Acórdão nº 2009/05.9TBFIG.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 14 de Janeiro de 2014

Data14 Janeiro 2014
ÓrgãoCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I M (…), casado, reformado, residente na Rua de ...,, K..., propôs a presente ação declarativa de condenação sob a forma de processo ordinário contra HOSPITAL DISTRITAL DA K..., E.P.E., com sede em ..., K....

No essencial, alegou o demandante que, no dia e hora indicados na douta petição inicial recorreu ao serviço de urgência do Réu Hospital, onde foi atendido pelo Dr. (…) que aí se encontrava a prestar serviço, exercendo a sua profissão de médico, por conta, sob a direção e orientação do aludido Réu Hospital; nessa ocasião, o demandante contou ao Dr. (…) que no dia em questão, pelas 19 horas, quando se encontrava a rachar lenha, bateu com o machado numa pedra, saltando um objeto para o seu olho direito.

O Dr. (…), após ter observado a olho nu a vista direita do A., efetuou-lhe um teste com “Fluoresceína” e diagnosticou-lhe um traumatismo ocular à direita com ulceração superficial sobre a pupila direita; assim, com base em diagnóstico de ulceração superficial sobre a pupila direita, o aludido médico prescreveu ao A. “Terramicina Oftálmica” e deu-lhe alta às 22 horas e 20 minutos do dia em causa.

Pelas 3 horas e 30 minutos do dia seguinte, o A. dirigiu-se de novo ao serviço de urgência do Réu, por sentir que o estado de saúde do seu olho direito se havia agravado, pois que se encontrava então completamente tapado e ensanguentado; ali chegado, foi de novo atendido pelo Dr. (…), o qual constatou que o olho direito do A. se encontrava bastante edemaciado e com lesões internas, motivo por que ordenou a transferência do demandante para os serviços de oftalmologia do Centro Hospitalar de W..., o que veio efetivamente a acontecer, sendo submetido a intervenção cirúrgica ao olho direito, nos ditos serviços, pelas 13 horas do mesmo dia, na sequência da qual foi extraído um aço, que ali se encontrava alojado, após ter perfurado a córnea.

Devido ao crítico estado do demandante, foi este submetido a novas intervenções cirúrgicas nos dias seguintes, sendo-lhe feita a enucleação (remoção) do olho direito, vindo posteriormente a ser-lhe colocada uma prótese ocular amovível.

Ora, na perspetiva do A., o alastramento da infeção ocorrida no olho direito do demandante e a consequente extração do globo ocular ficou a dever-se ao facto de o médico que o atendeu não ter seguido os procedimentos médicos adequados e que se impunham no caso concreto, em face dos sintomas pelo demandante apresentados quando se dirigiu, pela primeira vez, ao serviço de urgência. Concretizando, deveria logo o médico ter colocado a possibilidade de algum objeto estranho se encontrar alojado no olho direito do A. ou, pelo menos, poderia e deveria ter realizado exames com vista a confirmar ou infirmar tal possibilidade ou, ainda, caso os ditos exames não pudessem ser levados a cabo no Réu Hospital, sempre se imporia àquele profissional determinar a transferência do A. para os Hospitais da Universidade de W..., onde os mesmos exames seriam efetuados. Foi, portanto, incipiente e errado o diagnóstico feito pelo Dr. (…), e inadequada a terapia prescrita no primeiro atendimento, revelando-se ainda incorreto o diagnóstico de alta por ele ensaiado.

Como consequência da descrita conduta do médico, o demandante perdeu a funcionalidade total do olho direito e passou a apresentar diminuição acentuada da acuidade visual esquerda, sequelas que o acompanharão durante o resto da sua vida e o fizeram não poder exercer mais a sua profissão de cozinheiro em navios de alto mar.

Aliás, o episódio em questão levou a que, logo após os factos, fosse o A. reformado por invalidez, com tudo o que isso implicou em termos de rendimentos futuros.

Assim, e para além ainda do conjunto de despesas efetuadas com a assistência médica e medicamentosa a que teve de submeter-se (despesas essas descritas na douta petição), o A. padeceu danos de cariz não patrimonial (igualmente especificados no seu douto articulado inicial) que, atenta a sua relevância e gravidade, não poderão deixar de ser compensados.

Em suma, pediu o demandante a procedência da ação, devendo ser o Réu declarado o único e exclusivo responsável pelos danos sofridos pelo A. e, em consequência, condenado a pagar-lhe a quantia global de € 167.549 (sendo € 142.549 a título de danos patrimoniais e € 25.000 de danos não patrimoniais), acrescida de juros moratórios até efetivo e integral pagamento, e ainda todas as quantias que vierem a ser posteriormente liquidadas.

* Contestando, defendeu-se o Réu Hospital por exceção e impugnação.

Excecionando, disse estar o pretenso direito do demandante prescrito.

Por impugnação, disse o Réu, e em síntese, que o Dr. (…) atendeu, observou e diagnosticou ao A. o que, de acordo com as regras e procedimentos ditados pelas leges artis vigentes na matéria, lhe era exigível. E quando o viu na primeira observação, no serviço de urgência, o mencionado médico aconselhou o demandante a nova observação caso houvesse agravamento dos seus sintomas, razão pela qual lhe deu alta provisória, pois parecia estar em causa, unicamente, uma ulceração superficial sobre a pupila direita do A., mais aconselhando este a deslocar-se às instalações do Réu Hospital na manhã seguinte, para observação pelo serviço de oftalmologia, como é, aliás, prática institucional.

No entanto, quando o demandante recorreu de novo ao serviço de urgência do Réu Hospital, pelas 3 horas e 12 minutos – isto é, na madrugada – do dia seguinte, o Dr. (…)submeteu o A. a outra observação e só então pôde perceber ter havido, entretanto – ou seja, após a primeira observação –, sinais de agravamento da situação, razão por que, não dispondo o serviço de urgência do Réu Hospital da presença física dos serviços de oftalmologia (maxime, de uma lâmpada de fenda), e não sendo o Dr. (…) especialista de tal área médica, entendeu transferir de imediato o doente para a instituição hospitalar com especialidade de oftalmologia em serviço de urgência mais próxima, a saber, o Centro Hospitalar de W..., onde deu entrada pelas 5 horas da manhã. Acontece que o demandante, ao invés de ser submetido a intervenção cirúrgica no mais curto espaço de tempo, apenas veio a ser operado, no referido Centro Hospitalar de W..., ao início da tarde seguinte, pelas 13 horas.

Acresce, por fim, que o próprio A. não valorizou a lesão, dado que esteve desde as 19 horas (momento em que ocorreu o acidente com o rachar da lenha) até às 22 horas sem recorrer ao Réu Hospital. Mas nada permite concluir que o desfecho do caso não fosse o mesmo se a transferência para o Centro Hospitalar de W... ocorresse imediatamente depois da primeira consulta, já que, antes de seis horas após o traumatismo não há (pelo menos normalmente) sinais de infeção.

Em suma, não pode afirmar-se, na perspetiva do Réu Hospital, que o lapso de cinco horas entre o primeiro e o segundo atendimento nas instalações do contestante seja causal da lesão sofrida pelo demandante, porquanto a evolução da infeção em função de um aço é totalmente imprevisível, dependendo do seu grau de contaminação ou virulência.

Pelo que – e caso não vingue a exceção de prescrição invocada – tendo o Dr. (…) atuado segundo a normalidade e adequação da prática clínica ao caso concreto, usando de todos os cuidados medicamente exigíveis, nada lhe pode ser assacado – e, por conseguinte, ao Réu Hospital – em termos de responsabilidade, antes se impondo in casu o naufrágio da ação.

Replicando, manteve o A. a tese por si veiculada em sede de douta petição inicial, com a improcedência da exceção invocada no processo.

Findos os articulados, elaborou-se despacho saneador.

Em tal peça (e com os fundamentos aí constantes, ora dados por reproduzidos no seu teor), julgou o Tribunal improcedente a exceção de prescrição do direito do Autor, no mais julgando a validade e a regularidade da instância.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente provada e consequentemente: – Condenou o Réu Hospital Distrital da K..., E.P.E. a pagar ao A. M (…) a quantia de € 34.279,62 (trinta e quatro mil, duzentos e setenta e nove euros e sessenta e dois cêntimos), acrescida dos juros de mora, à taxa legal, contados da notificação desta sentença até efetivo e integral pagamento; – Condenou o mesmo Réu Hospital Distrital da K..., E.P.E. a pagar ao A. M (…)o montante que vier a ser liquidado em sede de execução de sentença pelos danos patrimoniais inerentes às despesas referidas supra no ponto 43 (dos factos assentes da presente sentença) (e na proporção de 40% dos custos de tais despesas); – Absolveu o Réu Hospital Distrital da K..., E.P.E. do demais contra si peticionado pelo demandante M (…) nestes autos.

Inconformadas, recorreram ambas as partes.

O Réu Hospital concluiu do seguinte modo as suas alegações de recurso: (…) Concluiu o Autor do seguinte modo as suas alegações de recurso: (…) II É a seguinte a factualidade julgada provada pelo tribunal a quo: 1 – No dia 2 de Setembro de 1999, o demandante recorreu ao serviço de urgência do Réu Hospital Distrital da K..., onde foi atendido pelo Dr. (…), que aí se encontrava a prestar serviço, exercendo a sua profissão de médico, por conta, sob a direção e orientação do aludido Réu Hospital; 2 – o Dr(…) é médico generalista e não da especialidade de oftalmologia; 3 – o Réu Hospital não possui a valência de oftalmologia no serviço de urgência; 4 – ao ser atendido, o A. relatou ao Dr. (…) que nesse dia (2 de Setembro de 1999), pelas 19 horas, quando se encontrava a rachar lenha com um machado, saltou um pequeno objeto (que o A. não soube identificar) para o olho direito do demandante; 5 – o Dr(…), após ter observado, a olho nu, a vista direita do demandante, efetuou-lhe um teste com “Fluoresceína” e diagnosticou-lhe um traumatismo ocular à direita com ulceração superficial sobre a pupila direita; 6 – com base em diagnóstico de ulceração superficial sobre a pupila direita, o Dr. (…) prescreveu ao demandante...

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