Acórdão nº 747/11.6TBTNV-J.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 03 de Junho de 2014
Magistrado Responsável | HENRIQUE ANTUNES |
Data da Resolução | 03 de Junho de 2014 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: 1.
Relatório.
Por decisão de 18 de Outubro de 2011, proferida no processo que, sob o nº 747/11, corre termos no 1º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Torres Novas, na qual foi declarada a insolvência de A… e de F… – que indicaram como seus cinco maiores credores a Caixa Geral de Depósitos SA, o Banco B…, SA, C…, D…, SA e G…, SA, com créditos nos valores de € 144.779,00, 12.057,00, 9.705,92 e 7.580,81, respectivamente - deferiu-se a estes liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante, determinou-se que nos cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência o rendimento disponível que os insolventes venham a auferir seja cedido ao fiduciário – cargo para o qual se nomeou a Sra. Administrador da Insolvência - declarou-se que, durante o período da cessão os insolventes ficam obrigados a cumprir as obrigações constantes do nº 4 do artº 239 do CIRE, sob pena de ser revogada a concessão da exoneração do passivo, e excluiu-se do rendimento disponível para pagamento aos credores por parte do fiduciário a quantia mensal de € 750,00 para cada um dos insolventes.
Todavia, por despacho de 24 de Maio de 2013, por se verificar que os insolventes, F… e A…, auferiam apenas a remuneração mensal de € 695,00 e de € 91,14, respectivamente, decidiu-se que o valor da parte excluída do rendimento auferido pelos insolventes que estará disponível para os credores por parte do fiduciário durante o período de exoneração do passiva seja de € 550,00 para o primeiro e de € 500,00 para a segunda.
Por despacho de 11 de Novembro de 2013, com fundamento em que no despacho que definiu a parte do rendimento dos insolventes a excluir do seu rendimento que será afecto aos seus credores se ponderaram devidamente os elementos indicados por estes no requerimento de 21 de Outubro de 2013, designadamente a composição do seu agregado familiar e ainda as suas eventuais despesas, a que os mesmos fazem menção no seu requerimento, indeferiu-se o pedido dos insolventes para ser alterado o despacho que definiu a parte do seu rendimento disponível excluída daquela que irá ser utilizada pela pagamento aos seus credores, designadamente para aumentar a parte excluída do rendimento do insolvente para o valor de € 655,00, manteve-se nos seus preciso termos o despacho que definiu a parte excluída para a eles ser afecta, do rendimento disponível para ser entregue aos credores dos insolventes, e ordenou-se a notificação da Sra. fiduciária para esclarecer se os insolventes estão a cumprir o plano de exoneração do passivo, entregando-lhe o rendimento disponível para ser afecto aos credores dos mesmos.
Por requerimento de 21 de Novembro de 2013, a Sra. Fiduciária esclareceu que os insolventes não estão a cumprir o plano de exoneração do passivo, com a entrega do rendimento disponível.
Ouvidos os insolventes, o Sr. Juiz de Direito, com fundamento na violação dolosa, por aqueles, desde Julho de 2013, durante cerca de 5 meses, da sua obrigação de entregar ao fiduciário a parte do seu rendimento que se destinava à cessão e à entrega aos credores, comportamento que prejudicou estes de forma relevante – revogou a exoneração do passivo que foi concedido aos insolventes.
É, precisamente, esta decisão que os insolventes impugnam no recurso ordinário de apelação, no qual pedem a sua revogação.
Os recorrentes encerraram a sua alegação com estas conclusões: … Não foi oferecida resposta.
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Factos relevantes para o conhecimento do objecto do recurso.
Os factos que relevam para a apreciação do recurso são os relativos ao conteúdo do despacho inicial de exoneração do passivo restante, ao valor do rendimento disponível aos insolventes que se considera cedido, à omissão, por aqueles, da obrigação de entrega desse rendimento e ao conteúdo do requerimento que produziram, documentados no relatório e nas conclusões do recurso.
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Fundamentos.
3.1.
Delimitação objectiva do âmbito do recurso.
Além de delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, o âmbito objectivo do recurso pode ser limitado, pelo próprio recorrente, no requerimento de interposição ou, expressa ou tacitamente, nas conclusões da alegação (artº 635 nºs 2, 1ª parte, e 3 do CPC)[1].
Nestas condições, tendo em conta o conteúdo da decisão impugnada e da alegação dos recorrentes, a questão concreta controversa que importa resolver é só uma: a de saber se a decisão que revogou a exoneração do passivo restante concedida aos insolventes deve ou não ser revogada.
A resolução deste problema vincula ao exame, ainda que breve, do fundamento final do instituto da exoneração do passivo restante e dos pressupostos da sua revogação.
3.2.
Fundamento final da exoneração do passivo restante.
De forma deliberadamente simplificadora, pode dizer-se que a exoneração do passivo restante se resolve na liberação definitiva do devedor insolvente do passivo que não seja integramente satisfeito no processo de insolvência – com excepção do que emirja de créditos alimentares, de créditos de indemnização por factos ilícitos dolosos, por multas, coimas ou outras sanções pecuniárias fundadas devidas por crime ou contra-ordenaçao ou de créditos tributários – ou nos cinco anos posteriores ao seu encerramento (artºs 235 e 245 nºs 1 e 2, a) a d) do CIRE).
A exoneração constitui, efectivamente, um facto extintivo de todos os créditos – com a excepção já apontada - sobre a insolvência que, no momento em que é concedida, i.e., no momento em que é proferido o despacho correspondente, ainda não se mostrem satisfeitos (artº 245 nº 1 do CIRE).
Numa rara unanimidade de pontos de vista, o legislador, a doutrina e a jurisprudência, são acordes, em vista do universo subjectivo do instituto – as pessoas físicas ou singulares - quanto ao seu fundamento final: proporcionar ao devedor um fresh start, ou uma nova oportunidade, de modo a que, liberto do passivo que o vinculava, se reabilite economicamente e se reintegre, plenamente na vida económica[2].
Simplesmente, esse fundamento final conflitua com um outro fim do processo de insolvência: a satisfação dos credores do insolvente (artº 1, 1ª parte, do CIRE).
O processo de...
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