Acórdão nº 1792/04.3 PBAVR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 28 de Maio de 2008

Magistrado ResponsávelFERNANDO VENTURA
Data da Resolução28 de Maio de 2008
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Nos autos com o nº 1792/04.3 PBAVR do 3º Juízo Criminal de Aveiro, o Ministério Público deduziu acusação contra AC.., ao qual imputou a prática de um crime de desobediência, p. e p. pelo art.º 348º, nº1, al. b), do CP; de um crime de injúria agravada, p. e p. pelos artºs 181º, nº1 e 184º, com referência ao art.º 132º, nº2, al. j) do CP; e de um crime de resistência e coacção sobre funcionário, p. e p. pelo art.º 347º do CP. Submetido a julgamento, foi proferida sentença a absolver o arguido de todos os crimes.

Inconformada, veio a assistente AM interpor recurso, com a formulação das seguintes conclusões: 1ª - Não se pode a assistente conformar, com a absolvição do arguido pelo crime de injúria agravada por que vinha acusado, p. e p. pelos arts. 181.°, n.°1 e 184.°, por referência ao art.132.°, n.°2, al. j), todos do C.P., só porque não se provaram «ipsis verbis» a totalidade das expressões constantes da douta acusação pública, tendo sido reproduzidas expressões injuriosas parcial ou isoladamente coincidentes.

  1. - A douta sentença recorrida, deveria ter realizado uma alteração não substancial dos constantes da douta acusação, e em obediência ao princípio da legalidade condenar o arguido por esse crime, pelo que violou o art.358.°, n.°1 do C.P.P.. De facto, constava da douta acusação pública que o arguido proferiu as seguintes expressões: «Eu falo como eu quiser, vocês são uns palhaços, quem são vocês para me multarem» e «Não me vai deter, não entrego documentos, vocês não valem nada!».

  2. – [vem] referido na douta sentença recorrida, que a assistente reproduziu as já referidas expressões, e as testemunhas que presenciaram os factos, não as reproduzindo ipsis verbis, referiram que o arguido proferiu as seguintes expressões: uma delas - «Vocês não têm autoridade para me deter e algemar», «palhaços», outra - «Vocês não são autoridade» «palhaços», «vocês são uma merda», outra ainda - «Você não me põe isso»; e outra ainda - «vocês não valem nada». Ora, nenhuma das expressões reproduzidas diverge das imputadas ao arguido, todas têm o mesmo cariz intencional injurioso e depreciativo, e elas não são entre si incompatíveis, pelo que deveriam ter sido dadas como provadas, condenando-se o arguido.

  3. - O supra alegado resultará da análise do texto da decisão recorrida, conjugado com as regras da experiência comum, nos termos do art.410, n.°2 do C.P.P., o que se requer e donde se conclui: a) que passados cerca de dois anos e meio sobre os factos, as testemunhas não se recordam de forma perfeita de expressões proferidas; b) que a pessoa pessoalmente visada pelas expressões injuriosas se recordará mais vivamente das mesmas.

  4. - A douta sentença recorrida, absolveu o arguido dos crimes de desobediência (art.348.°, al. b) do C.P.) e de resistência e coacção sobre funcionário (art.348.° do C.P.), com base em errada fundamentação de direito, designadamente por ter mal-entendido que a ordem de apresentação de documentos de identificação não era legítima, nem emanada de autoridade competente.

  5. - A fundamentação da douta sentença recorrida, baseia-se em legislação que não refere os agentes da polícia municipal, pois é anterior à própria existência desses agentes (que surgiu com a Lei n.°140/99), existindo norma posterior que prevê directamente esta questão e contraria completamente o sentido da decisão, que sequer a refere, desde logo aplicando legislação revogada pela Lei n.°19/2004, de 20.03.2004, que procedeu à revisão do regime das polícias municipais.

  6. - Quer a Lei revogada, quer a vigente, prevêem no seu art.14.°, completamente ignorado, sob a epígrafe Poderes de autoridade, precisamente o contrário do decidido, ou seja que: 1 - Quem faltar à obediência devida a ordem ou mandado legítimos que tenham sido regularmente comunicados e emanados do agente da polícia municipal será punido com a pena prevista para o crime de desobediência. 2 - Quando necessário ao exercício das suas funções de fiscalização ou para elaboração de autos para que são competentes, os agentes de polícia municipal podem identificar os infractores, bem como solicitar a apresentação de documentos de identificação necessários à acção de fiscalização, nos termos da lei.

  7. - Resulta da Lei n.°19/2004, designadamente dos seus art.3.°, n.°2, al. e) e 3 e art.4.°, n.°1, al.s b), f) e g), a competência dos agentes da polícia municipal para a fiscalização do cumprimento das normas de estacionamento de veículos e de circulação rodoviária e para o levantamento de auto ou desenvolvimento de inquérito por ilícito de mera ordenação social, de transgressão ou criminal, designadamente por elaboração de autos de notícia, autos de contra-ordenação ou transgressão por infracções às normas referidas. Assim, é óbvio que o arguido estava a cometer, em flagrante delito - tal como este é definido pelo art.256.° do C.P.P. - desde logo, o crime de desobediência, punido com pena de prisão até um ano.

  8. - De acordo com a lei-quadro vigente, como previsto pelo seu art.3.°, n.°4 e pelo seu art.4°, quando por efeito do exercício dos poderes de autoridade previstos, os órgãos de polícia municipal directamente verifiquem o cometimento de qualquer crime podem proceder: à identificação e revista dos suspeitos no local do cometimento do ilícito; à sua imediata condução à autoridade judiciária ou ao órgão de polícia criminal competente; à detenção de suspeitos de crime punível com pena de prisão, em caso de flagrante delito, nos termos da lei processual penal; à denúncia dos crimes de que tiverem conhecimento no exercício das suas funções e competente levantamento de auto, e à prática dos actos cautelares necessários e urgentes para acautelar os meios de prova, nos termos da lei processual penal, até à chegada do órgão de polícia criminal competente.

  9. - Foi a assistente, agente da polícia municipal AM…, quem com formação exemplar, cumpriu toda a legislação em vigor, mesmo «sofrendo na pele» as pressões e humilhação resultantes dos humores do arguido, por não lhe «tirar a multa». Foi a personalidade do arguido, desconforme com o direito, a originadora dos factos, e não um pequeno grau de surdez que poderá ou não ter, pois nem isso dá qualquer direito a maltratar quem trabalha, nem as prisões estão cheias de surdos...

  10. - O arguido deve ser condenado pelos crimes de desobediência e resistência e coacção sobre funcionário, mas também pelo crime de ofensas à integridade física, pois estes dois últimos estão numa relação de concurso real efectivo, dada a diversidade dos bens jurídicos protegidos pelos crime - por unidade do sistema jurídico, na senda desde logo do A.U.J. n.°8/2000 do S.T.3., quanto aos crimes de burla e falsificação. Quanto aos crimes em causa, como decidiu o Ac. S.T.J. de 25.09.02, in C7, Tomo III, pg. 182: no tipo do art.347.° do C.P. não se protege o bem jurídico da integridade física do funcionário como bem pessoal dele, para mais se tal bem jurídico for entendido no sentido de que a qualidade de funcionário agrava a incriminação da ofensa. Por isso, a incriminação das ofensas à integridade física do funcionário que não possa considerar-se consumida, em termos de concurso aparente, pela incriminação pelo crime de resistência e coacção sobre funcionário, concorre com ela em termos de concurso efectivo.

  11. - A violência exigida pelo art.347.° do C.P., não precisa de consistir na agressão física, bastando-lhe a simples hostilidade, idónea a coagir, impedir ou dificultar a actuação legítima do funcionário (cf., Ac. R.P., in C.7., 1995, Tomo II, pg.232) pelo que, se a actuação do arguido, com exclusão das ofensas corporais, for suficiente para se julgar verificado o crime de resistência e coacção, aquelas terão que ser valoradas em sede de concurso real com o outro tipo-de-ilícito em causa. No caso, a actuação insistente do arguido, falando em tom muito alto, pressionando a assistente no sentido «de que lhe fosse retirada a multa» (cf., os factos provados n.°s 1 e 2) é só por si suficiente para o preenchimento do tipo previsto pelo art.347.° do C.P., pelo que existe concurso efectivo.

  12. — Em qualquer caso e subsidiariamente, dada a factualidade dada por provada na douta sentença recorrida, a ser absolvido do crime de resistência e coacção sobre funcionário, sempre o arguido teria e terá que ser condenado, por convolação, pelo crime de ofensa à integridade física qualificada, nos termos conjugados dos art.s 143.°, 146.°, n.°2, e 132.°, n.°2, todos do C.P., e 358.°, n.°3 do C.P.P..

Respondeu o magistrado do Ministério Público junto do Tribunal recorrido, dizendo que a decisão não padece de qualquer vício ou nulidade e que foram cumpridas as exigências de fundamentação da decisão de facto.

Respondeu ainda o arguido, formulando as seguintes conclusões: Impugnando a matéria de facto de facto, tem o recorrente de dar cumprimento ao disposto no n4 3 do artigo 412° do C.P.P., e não cumprindo tal ónus, deverá o Tribunal convidar o recorrente a suprir as deficiências encontradas, com a cominação de rejeição do recurso caso não cumpra o disposto na lei." - (vide Ac. STJ de 13 de Novembro de 2002; proc. n.º 3176/02, 3ª).

Quanto ao crime de injúria agravada, da prova produzida em julgamento não resultou inequivocamente provado que tivessem sido proferidas pelo arguido as expressões constantes da acusação, bem como as que foram reproduzidas pelas testemunhas ao longo das sessões de julgamento.

Quanto ao recurso de direito, sendo os requisitos constantes do artigo 412°, n° 2 de verificação cumulativa, e não tendo sido dado cumprimento a todos eles, nomeadamente ao constante nas alíneas a) e b), deverá o presente recurso ser rejeitado por falta de cumprimento dos mesmos.

Quanto ao crime de desobediência, muito embora se possa considerar que a ordem emanada foi legítima, sempre poderia a mesma estar ferida de nulidade por falta de verificação dos pressupostos de validade da mesma nos termos do artigo 11, n.ºs 2 e 3 da Lei nº 5/95 de 21.02, na redacção dada pela Lei nº 49/98 de...

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