Acórdão nº 174/12.8TJCBR-C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 21 de Janeiro de 2014

Magistrado ResponsávelMOREIRA DO CARMO
Data da Resolução21 de Janeiro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I – Relatório 1. Por apenso aos autos de insolvência de C (…) Unipessoal, Lda, com sede em Coimbra, foi aberto incidente de qualificação da insolvência com carácter pleno.

Os credores D (…) e P (…), requerentes da insolvência, apresentaram parecer no sentido da qualificação da insolvência como culposa.

Invocaram para tanto que a sociedade não apresentou as contas do ano de 2010, que faltam documentos na contabilidade justificativos de movimentos bancários na sua conta e que os movimentos da contabilidade apenas demonstram actividade até Abril de 2011. Que não cumpriu as suas obrigações fiscais quanto a IRC e quanto a IVA a partir do segundo trimestre de 2011. Que apesar de a única gerente da sociedade ser (…), era o seu marido, (…), quem administrava de facto a sociedade, assumindo a gestora de direito um papel de mera “ratificadora” dos actos de gestão praticados pelo marido. Que, desde a data em que foram admitidos ao seu serviço, apesar de a insolvente não ter problemas económicos, sempre se viram confrontados com atrasos no pagamento dos seus salários, para além de sempre se terem verificado atrasos sem qualquer explicação no pagamento aos fornecedores. Após a declaração de insolvência a insolvente continuou a exercer a sua actividade, e até contratou novos funcionários. Que nunca tendo faltado à insolvente clientela ou negócio houve utilização abusiva de bens da sociedade por parte dos seus administradores em proveito pessoal, tendo os administradores criado e agravado a débil situação da insolvência, que se considera culposa nos termos do art. 186º, nº 2, a), d), e) e h), do Código da Insolvência e da Recuperação da Empresa (CIRE).

No parecer apresentado a Administradora da Insolvência propôs também que a insolvência seja qualificada como culposa.

Alegou nesse sentido que a insolvente continuou a laborar depois da declaração da insolvência, que se desconhece o paradeiro dos bens do imobilizado, que os gerentes da insolvente, quer a gerente de direito quer o gerente de facto, deixaram de organizar a contabilidade da sociedade a partir de Março de 2011, que desde então não são lançados na contabilidade da insolvente quaisquer documentos, que os gerentes nunca prestaram contas da sociedade, nem as submeteram à fiscalização dos sócios, não havendo contas depositadas na Conservatória do Registo Comercial de Coimbra. A insolvente não cumpriu as suas obrigações declarativas fiscais, não pagou atempadamente os salários dos trabalhadores desde Dezembro de 2010, não paga contribuições à S. Social desde Novembro de 2010 e não paga impostos desde Fevereiro de 2011. Para além disso, enviou duas cartas à gerente da insolvente solicitando-lhe que comparecesse no seu escritório para prestar esclarecimentos, tendo a primeira sido devolvida por não ter sido reclamada e a segunda carta sido recebida sem que, contudo, a gerente tenha comparecido, dado qualquer explicação ou enviado a documentação e documentos de suporte da contabilidade da insolvente. Que a insolvência deve ser declarada culposa porque os gerentes, quer a gerente de direito quer o gerente de facto, incumpriram em termos substanciais o dever de manter a contabilidade organizada a partir de Março de 2011, só existindo movimentos registados na contabilidade até essa altura, para além de que os gerentes não prestaram as contas dos anos de 2010 e 2011 e não cumpriram as obrigações declarativas fiscais. Com isso obstaram a que se apercebessem na real situação económica e financeira da empresa, e impediram a administradora de compreender a situação patrimonial e financeira da sociedade à data do decretamento da insolvência, bem como as razões determinantes da mesma, e ainda de comprovar os montantes das dívidas da empresa a terceiros e das dívidas de terceiros à empresa. Conexionado com o dever de manter contabilidade organizada, incumpriram ainda o dever de submeter as contas a fiscalização e de as depositar na Conservatória competente. Acresce que os gerentes da insolvente incumpriram reiteradamente o dever de colaboração até à data da apresentação do parecer de qualificação da insolvência, não lhe tendo entregue qualquer documento da contabilidade, isto apesar de a gerente ter recebido a sentença declaratória da insolvência e ter sido notificada por carta registada com aviso de recepção pela administradora. Que os gerentes incumpriram o dever de se apresentar à insolvência já que, não pagando impostos desde Fevereiro de 2010, pelo menos desde essa altura deveriam ter proposto aos sócios medidas destinadas a ultrapassar as dificuldades da empresa, inclusive apresentando-a à insolvência. Ao omitirem esta apresentação, permitiram que a sociedade fosse acumulando dívidas acessórias, porque além dos impostos e das contribuições para a segurança social, a insolvente viu a sua situação patrimonial agravar-se com o débito de juros, encargos, coimas e despesas.

Conclui que o comportamento dos gerentes da insolvente integra as previsões do art. 186º, n.º 2, h) e i), e nº 3, a) e b), do CIRE, devendo a insolvência da sociedade ser qualificada como culposa e afectados pela qualificação os gerentes (…) (…).

O Ministério Público emitiu também parecer no sentido da qualificação da insolvência como culposa, pelos fundamentos expostos no parecer apresentado pela administradora da insolvência.

Notificada a devedora e citados os requeridos (…) e (…) estes deduziram oposição.

C (…) alegou que nunca exerceu de facto qualquer actividade como gerente da C-(…) tendo constituído a sociedade a solicitação expressa do seu marido, o requerido H (…), porque este não reunia a formação técnica ou académica que lhe permitisse ser nomeado gerente da sociedade, atento o seu objecto social. A sua nomeação como gerente foi assim meramente formal, sendo a empresa na realidade gerida pelo seu marido, pelo que desconhece o giro da empresa e tudo o que com ela se relacione. Que a primeira carta enviada pela administradora não foi remetida para o seu domicílio, tal como sucedeu com a segunda carta, e que na sequência desta última ocorreu uma reunião entre a administradora e o marido da oponente. Como tal, e porque não podia esclarecer o que fosse ou entregar quaisquer documentos, que não detinha, entende que não houve qualquer violação do seu dever de cooperação.

Concluiu que não se verificam os pressupostos para a qualificação da insolvência como culposa, devendo a mesma ser qualificada como fortuita.

O requerido H (…) deduziu igualmente oposição, na qual aceitou ter sido o único gerente de facto da C-(…) desde a sua constituição, mais invocando que a requerida C (...) nenhuma intervenção teve na sua gestão, tal como por esta defendido. Que a insolvente, apesar de ter sido constituída em Março de 2010, na prática apenas iniciou a sua actividade em Outubro desse ano, que desde logo teve um litígio com o TOC relativo aos seus honorários e que, devido ao impasse criado, o TOC não procedeu ao fecho das contas do ano de 2010 e não elaborou o dossier fiscal da empresa. Esse foi o motivo pelo qual a insolvente começou a incumprir com as suas obrigações perante o Fisco e a Segurança Social logo no final de 2010, tendo a empresa ficado numa total anomia fiscal e contributiva, sem capacidade para processar a sua documentação contabilística relevante. O oponente tentou desbloquear a situação recorrendo a outra TOC, mas esta não assumiu a contabilidade da insolvente porque o anterior TOC lhe comunicou que a insolvente tinha uma dívida para consigo, o que inviabilizou o fecho, a aprovação e o depósito das contas. Que a insolvente sempre teve uma carteira de clientes restrita, com progressiva escassez de projectos e trabalho e crescentes dificuldades de cobrança e recebimento, que determinaram a incapacidade da insolvente cumprir com os seus compromissos. Indicou ainda que não apresentou a sociedade à insolvência porque esperava o recebimento de vários créditos, cuja cobrança se afigurava viável, e impugnou a factualidade alegada pelos requerentes da insolvência quanto à prossecução da actividade da empresa após a insolvência e à alienação do património, bem como a factualidade alegada pela administradora relativamente à violação do dever de cooperação, e concluiu que a insolvência deve ser qualificada como fortuita.

Os credores D (…) e P (…) responderam à oposição apresentada pela requerida C (...) impugnando os factos nela alegados e esclarecendo que o gerente de uma sociedade com o objecto da insolvente não é legalmente obrigada a ter formação técnica ou académica específica, e ainda que esta gerente, ao contrário do que esta alega, tinha participação na vida da sociedade, além de que a mera gerência formal não a isenta de responsabilidade. Concluíram novamente pela qualificação da insolvência como culposa.

Apresentaram ainda resposta à oposição deduzida por H (…), na qual, para além de impugnarem os factos por este invocados, reiteraram os argumentos esgrimidos no parecer que haviam apresentado e no parecer da administradora da insolvência. Defenderem novamente a qualificação da insolvência como culposa, estendendo-se os efeitos da qualificação a ambos os requeridos.

* Foi, a final, proferida sentença que decidiu qualificar como culposa a insolvência de C-(…) Lda, e julgar afectados pela qualificação a gerente de direito C (…) e o gerente de facto H (…); mais declarou C (…) inibida para o exercício do comércio pelo período de 3 anos e H (…) inibido para o exercício do comércio por um período de 4 anos, bem como declarar ambos os requeridos inibidos, por igual período, para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa, nesse mesmo período * 2. C (…) interpôs recurso, tendo formulado as seguintes conclusões: (…) 3. Só o Mº Pº contra-alegou, pugnando pela manutenção do decidido.

II - Factos Provados 1. A insolvente foi constituída em 22.03.2010 e adotou a denominação C-(…)...

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