Acórdão nº 1156/05.1TBVIS-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 03 de Junho de 2014

Magistrado ResponsávelBARATEIRO MARTINS
Data da Resolução03 de Junho de 2014
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra: I – Relatório A...

, divorciado, com os sinais dos autos, requereu – por apenso ao processo em que foi decretado o divórcio do casamento que celebrou com B... , também identificada nos autos – que se procedesse a inventário para partilha de bens.

Nomeado o cabeça de casal (o próprio requerente), junta a relação de bens, apresentada e decidida a reclamação da requerida, foi designado dia para a conferência de interessados.

“Conferência” em que, não havendo acordo quanto à composição dos quinhões, se começou por deliberar sobre o passivo relacionado, após o que o Exmo. Juiz declarou abertas as licitações.

Seguiram os autos a sua posterior marcha normal, tendo sido elaborado o mapa da partilha e proferida a sentença homologatória, de que o requerente A...recorreu, recurso que foi admitido como apelação, a subir imediatamente, visando a manutenção na relação de bens tanto da verba n.° 4 como da verba n.° 85.

Foram oportunamente apresentadas as alegações.

Concluiu o requerente/apelante: 1°) Tal como acertada e cristalinamente enunciado pelo Meritíssimo Juiz “a quo, a págs. 4 e 5 do douto Despacho recorrido, “A dúvida sobre a realidade de um facto ... resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita», pelo que, sendo “... ao interessado reclamante que compete a prova ... da não existência dos bens ... cuja exclusão requer», só a absoluta certeza da inexistência desses bens poderá determinar a eliminação das atinentes verbas da relação de bens; caso contrário, na dúvida (por mínima que seja), tais verbas devem manter-se.

2.º) Ou poderia o Mm. Juiz a quo ter optado por remeter as questões para os meios comuns nos termos do disposto no Art. 1350.º/1 do Código de Processo Civil.

3 º) O Meritíssimo Juiz “a quo”, através do douto Despacho recorrido, sustentou a sua absoluta certeza de que o ex-casal (incluindo, portanto, o ora Recorrente) teria doado à sua filha as questionadas acções ao portador em duas concomitantes circunstâncias: esta figurar como participante, na qualidade de accionista, na acta de uma das assembleias gerais da empresa e o próprio Recorrente ter afirmado à testemunha C... que as acções teriam advindo à posse da sua filha por doação dos pais (ou seja, também dele próprio).

4.º) Quanto à primeira circunstância (participação numa assembleia geral), convirá desde logo relevar que, por si só, a mesma não permite a conclusão (muito menos, absolutamente segura) de que, lá por a filha se ter apresentado numa assembleia geral como portadora das acções, estas hajam validamente saído do património comum do casal constituído pelos seus pais (poderia tê-las furtado, por exemplo, ou, como no caso será bastante mais plausível, poderia ser que só um dos progenitores lhe tivesse feito entrega do títulos); tanto assim é, aliás, que o próprio Meritíssimo Juiz “a quo” cuidou (e bem) de tentar legitimar a posse dos títulos pela filha com a doação dos pais (ambos e, portanto, também o ora Recorrente).

5) Em todo o caso, sempre haverá que atentar às especificidades do concreto caso em apreço, que não podem senão suscitar enormes e fundadas dúvidas sobre a efectiva ocorrência da suposta doação: a) de acordo com a prova testemunhal produzida a tal respeito, a doação das acções pelos pais à filha teria como finalidade viabilizar ali o futuro profissional da filha (que estava em formação na área de actividade a que se dedica a empresa), até de modo a aligeirar a vida profissional da mãe (que administrava a empresa desde a sua fundação, sendo que, no dizer de uma das testemunhas, “a idade é uma situação que não perdoa”); pois bem, não só a mãe continuou e continua a administrar a empresa, como nunca a filha para lá foi, tendo inclusivamente vendido pouco tempo depois a um outro accionista as acções que (supostamente) lhe tinham sido doadas pelos seus pais!? b) a empresa tinha a mesma composição societária desde a sua fundação e não há notícia de qualquer diferendo entre os seus sócios e/ou accionistas (que, aliás, já anteriormente assim haviam privado numa outra empresa em que trabalhavam), pelo não será difícil conceber (ainda que em mera conjectura de raciocínio) que os demais accionistas tudo pudessem fazer para auxiliar a Requerida (ela, sim, sua co-accionista, não o ora Recorrente), revestindo-se, pois, da maior importância os procedimentos exteriores à empresa, na medida em que só aí a Requerida poderia encontrar dificuldades em prosseguir o seu propósito de subtrair as acções ao património comum do ex-casal; pois bem, o que se constata é que nenhum desses procedimentos se mostra ter sido observado — não foi entregue a declaração de transmissão de acções a que alude o Art. 138°/1 do CIRS, na redacção do DL no 198/2001 (omitida por duas vezes, aquando da suposta doação das acções e, depois, também aquando da sua alienação a um outro accionista) e também a alienação das acções a um outro accionista não foi incluída na declaração de IRS da filha (através do preenchimento do respectivo Anexo G!? c) tratando-se de uma empresa escrupulosa no cumprimento das respectivas obrigações (como resultou dos depoimentos testemunhais colhidos), a inobservância da primeira daquelas formalidades obstaria a que a filha pudesse exercer quaisquer direitos sociais, muito menos participar em assembleias gerais da sociedade; pois bem, mesmo dispondo de ROC (a quem compete, além do mais, fiscalizar pelo cumprimento da legalidade), a filha surge numa acta como participante numa assembleia geral, sem que sequer se mostre ter-lhe sido solicitada comprovação de entrega da referida declaração!? 6°) Quanto à segunda circunstância (o próprio Recorrente ter afirmado à testemunha C...que as acções teriam advindo à posse da sua filha por doação dos pais), aquilo que, na realidade, a testemunha C... afirmou foi, apenas e tão somente, que o ora Recorrente lhe teria dado a conhecer a intenção de doar as acções à filha e nada mais; o resto (que essa doação teria realmente ocorrido), deduziu-o a testemunha ao saber que a filha do ex-casal teria comparecido a uma assembleia geral da empresa na posse dos títulos.

7°) Por fim, decidiu o Meritíssimo Juiz a que” eliminar a verba n.° 4 da relação de bens, uma vez que o valor da indemnização declarada em acção judicial, depois de deduzido o montante relativo a despesas e honorários com a Mandatária, foi distribuído pelos Autores, recebendo o cabeça de casal a sua parte através de cheque que lhe foi entregue por um cunhado e que foi levantado tardiamente 8.º) Com efeito, não resulta do conteúdo da carta da lustre Mandatária na Acção, enviada ao Recorrente, que lhe tenha sido entregue qualquer cheque, nem mencionada qualquer quantia.

9°) Não foi junta aos autos cópia do cheque e de quem procedeu ao seu levantamento, pelo que não foi produzida qualquer prova relativamente a esse pagamento, devendo, assim, ser mantida a verba n°4 da relação de bens.

(…)” Concluiu a requerida/apelada: 1ª - Deve improceder a apelação, confirmando-se a douta sentença recorrida.

  1. - Pois que os concretos meios probatórios existentes no processo impunham a decisão recorrida, 3ª - Ou seja, a douta decisão que eliminou da relação de bens, as verbas n.ºs 85 (acções) e verba n.º4 (valor da indemnização) do acervo a partilhar.

    Vejamos, 4ª - Testemunha C...melhor identificada na acta de 23 de Janeiro de 2012, ouvido no dia 23/01/2012, 14:14:26 a 14:33:30, total 00:19:03, cujo depoimento se encontra gravado em suporte digital, e que contrariamente ao que o Apelante alega, não só referiu no seu depoimento que o Apelante tinha intenção de doar as acções à filha do ex casal como ouviu dele que o mesmo doou as acções á filha; Testemunha D... esta acionista da referida Empresa E... , S.A., melhor identificada na acta de 23 de Janeiro de 2012, ouvida no dia 23/01/2012, 10:26:22 a 11:14:40, total 00:48:17, cujo depoimento se encontra gravado em suporte digital.

    Do seu depoimento resulta e passa a transcrever-se: «(…)T1 – De saúde, estava F..., portanto, a filha do casal nessa assembleia e nós, ao assinar as atas, portanto, ela estava como acionista.

    MRda – Portanto, já não estava a mãe? T1 – Não, a B... só esteve talvez uma vez, uma vez ou duas, eu não posso prec…,sei que foi perto disso, … MRda – Depois passou a ir a F...? T1 – E eu questionei a F... e ela disse-me que tinha sido uma oferta de casamento, as ações.(…)»; A testemunha H....., ROC da Empresa E...l S.A., melhor identificado na acta de 07 de Março de 2012, ouvido no dia 07/03/2012, 15:01:17 a 15:25:51, total 00:24:34, cujo depoimento se encontra gravado em suporte digital.

    Do seu depoimento resulta e passa a transcrever-se: «(…)T14 – O que eu sei é que na, até uma determinada altura, até 2003, na Assembleia de 2003, porque as ações são ao portador, até 2003 a dona B... apare…, figurou como titular das ações, portanto, na Assembleia da aprovação das contas de 2002 e depois em 2003, em outubro, a part…, já figurou como titular a, a filha de ambos, a F....

    (…) MRda – E nessa Assembleia o senhor doutor esteve? T14 – Estive presente.

    (…) T14 – Em em outubro de 2003, já figurou como titular a F....

    MRda – E ela compareceu? T14 – E ela compareceu.

    MRda – Pronto. Portanto, sabe, portanto, em outubro, o senhor refere outubro de 2003, soube do casamente que tinha havido da, da, da F...? T14 – Sim, soube nessa altura, nessa altura.

    (…)»; Todas estas testemunhas mereceram a credibilidade do douto Tribunal recorrido, depuseram com objectividade e isenção.

  2. - Dos documentos existentes Temos junto aos autos: - acta n.º42, junta ao requerimento de 28 de Fevereiro de 2012 onde consta que esteve presente na Assembleia Geral de Outubro de 2003 como acionista a filha do ex casal Apelante e Apelada; - as actas da assembleia geral da E... S.A. e documentos anexos tais como listas de presenças desde 2004 até à presente data (fls. 378 a...

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