Acórdão nº 497/04.0TBVGS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 13 de Maio de 2008

Magistrado ResponsávelHELDER ROQUE
Data da Resolução13 de Maio de 2008
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA: A....propôs a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra B....e C...., todos, suficientemente, identificados, pedindo que, na sua procedência, os réus sejam condenados a pagar ao autor a quantia global de €101.019,91, sendo €86.019,91, a título de danos patrimoniais, correspondente ao valor das rendas que pagou pela ocupação do imóvel, ao valor que pagou pelo trespasse do estabelecimento, uma vez que deveriam tê-lo avisado que este não se encontrava licenciado, à diferença entre o que receberia se o estabelecimento se encontrasse em perfeitas condições para o poder trespassar, ao pagamento do custo das obras que efectuou, e €15.000,00, a título de danos morais, e ainda a quantia que se vier a liquidar, em execução de sentença, a título de lucros cessantes decorrentes da redução do horário de funcionamento e da antecipação do encerramento do estabelecimento, em qualquer dos casos, com o acréscimo de juros de mora, contabilizados desde a citação e até integral pagamento.

Alega, para tanto, que adquiriu, por contrato de trespasse, celebrado em 12 de Março de 1996, um estabelecimento de café e snack-bar, altura em que lhe foi transmitido, igualmente, o direito ao arrendamento do imóvel, onde o mesmo estabelecimento se encontrava a funcionar, e que pertencia aos réus.

Sucede que estes, movidos, unicamente, pelo propósito de expulsarem o autor, solicitaram a concessão de uma licença de utilização para estabelecimento de restauração e bebidas, bem sabendo que não lhes podia ser concedida, na medida em que os próprios réus tinham efectuado obras não licenciadas, acabando, assim, com esse pedido de vistoria, realizado em 18 de Julho de 2000, por despoletar o conhecimento, por parte da Câmara Municipal, de várias irregularidades.

Notificado do teor do auto camarário, o autor solicitou aos réus a realização das obras pretendidas, alegando que as não podia executar, por falta de legitimidade para o efeito, mas que estes não efectuaram, tendo, então, o autor procedido as obras necessárias para o isolamento acústico.

Por outro lado, os réus apresentaram várias queixas com o propósito fecharem o estabelecimento, acabando o autor por ser compelido ao seu encerramento, pelas 22h, o que lhe provocou diminuição dos ganhos.

Posteriormente, em virtude das irregularidades que se mantinham e que só o senhorio podia sanar, foi o autor obrigado a encerrar e a desocupar o estabelecimento.

Na contestação, os réus sustentam que, quando arrendaram o local para o exercício da restauração, este possuía todas as condições para o efeito, não tendo qualquer intervenção no negócio do trespasse que foi celebrado, apenas sucedendo que, por força das alterações legislativas posteriores à celebração do contrato de arrendamento, o locado passou a ter que dispor de outras condições, que antes não lhe eram exigidas, obras essas cuja realização não era da responsabilidade dos réus.

Por outro lado, e, ao contrário do que tinha sucedido com os anteriores arrendatários, o autor deu um uso ao locado que pôs em risco a segurança e a saúde da clientela do estabelecimento e dos próprios réus, que habitavam no primeiro andar.

A isto acresce que o autor efectuava uma utilização muito ruidosa, que impedia o descanso e repouso dos réus e que esteve na origem das queixas apresentadas.

Na réplica, o autor conclui como na petição inicial.

A sentença julgou a acção, parcialmente procedente, por, parcialmente provada, e, em consequência, condenou os réus B....e C.... a pagar ao autor A....a quantia de €20.000 (vinte mil euros), acrescida de juros de mora, contabilizados desde a citação e até integral pagamento.

Desta sentença, o autor e os réus interpuseram recurso de apelação, terminando as suas alegações, com as seguintes conclusões: O AUTOR: 1ª - Os quesitos 22° a 24°, 25°, 27° e 28° a 30° deveriam ter sido dados por não provados por nenhuma prova ter sido feita no sentido positivo, nos termos supra expostos, tendo a douta sentença sob recurso feito uma errónea apreciação da prova testemunhal produzida em audiência de discussão e julgamento, fundamentalmente e desde logo em face do distanciamento que demonstram em face dos factos, já que relatavam conhecimento de há cinco e seis anos atrás, os quais não podiam, não podem e não tiveram qualquer influência da decisão administrativa de encerrar o estabelecimento.

  1. - Encontra-se gravada a prova produzida sobre esta matéria, e há documentos suficientes juntos aos autos que vão ao encontro desta pretensão do recorrente, razão pela qual a resposta a tal matéria deve ser alterada, dando-se como não provada.

  2. - Entende o recorrente que, da prova produzida, designadamente dos autos de vistoria, não resulta demonstrado que o recorrente tenha contribuído para a deliberação de encerramento do estabelecimento, isto mesmo a darem-se por assentes os factos dos quesitos 22 a 24, 25 a 27 e 28 a 30, o que não se concede.

  3. - Todos os factos se reportam a períodos muito anteriores que nada têm a ver com as vistorias realizadas para a concessão da licença de utilização, sendo que esta só não foi concedida porque os recorridos não realizaram as obras ordenadas pela autoridade administrativa.

  4. - O recorrente discorda do valor indemnizatório que lhe foi arbitrado, tendo em conta a matéria que foi dada por provada. Discordando não só da divisão de responsabilidades, como do próprio valor, já que a douta sentença sob recurso o valor parece-nos meramente arbitrário. Na verdade, atendendo ao valor de um trespasse, tendo por referência o valor pago pelo recorrente em 1996, ao valor das obras executadas e pagas pelo recorrente, muito pouco tempo antes do encerramento, ao valor pago pela medição acústica e ainda os comprovados danos morais, a indemnização nunca poderia ser inferior ao valor reclamado de €101.019,91. Pois não há de modo algum concorrência de culpa do recorrente para o encerramento.

  5. - Mas, mesmo que houvesse, o que não se concede, sempre o valor poderia eventualmente ser reduzido a metade, que levaria o valor a pagar pelos recorridos aos recorrentes para a quantia de €50.509,95 e nunca os € 20.000,00 arbitrados.

  6. - No mais, concorda-se com a fundamentação jurídica. Normas violadas: artigos 564° e 570° do Código Civil.

  7. - A douta sentença sob recurso deve ser modificada, no que respeita ao valor arbitrado, devendo o mesmo ser corrigido, de harmonia com a fundamentação ora apresentada, para o valor peticionado de €101.019,91, que é aquele que se entende por justo e equitativo, atentos os factos que dos autos constam e os prejuízos efectivamente sofridos pelo recorrente.

    Quando assim se não entenda e este Venerando Tribunal penda para a concorrência de culpas, o que não se concede, sempre a indemnização a atribuir seria de, pelo menos, metade do valor peticionado, ou seja, €50.509,95, e nunca os €20.000,00 atribuídos.

    OS RÉUS: 1ª – Em 14 de Março de 1995, data em que os apelantes arrendaram o local a que os autos se referem, para restauração, aquele possuía todas as condições legalmente exigíveis para o exercício desta actividade.

  8. – E encontrava-se devidamente licenciado, pelas autoridades administrativas competentes, para aquele fim, como consta da escritura de arrendamento.

  9. - Posteriormente, com a entrada em vigor dos DL n°168/97 de 4 de Julho, alterado pelo DL n°139/99, de 24 de Abril, DL n°38/97, 25 de Setembro, e DL n°57/2002, de 11 de Março, os locais para o exercício da restauração passaram a ter de dispor de condições que o local em causa nestes autos não reúne.

  10. - A Câmara Municipal de Vagos só poderia conceder licença de utilização, para o exercício da restauração, ao prédio em causa nestes autos se, designadamente, nele fossem construídas casas de banho para o pessoal e espaços para arrumos.

  11. - Contrariamente ao que a douta sentença recorrida decide, as obras necessárias à criação destes espaços, não eram da responsabilidade dos apelantes.

  12. - Uma vez que tais obras sempre teriam carácter inovador.

  13. - Não cabendo, por isso - ao contrário do que sustenta a sentença recorrida - nas hipóteses previstas nos números 1, 2 e 3 do artigo 11° do DL 321-B/90, de 15 de Outubro.

  14. - As citadas normas prevêem apenas obras de conservação, ordinária ou extraordinária, que visam manter o prédio nas condições em que se encontrava quando foi arrendado, ou quando foi emitida a respectiva licença de utilização.

  15. - No caso dos autos, do que se trata é de obras capazes de adaptar o local arrendado a exigências legais supervenientes.

  16. - Situação que qualifica tais obras como de beneficiação.

  17. - Sucede que a Câmara Municipal de Vagos nunca ordenou aos apelantes que realizassem tais obras, nem teria legitimidade para o fazer, atenta a natureza inovadora das mesmas.

  18. - De resto, os apelados nem sequer alegaram que a Câmara Municipal de Vagos tivesse ordenado aos apelantes a realização das ditas obras.

  19. - Acresce que o prédio em causa se encontra em zona de Reserva Agrícola Nacional e em zona de Reserva Ecológica Nacional.

  20. - E que, atenta essa natureza do solo onde o prédio está implantado, só com licença da Comissão Regional do Ambiente do Centro, aquelas obras poderiam ser realizadas.

  21. - Sendo certo que os apelantes foram informados por uma Técnica Superior da Câmara Municipal de Vagos de que aquela entidade não autorizaria tais obras.

    Assim, 16ª - Os apelantes não só não eram obrigados a realizar as obras em questão, como até estavam informados de que lhes não seria dada licença para as realizarem.

  22. – Não lhes cabendo, por isso, qualquer responsabilidade pela falta de condições legais para o exercício da actividade de restauração, no local arrendado.

    Acresce que 18ª - O estabelecimento em causa nestes autos foi encerrado por não cumprir as mais elementares normas de higiene e segurança, pondo em risco os seus donos, os seus utentes e até a vizinhança (dejectos humanos a transbordar da fossa...

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