Acórdão nº 1117/09.1T2AVR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 21 de Janeiro de 2014

Magistrado ResponsávelBARATEIRO MARTINS
Data da Resolução21 de Janeiro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra: I – Relatório A..., Lda., com sede na Rua (...), Aveiro e B...

, com domicílio profissional na mesma morada, intentaram a presente acção declarativa, sob a forma de processo sumário, contra C...

, técnico oficial de contas, com domicílio profissional na Rua (...), Aveiro, pedindo a condenação deste: - a restituir à A. a quantia de € 5.875,00, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a data do recebimento da referida quantia pelo réu até efectiva e intetgral restituição à A, a título de enriquecimento sem causa; - a pagar aos AA. uma indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos, cujo valor será liquidado pelo tribunal, mas que não deverá ser inferior a € 10.000,00, acrescida de juros de mora à taxa legal, vencidos e vincendos, desde a data da citação do R. até integral e efectivo pagamento aos AA.

Alegaram, em síntese, que a A. celebrou com o R., em Dezembro de 2003, verbalmente, um contrato de prestação de serviços de contabilidade, mediante o qual este se obrigava a prestar todos os serviços de contabilidade da A. (efectuar o lançamento dos documentos que a empresa lhe entregava mensalmente, o encerramento das contas, a entrega às Finanças da declaração anual de rendimentos da autora e tratar dos vencimentos, das declarações de IVA e das declarações da Segurança Social); “serviços” que o R. foi efectuando com atrasos.

Assim, quando, em finais de 2006, a A. decidiu candidatar-se, mediante um projecto financeiro, a fundos comunitários, não logrou fazê-lo (o pedido foi indeferido por falta de documentação, por o R. não lhe disponibilizar os documentos contabilísticos indispensáveis - os modelos 22 do IRC), em virtude do R. não ter ainda encerrado as contas de 2004 e 2005; não tendo assim a A. logrado receber qualquer fundo comunitário, que ascenderia ao valor de € 120.000, e tendo suportado os custos (perante a Associação Nacional das PMES) resultantes da elaboração do projecto de investimento e do processo administrativo, no valor de € 4.235,00. Documentação em falta que era também necessária para o processo de licenciamento industrial, que se encontrava ainda em curso na Direcção Regional de Economia do Centro e na Câmara Municipal de Aveiro, o que acarretou atrasos e sérios transtornos e prejuízos para a A..

O que, tudo junto, levou a A. a resolver o contrato de prestação de serviços de contabilidade que havia celebrado com o A., com efeitos a partir de Agosto de 2007.

Neste contexto, mudou a A. de técnico de contas (para que toda a sua contabilidade fosse posta em ordem e ainda fosse possível a candidatura aos referidos fundos mediante um projecto de financiamento) e pediu ao R. que lhe entregasse todas as pastas com os documentos da empresa, o que este disse que só faria após o pagamento do montante de € 5.425,25.

A A., começou por negar tal pagamento, uma vez que havia pago ao R. todos os serviços prestados até à data, todavia, como o R. se mantivesse a exigir o pagamento, a A., mesmo sabendo que tal montante não era devido, perante a necessidade de obter os documentos em causa para elaborar o projecto financeiro e perante o estado de debilidade físico e psicológico decorrente do cancro diagnosticado ao seu legal representante (aqui A.), acabou, para obter a entrega de todas as pastas com os documentos da empresa, por proceder à entrega ao R. de 8 cheques, no valor de € 5.400,00[1], porém, “em 5 de Dezembro de 2007, a outra sócia da autora apercebendo-se da situação, decidiu, em face da debilidade do autor pessoa singular, [ordenou] à instituição bancária para que anulasse os cheques, com fundamento em vício na formação da vontade, embora um cheque já tivesse sido pago”.

Em face de tal “anulação”, o R. instaurou acção executiva contra a A., reclamando o pagamento dos sete cheques; tendo a A., aquando da diligência de penhora realizada e em face da iminência da mesma, com remoção e com os danos daí resultantes (quer para a autora, quer para o estado de saúde do A., internado de urgência no Hospital, por motivo de eventual ataque cardíaco, atenta a vergonha, injustiça e humilhação suscitada com a penhora), procedido ao pagamento da quantia exequenda, acrescida das custas judiciais, tudo no valor global de € 5.200,00.

Assim, defendendo a A. que não havia “causa” para o pagamento de tais € 5.200,00, assim como para o pagamento do 1.º cheque no montante de € 675,00, vem pedir, com fundamento no instituto do enriquecimento sem causa, que o R. lhe restitua o montante de €.5.875,00; e, defendendo ambos os AA. que a instauração da execução lhes causou danos não patrimoniais, vêm formular o pedido indemnizatório deduzido em 2.º lugar.

O R. apresentou contestação.

Começou por referir que houve documentos e elementos essenciais da contabilidade da A., relativos aos anos de 2003 e anteriores, que só lhe foram entregues nos primeiros meses do ano de 2007, razão por que só a partir desse momento ficou apetrechado a iniciar o lançamento das contas relativas aos anos de 2004, 2005 e 2006; porém, nunca deixou de prestar, de forma regular e pontual, todos os serviços de contabilidade que, dentro das limitações descritas, podiam ser legalmente praticados, a saber os apuramentos periódicos de IVA, salários e segurança social; e, quando em 2007, lhe foram disponibilizados todos documentos, logo iniciou a tarefa de efectuar os processamentos contabilísticos, afectando e mobilizando o pessoal e os meios do seu escritório ao serviço da contabilidade da A. (tendo pago, inclusive, horas extraordinárias a uma funcionária).

Mais referiu que nunca a A. lhe comunicou a intenção de se candidatar a qualquer fundo comunitário ou de iniciar qualquer processo de licenciamento industrial; e que a mudança de contabilista nada teve a ver com qualquer atraso, inércia ou falta de cumprimento seu, mas com a circunstância da A. ter conseguido outro contabilista disposto a realizar o serviço por um preço inferior.

Referiu ainda que nunca se recusou a entregar à A. as pastas com os documentos da empresa, nem fez depender essa entrega do pagamento de qualquer valor; que o que aconteceu foi que a A. se comprometeu a repor ao R. as diferenças mensais do pagamento dos serviços, desde o início do contrato, considerando o valor actualizado da avença em face do volume de documentos a tratar e processar; que, quando da cessação do contrato, a A. reconheceu perante o R. que lhe devia € 5.400,00, tendo, então, as partes estabelecido um acordo de pagamento dessa dívida que consistiu no pagamento daquela importância em 8 prestações, mensais, iguais e sucessivas, no valor de € 675,00, cada, tituladas pelos cheques que a A. lhe entregou (de que recebeu o 1.º e executou os restantes 7).

Concluiu pois pela total improcedência da acção.

Foi proferido despacho saneador – em que se julgou a instância totalmente regular – organizada a matéria factual com interesse para a decisão da causa, instruído o processo e realizada a audiência, após o que a Exma. Juíza proferiu sentença a “ (…) julgar a acção parcialmente procedente e, em consequência, condena-se o réu C... a restituir aos autores A..., Lda. eB..., a quantia de € 5.875,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, a contar da citação até integral e efectivo pagamento. (…)” Inconformados com tal decisão, interpuseram recurso os AA. e o R..

Os AA. visando a condenação do R. também no 2.º pedido formulado; terminam a sua alegação com conclusões que, em face da sua extensão, nos abstemos de aqui transcrever.

O R. visando a sua total absolvição; termina a sua alegação com conclusões igualmente demasiado longas para aqui poderem/deverem ser transcritas.

Não foram apresentadas quaisquer respostas.

Dispensados os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.

* II - Quanto à impugnação da decisão de facto: É este o momento – antes de se proceder ao alinhamento dos factos provados – para a apreciação e decisão da impugnação da decisão de facto.

Assim.

Quanto à impugnação dos AA./apelantes: Os AA./apelantes iniciam quer a peça recursiva quer as respectivas conclusões a invocar o “erro notório na apreciação da prova”, todavia, nada dizem que consubstancie tal invocação.

Trata-se claramente – a qualificação jurídico-processual do que invocam – dum equívoco.

Invocam e sustentam repetidamente os AA/apelantes que os factos dados como provados – que eles próprios reconhecem ter sido “grosso modo” dados como provados – devem conduzir à procedência do pedido indemnizatório que também formularam (e que foi julgado improcedente), porém, tal invocação, não configura um erro na apreciação na prova (como também não configura, ao invés do que também invocam, uma “nulidade de sentença por a fundamentação estar em oposição com a decisão”[2]), mas sim – a verificar-se, isto é a ocorrer mesmo – um erro na previsão ou na estatuição (em termos mais prosaicos, uma questão que tem a ver com a aplicação errada, segundo os AA/apelantes, do direito aos factos dados como provados), que, indiscutivelmente, não suscita ou coloca qualquer questão de reapreciação de factos.

Os AA/apelantes fazem várias citações sobre o que é o “erro notório na apreciação da prova”, porém, interpretam-nas erradamente.

Dizem, por ex., nas conclusões 5. e 6. 5. que é “erro notório o erro evidente, que não escapa ao homem comum, aquele de que um observador médio se apercebe com facilidade, que é patente”; que se “verifica, nomeadamente, quando se retira de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável, quando se dá como provado algo que normalmente está errado, que não poderia ter acontecido, ou quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória ou notoriamente violadora das regras da experiência comum, tudo por forma susceptível de ser alcançada pelo cidadão comum minimamente prevenido”.

Está certo, mas isto – o que se cita – não tem nada a ver com o que efectivamente invocam; isto –...

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