Acórdão nº 224/09.5TBCBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 18 de Março de 2014
Magistrado Responsável | BARATEIRO MARTINS |
Data da Resolução | 18 de Março de 2014 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra: I – Relatório A....
e esposa B...., residentes na Rua (...), Freixianda, intentaram a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário contra C....
, solteira, residente no (...), Abrunheira, e D...., Lda.
, com sede na Rua (...), Coimbra, pedindo que as rés sejam condenadas, solidariamente, a pagar-lhes a quantia de 63.291,35 €, acrescida dos juros à taxa legal, desde a citação até efectivo pagamento.
Invocaram para tal, em síntese, que celebraram com as RR. (promitentes vendedoras), em 15/03/2004, um contrato-promessa de compra e venda de diversos lotes para construção; que, à data da celebração do contrato-promessa, ainda decorriam no terreno as operações urbanísticas destinadas a obter o licenciamento das construções e/ou a constituição dos lotes; e que as RR. não realizaram algumas/diversas de tais operações urbanísticas (necessárias ao licenciamento das construções e/ou à constituição dos lotes), razão porque os AA. se substituíram às RR. na execução de tais operações urbanísticas, vindo, aqui e agora, com fundamento em as RR. haverem “incumprido a prestação instrumental e acessória a que se obrigaram” pelo contrato promessa, pedir que sejam indemnizados por tal incumprimento e que assim lhe sejam pagos os montantes que despenderam em tais operações urbanísticas.
As RR. contestaram, sustentando, em resumo e em termo úteis, que os AA não alegaram quais as obrigações que as RR. não cumpriram; acrescentando que todas as obras, trabalhos e despesas (de cujo custo se pede o reembolso), decorrentes da execução dos projectos apresentados, eram a cargo dos AA., enquanto únicos interessados e a quem cabia requerer o averbamento da titularidade dos processos após as escrituras públicas; razão porque foram os AA. realizando todos os trabalhos de infra-estruturas necessários à edificação das moradias que foram construindo em cada um dos prédios adquiridos, de modo a poderem obter (como já obtiveram) os alvarás de autorização de utilização com vista à venda das moradias; razão porque nunca informaram os AA. dos trabalhos realizados, montantes gastos e/ou os notificaram para pagar o que quer que fosse, sendo que quase todos os trabalhos peticionados, foram realizados em Março e Abril de 2006, isto é, antes da outorga das escrituras públicas de compra e venda de lotes, ocasião em que pagaram o preço, conforme o contrato promessa de compra e venda, sem questionarem as RR sobre eventuais encargos por si indevidamente suportados e/ou sem solicitarem “encontros de contas”.
Concluíram pois pela improcedência da acção e pela sua absolvição do pedido.
Os AA. replicaram, mantendo o alegado na PI.
Foi proferido despacho saneador – tendo a instância sido declarada totalmente regular, estado em que se mantém – organizada a matéria factual com interesse para a decisão da causa, instruído o processo e realizada a audiência, após o que a Exma. Juíza proferiu sentença em que julgou a acção totalmente improcedente, absolvendo as rés do pedido.
Inconformados com tal decisão, interpuseram os AA. recurso de apelação, visando a sua revogação e a sua substituição por decisão que julgue a acção procedente e que condene as RR. conforme o pedido na PI.
Terminaram a sua alegação com as seguintes conclusões: 1. Existe errada apreciação da matéria de facto, designadamente dos factos provados em A) e B), pelo Tribunal a quo, que afirma não terem os Autores/recorrentes provado que à data do contrato-promessa decorriam as operações urbanísticas no terreno, destinadas a obter o licenciamento das construções e/ou a constituição dos lotes.
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À data do contrato-promessa decorriam operações urbanísticas, nos terrenos, destinadas a obter o licenciamento das construções e a constituição de lotes, uma vez que é o próprio contrato-promessa a referir “sobre o prédio O incide uma operação urbanística de loteamento, para construir os quatro lotes”; “sobre os prédios propriedade da 1ª e 2ª Contratantes incidem operações urbanísticas diversas, cujos procedimentos administrativos se encontram em diferentes fases”; e “A conclusão das operações urbanísticas em curso, destinadas a obter o licenciamento das construções e/ou a constituição dos lotes, como previsão e sem carácter vinculativo é escalonada, para os próximos 12 meses”.
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Entre as partes foi reconhecido decorrerem também “Operações de loteamento: as acções que tenham por objecto ou por efeito a constituição de um ou mais lotes, destinados imediata ou subsequentemente, à edificação urbana e que resulte da divisão de um ou vários prédios ou do seu reparcelamento”. O que explica as áreas de cedência mencionadas nos documentos juntos aos autos dos processos camarários pertinentes, em conformidade com o disposto no artigo 77.º 1 do RJUE.
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A decisão recorrida faz errada interpretação e e aplicação dos artigos 236.º a 238.º do Código Civil, uma vez que a letra do negócio – o texto do documento assinado – é limite à validade de sentido com que o negócio deve valer, sendo certo que a cláusula 3ª do contrato refere precisamente a assunção da necessidade de proceder a operações urbanísticas, com vista a obter o licenciamento das construções e/ou a constituição dos lotes e a sua responsabilidade pelos RR.
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O Tribunal a quo ignorou as normas jurídicas dos artigos 2º, 44.º e 77.º do RJUE; 3.º 14.º e 15.º do RMUE e 236.º a 238.º do Código Civil, que deveria ter aplicado.
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Nas operações de loteamento é requisito do licenciamento da construção a realização das obras urbanísticas. Sendo certo que todos os contraentes tinham conhecimento de tal necessidade. Tal como, todas as partes envolvidas no contrato sabiam que tais exigências eram extensíveis a todos os lotes.
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Decorriam operações urbanísticas nos terrenos, aquando do contrato-promessa. As operações urbanísticas decorreriam, previsivelmente, por mais 12 meses. Tais operações eram da exclusiva responsabilidade das rés. A responsabilidade dos Autores surgiria apenas aquando da emissão dos alvarás que titulam as licenças de construção, sendo os encargos do requerimento da respectiva emissão a 1ª despesa a cargo dos autores.
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As rés não realizaram as obras urbanísticas – que não se confundem com obras de construção, estas sim da responsabilidade dos autores -, nem as operações de loteamento e nem as operações urbanísticas a que estavam obrigadas, porquanto “não efectuaram as obras de fornecimento e montagem de rede de baixa tensão, nem efectuaram as obras de fornecimento e montagem de rede de iluminação pública, nem efectuaram as obras de infra-estruturas para ramais de chegada, nem efectuaram o fornecimento e montagem de generalidades, consistentes na troca de apoio de rede existente por novo poste de betão e remoção da rede aérea desactivada; nem efectuaram o fornecimento e montagem de infraestruturas telefónicas, nem efectuaram as obras para o fornecimento e montagem de rede de gás; nem procederam à desmontagem de armário de distribuição com fornecimento de armário novo” (F).
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Os Autores têm direito a receber das rés os montantes que se viram obrigados a despender na realização obras de urbanização, no âmbito das operações de loteamento e das operações urbanísticas, que eram da responsabilidade das rés, mas que estas não cumpriram.
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O incumprimento daquelas obrigações é fundamento da presente acção de indemnização, sendo as rés responsáveis pelas despesas suportadas pelos autores, tal como provado nos pontos G), H), I), J), K), L), M), N), O) e P) da Base Instrutória.
As RR. responderam, sustentando, em síntese, que a sentença recorrida não violou qualquer norma substantiva, designadamente, as referidas pelo recorrente, pelo que deve ser mantida nos seus precisos termos.
Terminaram a sua alegação com as seguintes conclusões: 1 – Do contrato promessa de compra e venda celebrado entre AA e RR, resulta claramente as obrigações para cada uma das partes, nomeadamente ( 3ª Clausula).
2 – Incumbia ás recorridas elaborar e fazer aprovar nos Serviços Municipais os projectos necessários á construção dos edifícios e á constituição dos lotes.
3 – Após a decisão de aprovação, incumbia também às recorridas notificar os recorrentes dessa mesma decisão e da marcação das escrituras de venda.
4 – Uma vez celebradas as escrituras competia aos recorrentes requerer o averbamento da transmissão a operar pelo contrato prometido, a emissão dos referidos alvarás, o levantamento do livro de obra, a junção do alvará do construtor e dos seguros obrigatórios por Lei.
5 - Todas as operações urbanísticas, definidas no artigo 2º alínea j) do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE), cabiam aos recorrentes.
Com efeito, 6 - A intervenção “no terreno”, só se poderia iniciar após a emissão dos Alvarás que titulam a aprovação dos projectos, momento em que os recorrentes e em cumprimento da parte final da 3º Clausula do contrato promessa, já eram donos dos prédios.
7 – Aliás, os mesmos alvarás, foram emitidos já em nome dos recorrentes, uma vez que, as taxas municipais prévias á emissão, eram da sua responsabilidade, conforme o previsto na 3ª Clausula do contrato.
8 - E esta interpretação vale para todas as “operações urbanísticas”2 a que as RR se comprometeram, fossem elas de destaque, de loteamento, ou edificação em prédio já individualizado.
9 - Mesmo nos casos dos prédios a lotear, a obrigação das RR terminava com a aprovação do respectivo projecto, isto é, com a divisão fundiária dos prédios, momento em que seria emitido o alvará de loteamento, que serve de base ao registo dos lotes e posterior escritura de transmissão.
10 - As obras de urbanização não são condição de aprovação do loteamento, são sim, posteriores a essa aprovação, titulada pelo Alvará de Loteamento conforme resulta do nº 1 do artigo 53º do RJUE, Assim.
11 - Todas as obras, sejam elas quais fossem eram da responsabilidade exclusiva dos recorrentes.
12 – Na petição inicial, os recorrentes apenas alegaram as obras que fizeram...
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