Acórdão nº 283/04.7TBSAT.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 19 de Fevereiro de 2008
Magistrado Responsável | HÉLDER ROQUE |
Data da Resolução | 19 de Fevereiro de 2008 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA: “Joaquim P. Amaral, Lda”, sociedade comercial, com sede na Rua Dr. Hilário de Almeida Pereira, nº 75, 1º, Esq., no Sátão, propôs a presente acção comum, sob a forma de processo ordinário, contra “Araújo & Capelo, Lda”, com sede no lugar de Porto Martim, Cabreiros, em Braga, pedindo que, na sua procedência, a ré seja condenada a entregar à autora documento legal, no prazo a fixar pelo Tribunal, que permita o cancelamento da reserva de propriedade constante do registo da respectiva viatura, ou, caso tal não se verifique, dentro do referido prazo, a entregar à autora a quantia de 42.397,82€, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efectivo pagamento, e, em qualquer caso, a pagar à autora a quantia de 2.500€, relativa aos prejuízos ocorridos, alegando, para o efeito, em suma, que, em Agosto de 2002, comprou à ré, que se dedica à comercialização de veículos, um automóvel, marca BMW, série 5, pelo preço de 42.397,82€, que seria pago pela autora, mediante a entrega de um automóvel, marca Ford, modelo Modeo, avaliado, em retoma, na importância de 6.234,97€, de um cheque de 14.964€ e da quantia, em numerário, de 21.198,91€.
No dia 14 de Agosto de 2002, a autora entregou à ré o veículo de retoma, o cheque, no valor de 14.964€, e a quantia, em numerário, de 21.198,91€, recebendo desta o veículo automóvel adquirido.
Mais acordaram que a ré trataria de toda a documentação necessária à transferência da propriedade da viatura para a autora, remetendo-lhe, posteriormente, os respectivos documentos, circunstância essa que, apesar da insistência, jamais ocorreu, vindo, entretanto, ao conhecimento da autora que o referido BMW, série 5, se encontrava registado, em nome da “Finicrédito SFAC, SA”, por ter sido objecto de um contrato de locação financeira, com reserva de propriedade a seu favor.
A ré, apesar das sucessivas promessas de que resolveria o assunto com a locadora, pagando-lhe as prestações em dívida, no total de 30.000,00€, a fim de que esta pudesse emitir a declaração de extinção de reserva de propriedade que detém sobre a viatura, não cumpriu esse compromisso.
Conclui que, de acordo com o negócio celebrado entre as partes, a autora tem direito a registar, definitivamente, a viatura, a seu favor, sem qualquer ónus, designadamente, de reserva de propriedade, a favor da locadora.
Devendo, para isso, a ré entregar à autora documento legal, a fim de ser cancelada a reserva de propriedade existente, dentro do prazo a fixar pelo Tribunal, sob pena de, não o fazendo, dever entregar à autora a quantia que pagou pelo automóvel, ou seja, 42 397,82€, e bem assim como ser condenada a pagar-lhe a importância de 2.500,00€, em virtude desta situação lhe ter acarretado inúmeros prejuízos, designadamente, com pessoal, deslocações, telefone, etc., que não podem computar-se em montante inferior.
Na contestação, a ré alega, no essencial, que foi mera intermediária na venda do veículo em causa, o que aconteceu, a pedido da sua locatária, “Embalbraga, Lda”, que lhe entregou o livrete e o título de registo com a promessa do gerente desta de que liquidaria à locadora/proprietária, “Finicrédito SFAC, SA”, o montante em dívida, circunstância jamais verificada.
De qualquer modo, a compra e venda do veículo foi firmada entre a “Embalbraga, Lda” e a autora, sendo a ré mera mandatária daquela sociedade, pelo que só a “Finicrédito SFAC, SA”, beneficiária do contrato de locação financeira, poderá requerer o cancelamento da reserva de propriedade.
Na réplica, a autora conclui como na petição inicial, requerendo, a final, a condenação da ré no pagamento de indemnização condigna, a seu favor, a título de litigância de má fé, já que, em seu entender, alterou, intencionalmente, a verdade dos factos.
A sentença julgou a acção, totalmente improcedente, por não provada, e, em consequência, absolveu a ré de todos os pedidos, incluindo o de condenação como litigante de má fé.
Desta sentença, a autora interpôs recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões: 1ª – O Tribunal a quo errou na apreciação da matéria de facto, ao não dar como provados em toda a sua extensão os factos constantes dos artigos 1o, 2o, 3o, 4o, 5o, 6° e 15° da base instrutória.
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- Relativamente ao artigo 1o de acordo com o depoimento das testemunhas da apelante e da prova documental junta pela mesma, ficou amplamente provado que aquela entregou à apelada, para além da quantia referida na alínea d) dos factos assentes, o montante de 21 198,196€.
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- De resto, a não ser assim, certamente que a apelante não tinha contabilizado na sua escrita a factura de compra que a apelada emitiu, nem esta teria entregue àquela os documentos, incluindo a declaração de compra e venda, relativos à viatura em causa.
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- Do mesmo modo, perante os depoimentos apresentados e documentos juntos pela apelante, os artigos 2o, 3o, 4o, 5o, 6o e 15° da base instrutória teriam de ser dados como provados. Na verdade, 5ª - Os depoimentos das testemunhas, relativas a estes pontos, foram claros e precisos, tendo ambas respondido de forma unânime que o legal representante da autora, aquando da celebração do negócio em apreço, não se apercebeu da existência da reserva de propriedade que impendia sobre o dito veículo, só tendo conhecimento da existência da mesma, quando em conversa com um funcionário da ré, este o alertou para tal situação.
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- Além disso, o comportamento assumido pelo legal representante da ré, ao pretender ser ele a tratar da legalização da viatura, quando o próprio legal representante da autora se prontificou para tal, só vem corroborar os factos descritos na conclusão anterior.
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- Por outro lado, resulta claramente do depoimento das testemunhas que, por causa de toda esta situação criada pela apelada, a autora teve despesas com pessoal, com deslocações e telefones; de resto, ainda que as testemunhas nada tivessem referido a este respeito, o que não se concede, a igual conclusão chegaríamos atrás do recurso aos elementos da experiência comum.
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- Elementos da experiência comum que, também seriam mais que suficientes para que o quesito 15° da base instrutória fosse dado como provado, pois, estamos em crer que ninguém emite uma factura a favor de outrem, como o fez a aqui apelada, se não se assumir como proprietária do bem que está a vender.
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- Pelo que, e atento o exposto, a apelante logrou provar cabalmente os artigos em apreço.
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- Face também ao exposto, temos necessariamente de concluir que o Tribunal a quo errou na interpretação dos factos e na subsunção destes ao direito, ao julgar improcedente todos os pedidos formulados pela ora apelante, com excepção da condenação da ré a título de litigância de má fé.
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- Na verdade, e no que concerne ao primeiro pedido formulado pela autora - tendo em conta que a...
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