Acórdão nº 1068/03-3TBILH-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 04 de Março de 2008

Data04 Março 2008
ÓrgãoCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA: A...., residente na Rua do…...., instaurou a presente acção declarativa, com processo ordinário, contra “B....”, com sede na Rua ….., em…… pedindo que, na sua procedência, a ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de 19.338,17€, acrescida de juros de mora, à taxa legal, a contar da citação e até integral pagamento, alegando, para tanto, em síntese, que contratou com a ré o fornecimento e aplicação de madeiras na casa que andava a construir, o que esta fez, tendo ele pago o preço acordado, sendo certo que o soalho apresentava imperfeições e levantou, em parte da sua superfície, devido à incorrecta aplicação do mesmo, não o tendo a mesma reparado, apesar de intimada para tal, o que obrigou o autor a contratar os serviços de terceiro, para esse efeito, e pagar os respectivos custos, além de ter suportado outras despesas, por tal motivo, e de a obra se ter atrasado, tudo isso causando incómodos e perturbações na sua vida pessoal, devendo ser indemnizado de todos esses danos, patrimoniais e não patrimoniais, que quantificou no aludido montante.

Na contestação, a ré alega, em síntese, que o levantamento do soalho ocorreu devido ao excesso de humidade que existia na cave da moradia do autor, tendo a aplicação sido correcta e o serviço ficado perfeito, sendo falso o referido na petição, além de ter mencionado que subempreitou a execução desse trabalho a CF… cuja intervenção nos autos requereu, para exercer o eventual direito de regresso, concluindo pela sua absolvição do pedido e pela admissão desse incidente.

Na réplica, o autor impugnou a versão da ré, constante da contestação, reafirmando o alegado na petição inicial.

Admitida a intervenção acessória provocada do referido CF…., o mesmo foi citado, mas não ofereceu oposição.

A sentença, na parcial procedência da acção, condenou a ré a pagar ao autor a quantia global de 8.511,82€ (oito mil, quinhentos e onze euros e oitenta e dois cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano (ou outra que venha a vigorar), a contar da citação (16-07-2003), até liquidação integral, absolvendo-a quanto ao mais peticionado.

Desta sentença, a ré interpôs recurso de apelação, terminando as alegações com o pedido da sua revogação, formulando as seguintes conclusões: 1ª – O Meritíssimo Juiz a quo não deu relevância ao factor fundamental que originou o levantamento do soalho, isto é, a humidade, não tendo equacionado a dimensão e a influência desta sobre a madeira, designadamente o facto de ser na ordem dos 22% a 25% ao ponto de algumas das ferragens terem oxidado.

  1. - Não equacionou o Meritíssimo Juiz a quo o facto de para as ferragens terem oxidado, qual não seria, a sua quantidade e a influência sobre matéria viva, como a madeira, sendo forçoso daí concluir que a madeira sofreu um movimento anómalo e como tal incontrolável pelo homem (efeito da capilaridade).

  2. - Da mesma forma que não seria de prever, pelo homem médio, ou mesmo por um excelente profissional que a densidade de humidade iria atingir uma percentagem de tal ordem.

  3. - Não cuidou o Meritíssimo Juiz a quo atentar no facto de o soalho já ter sido colocado há meses (Setembro de 2000) e só em Julho de 2001 ter levantado depois da cave encher com água a 70/80cm, isto é, porque surgiram condições de excepcional humidade, independentemente da forma como estavam colocados os «chaços».

  4. - O movimento anómalo surgiu na madeira e não nos «chaços», e contra tal facto não há argumentos que contrariem esta lei da física (efeito da capilaridade).

  5. - O soalho foi aplicado numa casa com níveis de humidade normais, não prevendo, como não seria exigível, nem humanamente possível prever que os níveis de humidade disparassem para o dobro do normal (22% a 25%).

  6. - O modo como os «chaços» foram aplicados e o soalho era para um ambiente em que a densidade de humidade oscilasse dentro dos parâmetros normais, não para uma densidade provocada por uma cave repleta com cerca de 80 cm de água.

  7. - A verdade é que mesmo que os chaços tivessem sido pregados com pregos ou parafusos de aço, a humidade desta ordem, levaria sempre ao levantamento do soalho e arrancamento dos chaços.

  8. - Por aqui impunha-se uma decisão oposta à proferida pelo Meritíssimo Juiz a quo, pois a variante humidade é a mais importante, fundamental e essencial para se perceber a dinâmica da madeira no caso concreto e a mesma não foi tida em conta, ou melhor, não lhe foi dado o protagonismo que as leis da física (efeito da capilaridade) impunham.

  9. - Assim, conclui-se que pela matéria dada como provada, conjugadas com as regras da experiência e da física, a douta decisão a proferir seria de absolvição da ré do pedido.

  10. - Verificou-se que o Meritíssimo Juiz a quo, salvo o devido respeito, errou na apreciação e valoração da matéria de facto provada, pois existe contradição entre prova produzida, os factos apurados e as considerações e decisões tomadas.

  11. - Verifica-se, assim a nulidade da sentença, pois existe um vício real no raciocínio do julgador, pois a fundamentação aponta num sentido e a decisão segue em sentido oposto, verificando-se a nulidade prevista no artigo 668° n°1, c), do CPC que aqui se invoca para todos os devidos e legais efeitos. Sem prescindir: 13ª - As relações entre recorrente e recorrido confinam-se ao âmbito do contrato de empreitada, artigo 1207° do CC, tal como é referido na douta decisão e no que se refere à execução da obra dispõe o artigo 1208° do CC «o empreiteiro deve realizar a obra em conformidade com o que foi convencionado, e sem vícios que excedam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário, ou previsto no contrato».

  12. - Bem se demonstra que «a aptidão para o seu uso ordinário» não se compagina com os níveis de humidade dados como provados, não sendo possível prever-se níveis anormais de humidade aquando da aplicação do soalho, nem era exigível, mesmo para um executor diligente e zeloso, nem tal situação é controlável, não existindo procedimentos capazes de obstar ao que sucedeu (levantamento do soalho).

  13. - A douta decisão que vai de encontro à pretensão do recorrido, no sentido de o indemnizar pela reparação do soalho, que este mandou reparar em autogestão, parece-nos, com o devido respeito errada.

  14. - Dispõe o artigo 1221° n°1 do CC que «se os defeitos puderem ser eliminados, o dono da obra tem o direito de exigir do empreiteiro a sua eliminação, se não poderem ser eliminados o dono da obra pode pedir nova construção».

  15. - Refere o artigo 1222° n°1 do CC que «não sendo eliminados os defeitos ou construída de novo a obra, o dono pode exigir a redução do preço ou a resolução do contrato, se os defeitos tornarem a obra inadequada ao fim a que se destina.

  16. - Por fim, estipula o artigo 1223° do mesmo diploma legal que «o exercício dos direitos conferidos nos artigos antecedentes não exclui o direito a ser indemnizado, nos termos legais».

  17. - Daqui resulta que deve ser dada a possibilidade ao empreiteiro de eliminar os defeitos ou de fazer nova obra.

  18. - No caso em apreço, mediante a denuncia do levantamento do soalho, o recorrente deslocou-se a casa do recorrido e nessa altura verificou que a cave apresentava um nível de água de cerca de 70 a 80 cm de água e que a mesma era geradora de grande humidade pela casa, apresentando a madeira uma percentagem entre 22% e 25% de humidade e o consequente aumento do volume das madeiras aplicadas e o seu levantamento.

  19. - Isto é, a recorrente não reparou o soalho, pura e simplesmente porque o seu levantamento não se ficou a dever à má aplicação dos chaços, mas sim ao nível de humidade anormal que se fazia sentir na casa.

  20. - O recorrido notificou, através de notificação judicial avulsa, a recorrente para proceder à reparação do soalho, ora de tal acto, não nascem direitos nem obrigações, pois a notificação esgota-se com a sua realização Ac. R.L. de 11/01/1974, BMJ, 233o-237.

  21. - A recusa da recorrente em reparar o soalho, não é ilegítima, como erradamente, salvo o devido respeito, o Meritíssimo Juiz a quo concluiu, pois não o fez, porque era e é sua convicção que o soalho levantou não por razões imputáveis ao trabalho realizado, mas por razões exógenas, ou seja níveis elevados de humidade.

  22. - O recorrido não poderia ter, por sua iniciativa, mandado reparar o soalho, com efeito «o dono da obra, no caso desta apresentar defeito não pode proceder, por sua iniciativa, a eliminação desse defeito, por si ou por terceiro, à custa do empreiteiro, a não ser em processo de execução.» Ac. RE, de 14.02.1991:Col.Jur., 1991, F-299).

  23. - Conforme consta do Ac. do STJ de 25.11.04 «I- tendo o dono da obra encarregado terceiro a proceder à eliminação dos defeitos, sem ter previamente recorrido às vias judiciais, não pode depois vir pedir a condenação do empreiteiro inadimplente no valor das despesas efectuadas».

  24. - Revela, ainda, o facto de não ter sido alegado pelo recorrido, nem o mesmo constar da base instrutória, o estado de necessidade, previsto no artigo 339° do CC.

  25. - A lei, no caso especial do contrato de empreitada não admite a auto-tutela, antes supondo uma condenação prévia do empreiteiro.

  26. - Só não seria assim, se o dono da obra alegasse e demonstrasse uma situação de manifesta urgência, de estado de necessidade que preenchesse o condicionalismo do artigo 339° do CC (Ac. STJ de 30 de Setembro de 2004, relator Conselheiro Faria Antunes) o que no caso concreto não aconteceu.

  27. - Assim, como também as razões aduzidas pelo Meritíssimo Juiz a quo no sentido de ultrapassar este condicionalismo legal, carecem de fundamento e de justificação para integrarem factos susceptíveis de ser subsumidos no conceito jurídico de estado de necessidade, deveria o recorrido ter...

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