Acórdão nº 3039/06.9TBCBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 30 de Setembro de 2008

Magistrado ResponsávelTÁVORA VÍTOR
Data da Resolução30 de Setembro de 2008
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

1. RELATÓRIO.

Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra.

A...

e mulher B...

, residentes na ............, Figueira da Foz vieram intentar contra a Ré C...

, casada com D...

, residente na ......, a presente acção declarativa com processo ordinário, com o fim de obterem a declaração de nulidade de um contrato de cessão de quota que celebraram com a Ré relativamente à sociedade comercial unipessoal denominada E...

efectuada por escritura celebrada em 29 de Dezembro de 2005.

Na sequência da declaração de nulidade, os AA. pedem que a Ré seja condenada a restituir-lhes duas letras de câmbio que emitiram e aceitaram a favor da Ré relativas ao pagamento do preço dessa cessão de quota, assim como pedem a entrega de um cheque no valor de € 67.000,00 também entregue para pagamento desse preço. Pedem, ainda, a restituição da quantia de € 180.000,00, acrescida de juros à taxa de 4% desde a citação até efectivo e integral pagamento, quantia esta já entregue por conta do pagamento do dito preço. Por fim, pedem que a Ré seja condenada a pagar-lhes, a título de indemnização pelos prejuízos sofridos, a quantia de € 97.312,42 euros, acrescida de juros à taxa legal de 4%, desde a citação e até efectivo e integral pagamento Estes pedidos baseiam-se na alegação de que a Ré enganou o Autor marido quando celebrou com ele a escritura de cessão de quota, já precedida da celebração de três contratos promessa, pois o estabelecimento comercial que era transmitido com a transmissão dessa quota tinha sido penhorado antes, em 2004, numa altura em que o estabelecimento pertencia à sociedade denominada F...

e foi vendido, depois, a um terceiro, judicialmente, em 13 de Dezembro de 2006.

Por conseguinte, quando o Autor adquiriu a quota à empresa E..., que entretanto a Ré tinha constituído, pensava o Autor que estava a adquirir o estabelecimento a esta sociedade, quando, na verdade, o estabelecimento tinha já sido adquirido por um terceiro.

A Ré arquitectou, para o efeito, uma acção de despejo simulada, com a participação do senhorio, com vista a despejar a sociedade F..., apossando-se a sociedade E..., de seguida do estabelecimento, como veio a suceder.

Os Autores acabaram por ser judicialmente desapossados da exploração do estabelecimento em 27 de Abril de 2006, altura em que haviam pago já, por conta do preço, € 180.000,00 em dinheiro e emitido duas letras de câmbio para pagamento do preço, estando a Ré na posse de um cheque do Autor no montante de 667.000,00 euros.

Com este negócio e desapossamento do estabelecimento comercial, os Autores sofreram ainda prejuízos que consistiram no pagamento de salários aos empregados durante dois meses, perda de mercadorias e das verbas que teriam facturado e não facturaram durante o tempo em que o estabelecimento esteve encerrado.

A Ré contestou dizendo que o Autor sempre esteve a par da situação em que se encontrava o restaurante e que o preço da cessão da quota foi apenas de € 105 000,00 euros, tal como consta no último contrato-promessa celebrado e na escritura, pois esta representa a última e real vontade das partes. Nega que tenha recebido as quantias que perfazem os € 180.000,00 pedidos e que tenha havido alguma acção de despejo simulada. Alega ainda que a cessão teve a ver com a quota e não com os bens da sociedade, razão porque o contrato em causa foi e continua válido apesar da venda do café-restaurante em 13 de Dezembro de 2005.

Pronuncia-se pela inexistência dos prejuízos alegados, causados pelo encerramento do café-restaurante durante dois meses.

Concluiu pela improcedência do pedido.

No saneador conheceu-se da validade e regularidade da instância, sendo elencados os factos assentes e elaborada a base instrutória.

Foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e declarou nulo o contrato de cessão de quota celebrado entre o Autor marido e a Ré em 29 de Dezembro de 2005 referido na alínea c) dos factos provados, condenado a Ré a entregar aos AA. as duas letras de câmbio identificadas no artigo 44º da Petição inicial. Mais condenou ainda a Ré a pagar aos AA. a quantia de € 25.000 acrescida de juros à taxa anual de 4% desde a citação e até integral pagamento, absolvendo-se a Ré do mais que vinha pedido.

Daí o presente recurso de apelação interposto pela Autora, a qual no termo da sua alegação pediu que se revogue a sentença em análise, substituindo-se por acórdão que condene a Ré nos precisos termos propugnados.

Foram para tanto apresentadas as seguintes, Conclusões.

1) A sentença recorrida na sua fundamentação refere que o contrato celebrado entre o Autor, ora Recorrente e a Ré, ora Recorrida, deve ser declarado anulado, tal como pede o Autor, por vício e erro na formação da vontade; 2. No entanto no ponto V. da Sentença (Decisão) a Tribunal a quo declara o contrato celebrado entre Autor e Ré nulo.

3) Por tal motivo, a sentença proferida pelo Tribunal a quo é nula nos termos do artº 668º, nº 1 alínea c) do C.P.C. por existir oposição entre os fundamentos e a decisão.

4) Haverá, pois, que alterar a Sentença recorrida de modo a que seja declarado anulado o negócio celebrado entre Autor e Ré.

5) O Sr. Juiz do Tribunal a quo, durante toda a fundamentação da Sentença ora fala em nulidade, ora fala em anulabilidade, pelo que haverá que alterar a Sentença recorrida de modo a que em todo o texto da sentença se leia "anulado” o negócio celebrado entre Autor e Ré; 6) O Tribunal a quo não deu como provado factos que não podia deixar de considerar como tal é o caso do facto constante no quesito 14º da Base Instrutória.

7) O quesito 14º foi dado como não provado, mas na sua fundamentação não foi feita qualquer alusão ao depoimento da testemunha G...

, o qual foi da máxima importância para a prova do quesito em causa.

8) Tendo em conta o depoimento da testemunha G..., deveria o Tribunal a quo ter dado como provado que "para pagamento do preço acordado entre o Autor Marido e Ré, o Autor entregou à Ré, no dia 25/01/2006 a quantia de 20.000,00 €", i.e., deveria ter dado como provado o quesito 14º.

9) O depoimento de G... foi totalmente conforme com o declarado pelo Autor em sede de julgamento.

10) Considerando todo o depoimento da testemunha G..., a entrega de 20.000,00 e que a testemunha assistiu só poderia corresponder à entrega dos 20.000,00 € constantes no quesito 14; 11) O quesito 14º da Base Instrutória deveria ter sido dado como provado.

12) Em consequência da resposta positiva ao quesito 14, o quesito 1º deveria ser dado como provado que "a quota referida na alínea c)dos factos provados foi cedida pelo preço real de pelo menos 145.000,00 €." 13) No caso concreto nos presentes autos, o Tribunal a quo não deveria ter entendida, como entendeu, que os factos/danos dados como provados na resposta aos quesitos não são indemnizáveis, uma vez que só seriam indemnizáveis se o contrato fosse válido.

14) A obrigação de indemnizar é um efeito do dolo, autónomo relativamente à anulabilidade, surgindo mesmo quando não se verifiquem todos os requisitos do exercício do direito de anular ou este já tenha caducado.

15) Por isso, a Ré, ora Recorrida, está constituída na obrigação de indemnizar o Autor, ora Recorrente.

16) Configurando tal situação como de responsabilidade pré-negocial, nos termos do artº 227º do C.C., que impõe que as partes contratantes procedam lealmente quer na fase pré-contratual quer na fase da conclusão do contrato e comina o dever de indemnizar o lesado pelos prejuízos por ele sofridos por parte daquele que, culposamente, a eles deu causa em virtude de ter agido com desonestidade e indignidade nos preliminares e conclusão do contrato.

17) Não pode, pois, uma das partes contratantes, sabendo de um facto que a outra ignora e exigindo as regras da lealdade negocial que o dê a conhecer ao outro contratante, esconder à outra esse acontecimento 18) A deslealdade negocial que vier a ser detectada deve ter a suportá-la culpa da parte, culpa que se presume se o contraente violou o sobredito dever de lealdade.

19) Do circunstancialismo fáctico dado como provado pelo Douto Tribunal a quo, imputa-se à Ré a utilização de um artifício ardiloso, tendo a mesma actuado com fraude, de forma enganosa e manipuladora, conduta essa através da qual o Autor foi enganado quer no decurso das negociações que com a Ré manteve, quer na conclusão do contrato.

20) Tendo a Ré, consequentemente, agido com culpa.

21) Deveria, pois, a sentença proferida pelo Tribunal a quo condenar a Ré, ora Recorrida, a pagar aos Autores, ora Recorrentes, uma indemnização no valor total de 60.882,22 €, nos termos do art. 227º do C.C., pelos prejuízos sofridos por estes, em resultado da actuação dolosa daquela, na outorga dos identificados contratos promessa e, ainda, na outorga do contrato definitivo de cessão de quotas.

22) A Sentença recorrida, refere, quanto aos bens comestíveis que valiam 4.150,00 € (quesito 29), que não se sabe se os mesmos ficaram inutilizados ou se foram aproveitados pelo que não se pode concluir por um dano.

23) Porém, o Tribunal a quo não atendeu e não fez qualquer referência, quanto a esta matéria, ao depoimento de qualquer testemunha.

24) Deveria o Tribunal a quo atender ao depoimento das testemunhas G..., H...

e I...

, e em consequência deveria ter dado aquele valor como um verdadeiro dano e como dano indemnizável.

25) Os bens comestíveis existentes no estabelecimento foram aproveitados por alguém, não o foram certamente pelo Autor – que foi de imediato, após entrega efectiva do estabelecimento ao Exequente I..., colocado na rua, e mudadas as fechaduras, só lá tendo entrado passado dois meses; 26) Várias foram as testemunhas que afirmaram que os bens comestíveis existentes foram "deitados fora" no próprio dia do desapossamento, nomeadamente as refeições que estavam prontas a servir à hora do almoço; 27) A testemunha G... referiu que as comidas que estavam prontas a servir foram todas deitadas fora.

28) A senhora Solicitadora de Execução...

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