Acórdão nº 201/12.9T2ALB.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 28 de Janeiro de 2014
Magistrado Responsável | JOSÉ AVELINO GONÇALVES |
Data da Resolução | 28 de Janeiro de 2014 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam, em Conferência, na 3.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra: I – Relatório M… demanda V…, alegando que viveu em união de facto com a Ré e que nesse período terão adquirido em comum diversos bens móveis e imóveis, pretendendo a divisão dos seguintes bens: - "benfeitorias" realizadas em dois imóveis que melhor identifica, sendo um Urbano e outro Rústico e que, pese embora não seja alegado, nem dos autos conste a respectiva certidão de registo predial, de acordo com os contratos de mutuo juntos aos autos, serão propriedade do Autor; - de dois veículos automóveis, um adquirido em 2006 (…-81) e outro adquirido em 2010 (…-20); e - "passivo" que melhor identifica e descreve.
Invoca ainda créditos sobre a Ré resultantes do pagamento de mútuos bancários contraídos por ambos.
Decorridos os articulados, foi formulado um convite ao Autor no sentido de se pronunciar quanto à eventual excepção de erro na forma do processo relativamente ao pedido de divisão de "benfeitorias" e de "passivo" por se entender que, em face da disposição do art.º 1052.º do C.P.C., estes direitos não integram o conceito de "coisa" ali previsto, pelo que apenas os veículos poderão ser objecto dos presentes autos.
Relativamente aos veículos foi ainda o Autor convidado a concretizar factualmente a compropriedade que invoca sobre os mesmos, devendo esclarecer quando foram comprados (mostrando-se ilegíveis os respectivos registos de propriedade que juntou), e com que valores, bem como quando casou com a Ré e qual o regime de casamento, juntando a competente certidão de casamento, dado que resulta da contestação da Ré que Autor e Ré terão sido casados, tendo o seu casamento sido dissolvido por divórcio, decretado por sentença, em 23/02/2012.
O Autor veio responder referindo que contraiu casamento com a Ré em 2008; o veículo …-81 foi adquirido em 2006, e o veículo …-20 foi adquirido em 2010; as benfeitorias foram realizadas no prédio urbano que já era propriedade do Autor quando iniciou a sua relação com a Ré, tendo ali iniciado a construção da sua habitação, e depois ambos contraíram empréstimos para terminar tal habitação, pelo que as benfeitorias integram a divisão de bens, indicando jurisprudência e doutrina neste sentido.
A Ré respondeu impugnando que o imóvel urbano seja propriedade exclusiva do Autor, uma vez que foi comprado quando este já vivia em união de facto com a Ré, entendendo que o objecto da divisão deve ser todo o prédio.
Impugna também que o veículo …-20 tenha sido adquirido pelo casal, que à data de 2010 já estava desavindo e separado de facto, tendo sido tal aquisição exclusiva do Autor.
A Sr.ª Juiz do Juízo de Grande Instância Cível de Anadia proferiu a seguinte decisão: Face ao exposto, absolvo a Ré da instância quanto aos pedidos de "divisão" do passivo relacionado pelo Autor, de benfeitorias relacionadas pelo Autor, de créditos relacionados pelo Autor e do veículo de matrícula …-20.
Prosseguem os autos apenas para divisão do veículo de matrícula …-81.
Como supra se referiu, os autos prosseguem para divisão do veículo de matrícula …-81.
Uma vez que a Ré não contestou a comunhão deste veículo e é manifesto que o mesmo é indivisível em substância, entendo não ser necessária a produção de quaisquer provas, e declaro a comunhão do veículo de matricula …-81 na proporção de 50% para cada um (autor e Ré), assim como declaro que o mesmo é indivisível - cfr. art.º 1053.º do C.P.C.”.
II.O Objecto da instância de recurso O objecto do recurso acha-se delimitado pelas alegações do recorrente M… que as apresenta assim: ...
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Do direito As questões a decidir são as seguintes: Os pedidos de "divisão" do passivo, das benfeitorias, dos créditos relacionados pelo Autor e do veículo de matrícula …-20 cabem no processo de divisão de coisa comum? A 1.ª instância entendeu que não.
Justifica assim: “Com o devido respeito, quando o Autor pretende integrar na presente acção de "divisão de coisa comum", além do activo, o passivo, benfeitorias (que serão créditos) e outros créditos do Autor perante a Ré, confunde a acção especial de divisão de coisa comum com a acção de inventário para separação de bens em casos especiais, regulada nos artigos 1404.º e ss. do C.P.C., que segue os termos do processo de inventário geral no que não estiver especialmente regulado, como resulta até da jurisprudência e doutrina que indica, e que reportam a casos de inventário para partilha de bens do casal.
Do disposto no artigo 1345.º e ss. do C.P.C., especificamente dos seus n.s 1, 2 e 5, resulta que no inventário são relacionados os créditos (de algum dos cônjuges ou de terceiros); bens móveis e bens imóveis; as dívidas, como passivo; as benfeitorias que são relacionadas em separado quando possam separar-se do prédio em que foram realizadas ou como crédito, no caso contrário.
Porém, tal não sucede com a acção de divisão de coisa comum.
Nos termos do disposto no artigo 1052.º, n.º 1 do C.P.C., todo aquele que pretenda pôr termo à indivisão de coisa comum requererá, no confronto dos demais consortes, que, fixadas as respectivas quotas, se proceda à divisão em substância da coisa comum ou à adjudicação ou venda desta, com repartição do respectivo valor, quando a considere indivisível, indicando logo as provas.
A acção de divisão de coisa comum tem como objectivo proceder à divisão em substância da coisa ou, quando esta for indivisível, à sua adjudicação a algum dos consortes ou venda a terceiros, com repartição do seu valor.
Face a esta previsão, entendemos que as "benfeitorias" realizadas em imóveis e o "passivo" a que o Autor alude, não integram o conceito de "coisa" para efeitos do disposto na norma supra transcrita.
Quanto ao passivo, só mediante uma acção declarativa comum, com intervenção da entidade bancária mutuária, poderá fazer-se a "divisão" do passivo, que terá que ser assumido por um dos mutuantes, ou eventualmente pelo dois, mas agora sem regras de solidariedade entre eles, uma vez que a acção de divisão de coisa comum, atentos os objectivos que visa, como supra referido, não contempla normas como as do inventário, a respeito do reconhecimento e pagamento de dívidas (cfr. artigos 1354.º e ss.), e em que o credor (no caso a entidade mutuária) intervém como interessado, tendo para tal sido citado.
Relativamente às benfeitorias, não podendo as mesmas separar-se do prédio em que foram realizadas, constituem, mesmo nos autos de inventário, direitos de...
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