Acórdão nº 35558/11.0YYLSB-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 01 de Julho de 2014

Magistrado ResponsávelMARIA DOMINGAS SIMÕES
Data da Resolução01 de Julho de 2014
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)
  1. Relatório No Tribunal Judicial de Porto de Mós, Por apenso à execução que lhe é movida e a outros por A...

, SA, veio o executado B...

deduzir oposição, o que fez com os seguintes fundamentos: - a livrança dada à execução no valor de € 806 763,58 foi pelo opoente e demais obrigados subscrita em branco, destinando-se a garantir o cumprimento das obrigações assumidas pela subscritora no âmbito de contrato de conta corrente caucionada celebrado com o banco exequente em 11 de Junho de 2007; - na sequência da renúncia a todos os cargos de administração que desempenhava nas empresas do grupo G..., incluindo a sociedade H..., distribuição de combustíveis, sociedade unipessoal, Lda., subscritora da livrança, o opoente denunciou validamente o aval prestado, o que fez mediante cartas dirigidas à instituição bancária exequente em 9/3/2009, 23/3/2009 e 18/872009; - o silêncio do banco exequente, que se prolongou desde o envio da carta denúncia até à resolução do contrato em Agosto de 2011, consubstancia uma verdadeira aceitação tácita da denúncia dos avales prestados; - a não ser entendido desse modo, a conduta do banco exequente, transmitindo ao opoente que o assunto estaria a ser resolvido, nomeadamente com a negociação da reestruturação das dívidas das empresas envolvidas e pedidos de novas garantias, consubstancia abuso de direito, na modalidade de “venire contra factum proprium”; - o aval pode ser denunciado até ao momento do preenchimento do título, por ser contrária ao princípio da liberdade económica das pessoas a manutenção de vínculos perpétuos ou de duração indefinida; - em todo o caso, não tendo o contrato de conta corrente subjacente sido validamente resolvido, a livrança foi abusivamente preenchida, excepção que o opoente pode opor à instituição bancária exequente, uma vez que interveio no pacto de preenchimento; - no que respeita à livrança no valor de € 539.666,67, segundo título aqui dado à execução, entregue à exequente para caução da garantia bancária n.º 532008030, o aval prestado foi igualmente denunciado nos termos antecedentemente expostos, denúncia que, neste caso concreto, foi expressamente aceite pela instituição bancária, conforme comunicação efectuada; - deste modo, ao preencher o título e apresentá-lo a cobrança coerciva, a exequente actuou em abuso de direito; - também em relação a este título se verifica a excepção do preenchimento abusivo, desconhecendo até o opoente se a garantia foi ou não honrada pelo banco exequente; - tal decorre ainda do facto da garantia bancária em causa ter sido objecto de um aditamento em 5/9/2009 que o opoente não subscreveu, ficando a garantir um novo contrato, sendo certo que à data já não fazia parte da administração da subscritora e havia denunciado validamente o aval prestado.

Com tais fundamentos pretende que a denominada denúncia dos avales prestados seja declarada válida e eficaz ou, quando assim se não entenda, sejam julgadas procedentes as excepções invocadas, concluindo-se, em todo o caso, pela absolvição do opoente.

* Notificada a exequente, apresentou contestação, peça na qual defendeu a impossibilidade da aplicação ao aval do regime da denúncia, pronunciando-se ainda pela improcedência das excepções invocadas.

* Prosseguiram os autos com selecção dos factos assentes e selecção da base instrutória, peças não reclamadas e, realizada a audiência de discussão e julgamento e decidida a matéria de facto, foi por fim proferida sentença que decretou a improcedência da oposição.

Irresignado, o opoente interpôs o presente recurso e, tendo apresentado doutas alegações, rematou-as com as seguintes conclusões: “1ª. Vem o presente recurso interposto da douta Sentença que julga a presente oposição totalmente improcedente por não provada.

  1. Incide o presente recurso sobre matéria de direito, nos termos supra expostos.

  2. Pretende o Recorrente ver reprovada a sentença por a douta opinião do Tribunal carecer da ponderação de circunstâncias concretas ao caso, constantes da fundamentação de facto, que admitem o reconhecimento de tal faculdade de desvinculação unilateral.

  3. Tal razoabilidade funda-se na “ponderação da interface que, através do acordo de preenchimento, se estabelece com a relação jurídica pela sociedade. Nos financiamentos bancários típicos, como a abertura de crédito simples ou em conta corrente, o fluxo financeiro que determina a dívida cambiariamente garantida depende das solicitações feitas pela sociedade em cada momento – o que confere pleno sentido à tese segundo o qual a cessação da qualidade de sócio implica uma inexigibilidade de permanecer vinculado como garante”.

  4. Pelo que se pode já vislumbrar que a permanência do ora Recorrente enquanto garante da obrigação cambiária, face aos factos provados, não é admissível, por representar uma violenta distorção da vontade presumível das partes.

  5. A execução do título cambiário avalizado tem como base o accionamento de garantia bancária à primeira solicitação. Como resulta claramente da matéria de facto provada, a ora Recorrida pretendeu, como que por passo de mágica, repristinar essa garantia.

  6. Atribuindo-lhe, unilateral e abusivamente, as propriedades e objecto pretendidos.

  7. Não se compreendendo como a garantia em causa, destinada a caucionar contrato celebrado entre a ora Recorrente e a I... “em 23 de Dezembro de 2004”, possa, por unilateral manifestação de vontade da ora Recorrida, ser também destinada a caucionar contrato “celebrado entre a peticionária e a I... em 01 de Abril de 2008”.

  8. Trata-se de um claro abuso, que inviabiliza os pretensos direitos da ora Recorrida face à ora Recorrente e cuja prevalência apenas se pode apontar a um lapso de julgamento do douto Tribunal a quo.

  9. Ademais, no que diz respeito à denúncia da livrança, não se poderá, no entendimento do ora Recorrente, e em linha com o entendimento do voto de vencido do Venerando Conselheiro Paulo Armínio de Oliveira e Sá – expresso, inclusive, no douto acórdão de uniformização de jurisprudência 4/2013 - “excluir, sem mais, a possibilidade de denúncia do aval, em quaisquer circunstâncias”, não se acolhendo o entendimento de constituir “um princípio geral de direito só derrogável por expressa disposição legal, a livre denunciabilidade das obrigações por tempo indeterminado”.

  10. Assim sendo, estaremos perante um violentar da vontade presumível das partes, contrário à ordem pública, pois é inerente às relações jurídicas de duração indefinida (sem prazo de duração) como a aqui verificada, particularmente pelo exposto supra, a faculdade de pôr-lhes termo mediante denúncia.

  11. Ademais, não se aceita a renúncia absoluta à admissibilidade em operar a denúncia, verificadas determinas circunstâncias.

  12. Mormente, como entende resultar da factualidade deste caso, quando a permanência como garante se torne excessiva e irrazoável em face dos riscos abrangidos por essa mesma relação substancial da sociedade avalizada (a desvinculação do “acordo de preenchimento” celebrado entre a sociedade avalizada, o portador da livrança em branco e o avalista).

  13. Nessa condicionante, entende o ora Recorrente que deve ser considerada lícita a faculdade de denúncia do aval e, consequente, resolução de tal acordo por parte do avalista com base na invocação de uma causa de inexigibilidade superveniente, desde que atendível e não exercida abusivamente.

  14. Conforme resulta do exposto, na douta sentença recorrida não foi considerado que no caso em análise foi gerada uma situação de confiança, expressa na presença de elementos objectivos capazes de, em abstracto, provocarem uma crença plausível, consistente em, da parte do recorrente, ter havido um assentar efectivo de actividades jurídicas sobre a crença criada, e que é exclusivamente imputável à ora recorrida.

  15. Nesta conformidade, cremos que a conduta da recorrida sempre integraria manifesto abuso dos seus pretensos direitos (art.º 334º do C. Civil).

  16. Não desconhece o ora Recorrente o conteúdo do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/2013. No entanto, entende o ora Recorrente não ser subsumível à presente factualidade a argumentação nela exposta.

  17. Pois seria contrário à liberdade económica a compaginação de inadmissibilidade de tal denúncia, por representar a validação de um vínculo de duração indefinida, com vigência ilimitada no tempo.

  18. É de referir que a finalidade dos acórdãos de uniformização de jurisprudência, já sem força vinculativa, reside na mera finalidade de persuasão dos órgãos jurisdicionais.

  19. Por tudo o exposto, no que concerne à distinta factualidade verificada no caso sub judice, entende o ora Recorrente como incompreensível, o afastamento, sem necessidade de maiores considerações, dessa solução.

  20. O ora Recorrente, ao denunciar o aval, nas circunstâncias de tempo em que o fez, não agravou a situação creditícia do ora Recorrido, antes pelo contrário, permitiu, de boa-fé, que este actuasse de forma adequada.

  21. Sendo o Recorrente a parte fraca, por débil economicamente e a menos preparada tecnicamente, de uma relação concluída com um contraente profissional, dever-lhe-á ser amplamente permitido o recurso a todos os meios de defesa, como forma de o proteger face à sua evidente fragilidade.

  22. Mostra-se violado o n.º 2 do art. 762.º do C. Civil e o princípio geral da boa-fé que nele se contém, de onde decorre a obrigação de informação que, uma vez violada, implica a libertação da responsabilidade do recorrente em relação ao aval cuja retirada solicitou; 24ª. A relação que intercede entre o avalista do subscritor e o beneficiário de uma livrança é uma relação imediata, na medida em que a obrigação daquele encontra como primeiro credor o beneficiário, o qual assim se lhe opõe directamente.

  23. Mostra-se incorrectamente interpretado o regime jurídico das letras e livranças, mormente o art. 17.º da Lei Uniforme respectiva, o qual postula interpretação como a que se contém na precedente conclusão.

  24. Deve considerar-se perfeitamente válida e...

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