever de imparcialidade. Por isso se tentou perceber se essa falta de cuidado ou atenção para com o que se passa no processo, seriam reparados perante a chamada de atenção que resultou da arguição de...
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