Acórdão nº 1594/04.7TBLRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 06 de Maio de 2008

Magistrado ResponsávelJAIME FERREIRA
Data da Resolução06 de Maio de 2008
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra: I No Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, A..., intentou contra o B..., a presente acção declarativa, com processo ordinário, pedindo a condenação do R. no pagamento à A. da quantia de € 75.000,00 , acrescida de juros de mora desde a data da prática do facto que serve de causa de pedir na acção e até efectivo pagamento.

Para tanto e muito em resumo, alegou que foi operada no dia 21/06/2001, a uma anexectomia bilateral (operação aos ovários), nos serviços do Réu, posto que sentia dores internas, na zona da dita intervenção cirúrgica, do que deu conhecimento aos médicos que a operaram.

Que em 28/06/2001 foi-lhe dada alta hospitalar, mas as ditas dores continuaram e era frequente ter febre.

Que em 8/8/2001 voltou ao hospital, onde foi consultada, tendo-se queixado dessas dores.

Que no dia 20/08/2001 a A. deslocou-se ao Sabugal, tendo aí aumentado as dores e a febre subido, face ao que se deslocou ao Centro de Saúde local, onde foi observada pelo médico de serviço, o qual de imediato mandou chamar uma ambulância para a transportar ao Hospital da Guarda, como sucedeu.

Que já aqui e nesse mesmo dia a A. foi submetida a uma nova intervenção cirúrgica, na qual lhe foi retirada uma compressa repleta de pus, que tinha ficado no interior do seu organismo aquando da anterior operação cirúrgica.

Que a A. correu risco de vida por tal facto e ficou internada durante uma semana no Hospital da Guarda, com um dreno aplicado.

Que a A. foi, pois, vítima de um grande sofrimento por incúria dos serviços de saúde do Hospital Réu, com o consequente desgaste físico e desequilíbrio emocional.

Donde dever ser indemnizada, como pretende com a presente acção.

II Contestou o Réu, onde alegou, muito em resumo, que na sequência da intervenção cirúrgica a que a A. foi sujeita nos seus serviços o pós-operatório da A. foi normal, sem alterações do ponto de vista clínico.

Que aquando dessa intervenção foi efectuada a contagem das compressas utilizadas e não foi detectada qualquer falta, como foi então verificado pelo médico cirurgião e chefe da equipa.

Que a primeira vez que há referência a uma extracção de uma compressa do corpo da A. é numa consulta externa de 4/09/2001, efectuada no Hospital da Guarda.

Que o Hospital Réu nunca utilizou panos verdes nas suas cirurgias, porquanto são sempre azuis os panos por si utilizados em cirurgias.

Que esse tipo de panos nada tem a ver com compressas, estas sim utilizadas em actos cirúrgicos.

Que, por isso, o objecto encontrado e retirado do corpo da A. na dita operação não foi deixado na intervenção cirúrgica que teve lugar em 21/06/2001 nos serviços do Réu.

Terminou pedindo a improcedência da acção, com a sua absolvição do pedido.

III Terminados os articulados foi proferido despacho saneador, no qual foi considerada como processual regular a tramitação da acção, tendo-se sido seleccionados os factos articulados pelas partes e considerados com interesse para a instrução e discussão da causa.

Seguiu-se a realização da audiência de discussão e julgamento, em três sessões, posto que foi proferida decisão sobre a matéria de facto constante da base instrutória, com indicação da respectiva fundamentação.

Proferida a sentença sobre o mérito da causa, nela foi decidido julgar a acção parcialmente procedente, com a condenação do Réu a indemnizar a A. no montante de € 37.500,00 , por danos não patrimoniais causados, com o acréscimo de juros de mora desde 21/06/2001 e até efectivo pagamento.

IV Dessa sentença interpôs recurso o Réu, recurso que foi admitido como apelação e com efeito devolutivo (efeito este fixado já nesta Relação, conforme despacho de fls. 366).

Também a A. interpôs recurso subordinado, igualmente admitido como apelação e com efeito devolutivo (efeito este também fixado nesta Relação, conforme despacho de fls. 366).

Nas alegações por ambos apresentadas, foram formuladas as seguintes conclusões: - Alegação do Réu/Apelante no recurso principal: 1ª – Discorda o Apelante da decisão recorrida, que decidiu pela sua condenação, porquanto considera a mesma infundada, com manifesta contradição entre a matéria dada como provada e erros na determinação das normas aplicáveis.

  1. – O Apelante foi condenado por danos de natureza moral, porquanto “as lesões de que a A. padeceu provieram de um acto ilícito (violador do direito absoluto à saúde) e culposo (culpa grosseira) dos elementos da equipa médica que assistiram a Autora.

  2. – Esqueceu o Tribunal a quo que a responsabilidade civil, contratual ou extracontratual, pressupõe a culpa do lesante.

  3. – A responsabilidade civil contratual tem origem na falta de cumprimento das obrigações emergentes dos contratos (artsº 798º e segs. do C. Civ.) sendo a culpa apreciada nos mesmos termos da responsabilidade civil extracontratual (pela diligência de um bom pai de família), embora na responsabilidade contratual o ónus da prova recaia sobre o devedor.

  4. – Esqueceu o Tribunal a quo que quer a responsabilidade civil contratual quer a extracontratual têm sempre subjacente a ilicitude de um acto praticado, consistindo a ilicitude na infracção de um dever jurídico, cabendo a prova da ilicitude ao credor.

    - Alegação da A./Apelante no recurso subordinado: 1ª – A sentença recorrida faz alusão a um livro da co-autoria do médico cirurgião José Fragata e do engenheiro Luís Martins, que tem como título “O Erro em Medicina”. Nesse livro é afirmado que muitos erros médicos são um problema de gestão das instituições de saúde.

  5. – Esbanja-se muito dinheiro na área da saúde em Portugal e alimentam-se muitos negócios, sem o adequado aproveitamento para os pacientes, enquanto se deixam morrer largas centenas de pessoas nos hospitais por falta de condições de trabalho.

  6. – A Recorrente esteve na iminência de ser mais uma dessas vítimas, correndo sério risco de vida.

  7. – Acabaria por morrer senão tivesse tido a sorte de se encontrar no Sabugal quando uma nova crise de dores e de febre a assolou, o que a levou de urgência ao Hospital da Guarda.

  8. – O direito aos cuidados de saúde está consagrado na Constituição da República Portuguesa. Nem toda a gente tem dinheiro para ir a clínicas privadas ou celebrar contratos com companhias de seguros neste domínio.

  9. – Ficou provado que a A. sofreu muito e até correu perigo de vida por culpa dos serviços médicos do Réu.

  10. – Teve de se submeter a uma segunda intervenção cirúrgica, com anestesia geral, com todos os efeitos que esta narcose implica.

  11. – É justo que o Réu seja condenado na totalidade do pedido formulado e não apenas em parte.

  12. – Termos em que deve ser julgado procedente o presente recurso, com a condenação do Réu na totalidade do pedido formulado.

    *** Contra-alegaram ambas as partes, onde defendem, muito em resumo: - Na contra-alegação da Autora/Apelada ao recurso principal, que seja tal recurso julgado improcedente, porquanto foi correctamente entendido pelo Tribunal recorrido existir culpa grosseira por parte da equipa cirúrgica do Réu na forma como desempenhou o acto cirúrgico em causa e na assistência pós-operatória (não) dispensada à Autora.

    - Na contra-alegação do Réu/Apelado ao recurso subordinado, defende-se, muito em resumo, a improcedência de tal recurso.

    V Nesta Relação foram aceites ambos os ditos recursos, apenas com alteração do respectivo efeito, conforme já antes foi referido, tendo-se procedido à recolha dos necessários “vistos” legais, pelo que nada obsta a que se conheça dos seus objectos.

    Tais objectos, tendo presente as conclusões apresentadas em ambos recursos apresentados, antes reproduzidas, podem resumir-se à apreciação das seguintes questões: A – Reapreciação do preenchimento dos pressupostos conducentes à condenação do Réu/Apelante principal como obrigado a indemnizar a A. por efeito de responsabilidade civil, designadamente no sentido de se saber se houve ou não, no presente caso, negligência médica na intervenção cirúrgica a que a A. foi submetida nos serviços do Réu.

    B - Caso se entenda ou se conclua nesse sentido, como aconteceu com a sentença recorrida, reapreciar o montante indemnizatório atribuído à A., como efeito ou consequência dessa...

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