Acórdão nº 199/12.3TBALD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 28 de Janeiro de 2014

Data28 Janeiro 2014
ÓrgãoCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA 1.

A... Seguros, S.A.

instaurou contra L (…), ação declarativa de condenação com processo sumário.

Pediu: A condenação do réu no pagamento da quantia global de€ 6.175,59.

Alegou: Celebrou com o Réu um contrato de seguro do ramo automóvel, tendo assim este transferido para si a responsabilidade civil emergente dos danos derivados da circulação daquele veículo.

No dia 26/09/2007 ocorreu um acidente de viação no qual foram intervenientes o veículo RF conduzido pelo Réu e um peão.

O acidente ficou a dever-se a culpa única e exclusiva do Réu, uma vez que na altura circulava com uma taxa de alcoolemia de 2,42 g/l, estando por isso fisiologicamente debilitado ao ponto de não conseguir evitar o embate.

Em consequência do acidente, o peão sofreu inúmeros danos na sua integridade física, tendo suportado despesas e tendo a Autora reembolsado a lesada em tais gastos.

Satisfeita a indemnização ao peão lesado, tem um direito de regresso sobre o Réu no valor total de € 6.175,59, cujo pagamento peticiona.

O Réu contestou desde logo por exceção, alegando que o direito da autora há muito que prescreveu.

Em resposta à contestação, veio a Autora pugnar pela improcedência da referida exceção de prescrição.

2.

Findos os articulados foi proferida decisão na qual, para além do mais ao abrigo do disposto nos artigos 304º, 306º, 318º e 323º, 498º nºs 1 e 2 do C. Civil e 493º nºs 1 e 3 e 496º do C. P. Civil, julgou-se totalmente procedente a invocada excepção peremptória de prescrição, e em consequência absolveu-se o Réu do pedido formulado pela Autora.

3.

Inconformada recorreu a demandante.

Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões: 1.

A tarefa intelectual (de quem interpreta a Lei) encontra-se duplamente limitada: por uma exigência de coincidência, no fundamental, entre o espírito e a letra; e pela presunção legal de que o legislador se expressou dotado da máxima racionalidade (cfr. o artigo 9.º, n.os 2 e 3 do CC); 2.

Ao prever o alargamento do prazo de prescrição no artigo 498.º/3 do CC, o legislador teve o cuidado de restringi-lo aos casos em que o facto ilícito constitua crime “para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo”, quedando-se por esta singular reserva; nem condicionou este alargamento ao facto de ter corrido ou de estar pendente processo-crime e/ou de existir condenação penal; nem estabeleceu qualquer distinção entre a causa de pedir fundada em facto ilícito (reconduzível ao n.º 1) e a causa de pedir fundada em direito de regresso, por cumprimento de uma obrigação (reconduzível ao n.º 2); 3.

O que importa é a maior gravidade do facto, sendo irrelevante a circunstância de ter havido ou não procedimento criminal, designadamente por motivo de amnistia ou de falta de queixa; e os factos que podem ser apreciados para além dos três anos são, indistintamente, os do n.º 1 e os do n.º 2.

4.

As instâncias de recurso não devem ignorar que o direito da Seguradora, reconduzível ao artigo 27.º/1, alínea c) do Decreto-lei n.º 291/2007, não só assenta na prática de um facto ilícito (o da condução de um veículo automóvel, pelo demandado, com uma taxa de alcoolémia superior à permitida por Lei), como pressupõe a prova de que o mesmo foi causa adequada do acidente de viação; 5.

Assim, a Seguradora que pretenda ser ressarcida das quantias despendidas ao abrigo de um contrato de seguro (obrigatório) do Ramo Automóvel, com fundamento em “álcool”, não está dispensada da demonstração dos pressupostos tradicionais da responsabilidade civil extracontratual – o que implica que, também esta, tem interesse na discussão do que é ou possa ser crime; 6.

Mais, tem a Recorrente alguma dificuldade em perceber a sustentação in casu da preocupação invocada pelo Tribunal a quo, quando resulta à saciedade que inexiste o risco de duplo alargamento do prazo (em benefício do segurado e em benefício da sua Seguradora) ou, sequer, de uma extensão irrazoável: o facto ilícito está a ser invocado e apreciado pela primeira vez e a ninguém aproveitou já o disposto no artigo 498.º/3 do CC; 7.

Que a única condição legal para a aplicação do artigo 498.º/3 do CC se encontra reunida é inequívoco: atendendo ao tipo de lesões corporais que resultaram, para o peão menor, do acidente de viação em apreço mas, também, aos contornos que o mesmo assumiu (de violação comprovada, pelo R., de disposições estradais, designadamente do artigo 81.º/2 do CE, determinante de uma presunção júris tantum de negligência) sempre se pode imputar ao R. o crime de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. no artigo 148.º/1 do CP – e que o artigo 118.º/1, alínea c) dota de um prazo de prescrição de cinco anos; 8.

É quanto basta para que o Tribunal a quo devesse ter julgado improcedente a excepção de prescrição, porquanto: o último pagamento data de 11-03-2008; a presente acção foi intentada, com pedido de citação urgente, em 24-10-2012; e o R. citado em 29-10-2012, por aplicação do artigo 323.º/2 do CC, quando ainda não tinham decorrido os cinco anos da prescrição; 9.

Não o fazendo, incorreu em errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 9.º, n.os 1 a 3 e 498.º, n.os 2 e 3 do CC e 118.º/1, alínea c) e 148.º/1 do CP; 10.

Ainda que assim não fosse, e contrariamente ao que o artigo 27.º/1 do Decreto-lei n.º 291/2007 sugere, a pretensão da Recorrente não assenta num autêntico direito de regresso, que pudesse consubstanciar um direito novo, completamente distinto daquele que assistia ao lesado e, como tal, merecedor de outro tratamento; 11.

Ao invés, a Recorrente agiu na qualidade de garante de uma obrigação cujo responsável final é o R. ficando sub-rogada, ex vi legis, no direito do lesado, na exacta medida da sua satisfação – factualidade que está longe de coincidir com o direito de regresso dentro das relações de solidariedade típica ou própria, que são as do artigo 523.º do CC.

12.

Destarte, ao servir-se de uma qualificação equivocada da causa petendi, o Tribunal a quo incorreu em errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 27.º/1, alínea c) do Decreto-lei n.º 291/2007 e 592.º/1 e 593.º/1 do CC.

4.

Sendo que, por via de regra: artºs 635º nº4 e 639º do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, a questão essencial decidenda é a seguinte: Prescrição do direito da autora.

5.

Os factos a considerar, para além dos dimanantes do relatório supra, são os seguintes: O acidente ocorreu em 26.09.2007.

A presente ação foi autuada em 24.10.2012.

O réu conduzia o veículo com uma taxa de alcolémia de 2,42 g/L no sangue.

A autora despendeu com a lesada, por danos decorrentes do acidente 6.175,59 euros.

O último pagamento efetuado pela autora ocorreu em 11.03.2008.

6.

Apreciando.

6.1.

A questão tem sido sucessivamente e ao longo dos anos abordada e dilucidada pela jurisprudência.

E se até há cerca de 5, 6 anos, a jurisprudência se dividia, quiçá com maior preponderância da que defendia a aplicação do prazo do nº3 do artº 498º do CC não apenas às situações do nº1 mas também às do nº2, desde então que ela se inclina, numa significativa maioria, para a posição contrária.

Efetivamente e tal como, avisadamente, dá conta o Sr. Juiz a quo: «Recentemente, porém, o mesmo Supremo mudou de orientação, passando a entender, maioritariamente, que o maior prazo de prescrição, correspondente à prescrição do...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT