Acórdão nº 35/09.8TBMMV.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 11 de Março de 2014
Magistrado Responsável | CATARINA GONÇALVES |
Data da Resolução | 11 de Março de 2014 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I.
Nos autos de regulação do poder paternal referentes ao menor, A...
, nascido em 21 de Abril de 2008, filho de B...
e C...
, melhor identificados nos autos, foi proferida sentença – em 28/02/2011 – que homologou o acordo a que os progenitores haviam chegado e nos termos do qual o menor ficava entregue à guarda da mãe, ficando o pai obrigado a pagar, a título de alimentos, a quantia de 70,00€ mensais a actualizar anualmente de acordo com o índice de inflação a publicar pelo INE.
Em 06/04/2011, o progenitor do menor veio aos autos informar que estava impossibilitado de pagar a prestação de alimentos, em virtude de ter ficado desempregado desde o dia 18/03/2011, sendo que a progenitora veio informar, posteriormente, que a prestação de alimentos não era paga desde Março.
Foi ordenado o desconto da aludida prestação no subsídio de desemprego que era auferido pelo progenitor do menor, desconto que, entretanto, deixou de ser efectuado por ter cessado o subsídio de desemprego.
Na sequência de notificação que, para o efeito, lhe foi efectuada, a progenitora do menor veio informar: que a prestação de alimentos não tem sido paga; que desconhece o paradeiro do pai do menor e que o menor tem tido problemas de saúde.
Foi elaborado relatório social referente ao agregado familiar do menor e, na sequência desse facto, o Ministério Público veio requerer que fosse ordenado ao Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores o pagamento de uma prestação de alimentos ao menor, no valor de 100,00€ mensais.
Foi então proferida sentença que, julgando verificado o incumprimento da obrigação de alimentos, fixou em 100,00€ mensais a prestação de alimentos a suportar pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores.
O Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP, na qualidade de gestor do FGADM, veio interpor recurso daquela decisão, formulando as seguintes conclusões: 1. Vem o presente recurso interposto da douta decisão que decide pela atribuição da prestação de alimentos a assegurar pelo FGADM, em substituição do devedor incumpridor por valor superior ao fixado para o mesmo.
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A verdade é que a obrigação do FGADM é a de assegurar/garantir os alimentos devidos a menores e não o de substituir a obrigação alimentícia que recai sobre o obrigado a alimentos.
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Tal obrigação legal de prestar alimentos é diferente da obrigação judicial de os prestar, sendo que só existe obrigado judicial desde que o tribunal o defina como devedor de alimentos, isto é, o condene em determinada e quantificada prestação alimentar.
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A letra da lei referencia que o FGADM apenas garante o pagamento dos alimentos judicialmente fixados.
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Ora, no caso em apreço ao progenitor devedor foi fixada uma prestação no valor mensal de €75,00 (setenta e cinco euros). Nesse sentido e determinado que foi o incumprimento e a impossibilidade de cobrança coerciva, a ser suportada pelo FGADM em regime de sub-rogação deveria sê-lo nessa mesma medida.
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Porquanto, o Tribunal “a quo” atribui como adequada a prestação alimentar de €100,00 (cem euros) a ser, única e exclusivamente, suportada pelo FGADM. Não obstante de ao progenitor em incumprimento, o real devedor, se manter o valor anteriormente fixado de €75,00.
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Salvo o devido respeito, estamos perante uma questão de sub-rogação e respectivo reembolso, onde o Estado somente se substitui ao obrigado enquanto este não iniciar ou reiniciar o cumprimento da sua obrigação e pelo valor fixado para esta.
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Vejamos, nos termos do preceituado no art. 5º do Decreto-lei 164/99 com a redacção introduzida, pela Lei n.º 66-B/2012 de 31 de Dezembro e pela Lei n.º 64/2012 de 20 de Dezembro, onde resumidamente se referencia que o FGADM fica sub-rogado em todos os direitos do menor credor dos alimentos, sendo-lhe, pois, lícito exigir do devedor de alimentos uma prestação igual ou equivalente àquela com que tiver sido satisfeito o interesse do menor (credor), incluindo o direito de requerer execução judicial para reembolso das importâncias pagas.
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Neste sentido, dificilmente o IGFSS, I.P. poderá proceder à cobrança das quantias pagas ao devedor, por um valor superior ao que efectivamente aquele encontra adstrito a pagar.
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Pagando o FGADM mais do que ao credor (progenitor) é exigido, e seguindo-se as regras da sub-rogação, como poderá requerer o reembolso de tais quantias.
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Em bom rigor, se afirma que existindo uma diferença de valor da prestação fixada ao progenitor será uma obrigação fixada apenas para o FGADM, logo uma prestação nova e apenas da sua responsabilidade, no entanto o FGADM não é o obrigado à prestação de alimentos, assumindo apenas a obrigação na medida da sub-rogação.
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Pelo que, se o terceiro pagou mais do que era devido pelo devedor, no excesso não opera a sub-rogação e portanto o direito ao reembolso. Acresce que se a prestação social pudesse ser fixada em valor superior não se justificaria racionalmente que a lei a fizesse depender do incumprimento pelo obrigado, antes deveria depender apenas e tão só as necessidades actuais do menor.
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De concluir que a entidade subrogada, quando procede ao pagamento da prestação de alimentos, o faz no cumprimento de uma obrigação própria e não alheia, e, assim sendo, o Fundo deve substituir-se ao devedor originário apenas desde a notificação da decisão que determina a sub-rogação.
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Sobre esta mesma matéria decidiu recentemente, e bem, Tribunal da Relação de Coimbra – Proc. 3819/04 – 2ª secção cível acórdão de 19/02/2013; assim como Tribunal da Relação do Porto Proc. 30/09 – 5ª secção acórdão de 25/02/2013.
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Pelo que não tem, qualquer suporte legal fixar-se uma prestação alimentícia a cargo do FGADM em valor diferente, por superior, à fixada ao progenitor devedor, por se demonstrar que ao manter-se tal decisão, a obrigação e responsabilidade de prestar alimentos deixará de ser imputável ao progenitor pai passando a ser única e exclusivamente da responsabilidade do FGADM, o que de todo se demonstra impossível pelas razões supra descritas.
Nestes termos, conclui, deverá ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta decisão recorrida, na parte que condena o FGADM em valor superior ao fixado ao progenitor em incumprimento, nos termos e com os efeitos legais.
O Ministério Público veio apresentar contra-alegações, enunciando as seguintes conclusões: 1. O artigo 69º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa (e a Recomendação do Conselho da Europa R (82) 2 de 4 de Fevereiro de 1982) atribuem ao Estado à obrigação de velar pelas crianças órfãs, abandonadas ou privados de um ambiente familiar normal, explicitando o nº 3 do artigo 63º da Constituição da República Portuguesa que o sistema de segurança social protege os cidadãos que se encontrem na situação de falta ou diminuição dos meios de subsistência.
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A concretização deste desígnio constitucional passa pelos artigos 1º da Lei nº 75/98, de 19 de Novembro e 3º do Decreto-lei nº 164/99, de 13 de Maio, que determinam que a responsabilidade do Estado pelo pagamento das prestações devidas a criança ou jovem tem natureza subsidiária, sendo o seu pressuposto a não realização coativa da prestação através de alguma das formas previstas no artigo 189º da OTM, ora seja, pressupõe a fixação prévia da obrigação de alimentos, bem como, a inviabilidade da sua cobrança coerciva.
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No caso dos autos, perante o provado incumprimento por parte do requerido/progenitor, C... , do pagamento dos alimentos devidos à criança, seu filho A... , menor de idade, bem como, perante a verificação dos demais requisitos, ora seja, a impossibilidade de cobrança coerciva e rendimento líquido da criança não superior ao salário mínimo nacional, foi ativado o Fundo de Garantia de Alimentos devidos a Menores, por douta sentença data de 20 de Junho de 2013.
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Assim, a nosso ver, importa distinguir duas realidades distintas. Uma, é a prestação fixada ao obrigado a alimentos...
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