Acórdão nº 239/11.3 TBVZL.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 18 de Março de 2014

Magistrado ResponsávelMARIA DOMINGAS SIMÕES
Data da Resolução18 de Março de 2014
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)
  1. Relatório No Tribunal Judicial de Vouzela, A...

e mulher, B...

, residentes no lugar e freguesia de (...), Vouzela, vieram instaurar acção declarativa de condenação, a seguir a forma sumária do processo comum, contra C...

e mulher, D...

, residentes na (...) Azeitão, pedindo a final a condenação dos demandados a: a) recuarem a parede poente da sua habitação para a estrema que é a parede de pedra do r/c e que foi respeitada aquando da construção inicial; b) taparem a janela que abriram na parede poente; c) reconhecerem que o prédio dos AA., “ V(...)”, não deve aos seus “ H(...)” e “ (...)” qualquer servidão de estilicídio, a retirarem a caleira e a recolherem todas as águas dos seus telhados no seu (deles) próprio prédio; d) absterem-se de danificar, como danificaram, as árvores que os autores plantaram e plantam no seu prédio “ V(...)”; e) pagarem aos autores os prejuízos – no terreno e nas culturas – causados pela água da caleira, deliberadamente lançada por sobre o “ V(...)”; f) pagarem o valor da figueira que “secaram” ambos danos patrimoniais ressarcíveis e a liquidar em execução de sentença.

Em articulado aperfeiçoado alegaram, em síntese, que são os donos do prédio rústico denominado V(...), sito nos limites do lugar de (...), inscrito na matriz predial respectiva sob o art.º 0(...).º, o qual adquiriram por usucapião que expressamente invocam.

Os RR, por seu turno, são donos do prédio composto de casa de habitação e quintal, sito nos mesmos limites, inscrito na matriz sob o art.º 2(...), e ainda do prédio rústico denominado (...), composto de casa de habitação antiga, eira e rocio pegado, inscrito na matriz sob o art.º 1(...).º, ambos a confinar do poente com o identificado prédio dos demandantes.

Mais alegaram que há menos de dois anos (tendo por referência a data da propositura da acção), os RR decidiram ampliar a casa de habitação (dito art.º 2(...).º) prolongando a parede poente, mas ao fazê-lo ultrapassaram a linha divisória, tendo invadido o espaço aéreo do prédio dos AA. Nessa mesma parede poente levaram a efeito a abertura de uma janela, que gradaram, a qual deita directamente sobre o prédio denominado “ V(...)”, não observando as medidas impostas pela lei, e procederam ainda à colocação de uma caleira metálica que recolhe as águas pluviais que escorrem dos beirados da casa de habitação e da barraca pegada, encaminhando-as directamente para aquele prédio. A queda das águas vem abrindo regos e arrancando a vegetação do prédio dos AA, nomeadamente o azevém e duas árvores de fruto, no valor de € 5,00 cada, prejuízos carecidos de reparação.

Finalmente, procederam os RR ao despejo de um qualquer produto sobre uma figueira implantada no prédio dos demandantes, provocando a secagem do ramo atingido e afectando toda a árvore, dano cuja reparação igualmente reclamam.

As condutas descritas são violadoras do direito de propriedade dos demandantes, tendo-lhe provocado danos, cuja liquidação remetem para execução da sentença, justificando-se a procedência dos pedidos formulados.

* Regularmente citados, os RR contestaram nos termos da peça que consta de fls. 46 a 53, na qual reconhecem terem levado a efeito no ano de 1995 obras de reconstrução/ampliação no prédio urbano inscrito na matriz sob o art.º 2(...), o qual teve origem no prédio rústico inscrito na matriz respectiva sob o art.º 3(...), obras executadas de harmonia com a licença emitida pela CM de Vouzela. Tais obras impunham-se devido ao estado de ruína em que se encontrava a habitação e, se é verdade que se prolongou o filete da parede para fora da estrema a todo o comprimento e numa largura de 13 cm, tal foi motivado pela necessidade de reparação da parede do prédio “A (...)” com revestimento isolante, pois apresentava fissuras e graves infiltrações causadas pelos AA devido a rebentamentos de TNT que efectuavam no prédio contíguo.

Reconhecem igualmente ter sido alterada a janela antes existente, que agora se encontra a 1,80 mt do solo, apresentando menores dimensões, caindo assim sob a alçada do art.º 1363.º, n.º 1 do CC. Mais alegam que, existindo tal janela desde 1946, sempre com a finalidade de receber ar e luz, constituiu-se por usucapião uma servidão de vistas, ar e luz, onerando o prédio vizinho pertencente aos AA, o que deve ser reconhecido.

Finalmente, e no que respeita à caleira, alegam que desde 1946, encaminhadas por duas caleiras, as águas escorriam já para o prédio dos demandantes, pelo que, existindo actualmente apenas uma, se verificou na realidade um desagravamento da servidão de estilicídio, inexistindo prejuízo para o prédio “O V(...)”.

Impugnando a demais factualidade alegada e com os aludidos fundamentos, concluem pela improcedência da acção.

Os AA responderam, sublinhando a irrelevância da invocada conformidade administrativa das obras realizadas pelos contestantes e impugnando a matéria exceptiva por estes alegada.

* Foi proferido despacho saneador, no qual foram os RR absolvidos da instância quanto aos pedidos formulados sob as als. e) e f), com fundamento no facto de se verificar a excepção dilatória atípica de formulação ilegal de pedidos genéricos. Do assim decidido interpuseram os AA recurso, o qual não foi admitido, por prematuro.

Foram seleccionados os factos assentes e organizada a base instrutória. Desta última peça reclamaram os AA, com êxito parcial, como se alcança do despacho de fls. 136 e 137.

Teve lugar audiência de discussão e julgamento, com observância do legal formalismo que da acta consta, tendo o Tribunal respondido à matéria de facto controvertida pela forma constante de fls. 214 a 216 (com a rectificação ordenada a fls. 218), sem reclamação das partes.

Na devida oportunidade foi proferida sentença que, na parcial procedência da acção, declarou que o prédio dos AA não se encontrava onerado com qualquer servidão de estilicídio em favor do prédios dos RR, devendo estes procederem ao reencaminhamento da caleira de forma a que a recolha das águas dos telhados se faça no seu prédio, absolvendo-os quanto ao mais que vinha peticionado.

Inconformados, os AA interpuseram o presente recurso e, tendo apresentado as pertinentes alegações, remataram-nas com as seguintes necessárias conclusões: “1.ª- O Tribunal, perante a prova testemunhal produzida pelos AA. – os RR. não fizeram qualquer prova e nem sequer infirmaram a prova aduzida pelos AA.– deveria ter dada resposta diversa aos quesitos 1º e 2º da base instrutória; 1.1- As testemunhas dos AA. falaram com conhecimento directo e pessoal dos factos da causa, e a sua razão de ciência advém do facto de trabalharem, desde há anos, o prédio dos AA.

2.ª- É manifestamente contraditória a resposta dada ao facto 5) da matéria assente perante a resposta dada ao facto 9) da mesma matéria; 3.ª- O Julgador iniciou por essa contradição um raciocínio deliberado de subversão da própria norma substantiva do art.º 1364.º CC que trata das “janelas gradadas”, afastando essa medida! 4.ª- E esse erro, ostensivo e deliberado, levou à legitimação ou legalização de uma janela aberta de forma ilegal por quem (os RR.) tinha consciência dessa ilegalidade, como é fácil de intuir.

5.ª- Do mesmo modo e pela mesma óptica, o Julgador legitimou a ocupação, pelos RR., do espaço aéreo do prédio dos AA., ultrapassando com a sua construção a linha da estrema em 13 centímetros, considerando que estes não sofreram, em consequência, qualquer lesão, e deveriam… no seu (do Julgador) d. entendimento, ter-se abstido de levar o caso a Juízo! 6.ª- Uma má decisão, um claríssimo erro na apreciação das provas e uma errada aplicação do direito aos factos, eis no que se traduziu a d. sentença”.

Indicando como violadas as normas constantes dos arts. 1305.º, 1308.º, 1310.º, 1360.º, 1363.º e 1364.º, todos do CC, requerem a revogação da sentença proferida, na parte em que absolveu os RR. dos pedidos formulados nas alíneas a) e b) da p.i., e sua substituição por outra que os condene nos pedidos assim formulados.

* Assente que pelas conclusões se delimita o objecto do recurso, são questões a decidir: i. do erro de julgamento: da alteração das respostas dadas aos artigos 1.º e 2.º da base instrutória e da contradição entre as respostas dadas aos artigos 5.º e 9.º; ii. do erro de julgamento por errada interpretação e aplicação dos artigos 1305.º, 1308.º, 1310.º, 1360.º, 1363.º e 1364.º, todos do Código Civil. * I. do erro de julgamento: da alteração das respostas dadas aos artigos 1.º e 2.º da base instrutória e da contradição entre as respostas dadas aos artigos 3.º e 8.º (factos constantes da sentença sob os n.ºs 5.º e 9.º); Invocaram os apelantes erro de julgamento no que respeita às respostas dadas aos art.ºs 1.º e 2.º da base instrutória que, tendo sido negativas, pretendem ver alteradas em sentido contrário, indicando para tanto os testemunhos prestados por E..., F...e G...., havendo ainda que atender ao teor do registo fotográfico junto no decurso da audiência e que consta de fls. 206.

Perguntava-se nos artigos em questão: 1.º Foi há menos de dois anos, considerada a data de interposição da acção, que os RR efectuaram a obra referida em D)?[1] 2.º- Os RR abriram uma janela, que gradaram, no prédio descrito em B a), que deita directamente sobre o prédio descrito em A)?[2] Tendo respondido negativamente ao perguntado, a Mm.ª juíza “a quo” justificou do seguinte modo as respostas dadas: “Para julgar a matéria de facto nos termos supra expostos, quanto aos quesitos 1º e 2.º, o Tribunal atendeu à circunstância de nenhuma testemunha se ter referido, em concreto, ao aludido em D) dos factos assentes e ter mencionado o teor de 2.º”.

Ora, ouvidos os depoimentos produzidos em sede de audiência (cuja integral e fidedigna transcrição foi, aliás, junta pelos apelantes), afigura-se não poderem subsistir as respostas dadas.

Com efeito, tratando-se de testemunhos merecedores de credibilidade -as testemunhas apontaram com precisão a sua razão de ciência, o E... por residir próximo desde o ano de 2004, o casal F... e...

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