Acórdão nº 1375/11.1TJCBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 18 de Março de 2014

Magistrado ResponsávelBARATEIRO MARTINS
Data da Resolução18 de Março de 2014
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra: I – Relatório A...

, casado, médico, residente na Rua (...), Coimbra, intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo sumário (agora com a forma única, de acordo com o NCPC), contra “B...

”, com sede na Rua (...), Coimbra, e contra C...

, divorciada, residente na Rua (...), Coimbra, pedindo que as Rés sejam solidariamente condenadas a pagar-lhe a quantia de € 27.873,82, acrescida de juros desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.

Alegou, para tal, em síntese, que, no dia 26 de Fevereiro de 2010, conjuntamente com a esposa, fez uma permuta (de fracções urbanas) com a “D...

”; negócio em que interveio, como mediadora imobiliária, a “ B...” – sempre “representada” pela R. C... (que agiu em nome, por conta e no interesse da B...) – que se havia obrigado a tratar de toda a documentação necessária à instrução da escritura, mormente os pagamentos e a obtenção dos comprovativos do IMT e do I Selo, razão pela qual o A. lhe havia entregue, para pagar tais impostos, a quantia global de € 20.785,24.

Sucede, porém, que, meses depois, foi o A. surpreendido com um processo de execução fiscal, em virtude do cheque – passado pela 2.ª R. – para pagamento dos mencionados impostos ter sido devolvido por falta de provisão; acabando o A. (após a R. C... ter entregue um 2.º cheque nas Finanças, para pagamento dos referidos impostos, que foi devolvido pelo Banco por “extravio”) por ter que pagar a dívida às finanças.

Daí que venha pedir a indemnização pelos danos que toda a situação referida lhe causou; aqui incluindo a quantia global entregue, os juros e custas pagos na execução fiscal e os danos morais sofridos (chegou a ter o seu vencimento penhorado, ficando nervoso e abalado psicologicamente e sentindo-se envergonhado perante os seu colegas – era director clínico dos HUC – e pessoas com quem convivia e que souberam da penhora no seu vencimento).

Apenas a R. B... apresentou contestação, em que sustentou que a R. ( C...) nunca foi sua funcionária, mas apenas, durante cerca de 2 anos, sua angariadora comissionista, actuando de forma independente, e que nunca lhe deu autorização para receber cheques de clientes, nomeadamente, para pagamento de impostos; acrescentando que o A. não tinha celebrado qualquer contrato de mediação imobiliária com a B... e que esta nunca esteve incumbida de efectuar quaisquer pagamentos às finanças a título de IMT e I Selo.

Mais referiu pois que a R. C... recebeu os cheques mencionados pelo autor em seu nome pessoal e não em representação da R. B...; que nenhum dos 4 cheques do autor foi depositado na conta da ré B..., apesar dos 3 primeiros terem sido passados à ordem da B..., sendo que o carimbo neles aposto no seu verso é um mero carimbo comercial, não utilizado sequer em depósitos bancários; e que as assinaturas deles constantes, como sendo dos gerentes da B..., Dr.

E...

e Sr.F...

, foram falsificadas de modo grosseiro.

Concluiu pois pela total improcedência do pedido contra si formulado[1].

Foi proferido despacho saneador – em que foi declarada a total regularidade da instância, estado em que se mantém – organizada a matéria factual com interesse para a decisão da causa e instruído o processo.

Após o que, realizada a audiência, a Exma. Juíza proferiu sentença, em que julgou parcialmente procedente a acção, condenando solidariamente as rés a pagar ao autor o montante global de € 23.373,82, a que acrescem os juros moratórios, contados à taxa legal de 4% ao ano, desde a data da citação até integral pagamento, no mais se absolvendo as rés.

Inconformada com tal decisão, interpôs a R. B... recurso de apelação, visando a sua revogação e a sua substituição por decisão que a absolva do pedido formulado na PI.

Terminou a sua alegação com as seguintes conclusões: 1 - O Acórdão contra o qual a recorrente aqui insurge, tendo em vista a sua revogação, partiu de um pressuposto errado, que acabou por condicionar todo o raciocínio no qual se baseou a decisão proferida.

2 - Assim, o Tribunal a quo, salvo o devido respeito, não prestou a devida atenção ao facto de nunca ter sido assinado nenhum contrato de mediação imobiliária entre recorrente e recorrido pelo que nunca podia aquela assumir qualquer responsabilidade perante este, por nunca a isso se ter vinculado, e por, tal como resultou provado no processo, esta recorrente nunca ter beneficiado o que quer que fosse da relação mantida entre o recorrido e a Ré C..., tanto que os cheques não foram depositados na conta da recorrente, antes tendo revertido a favor da Ré C....

3 De Igual modo, foi negligenciado na sentença sub judicie o facto de entre a recorrente e a Ré C... só ter vigorado um contrato de prestação de serviços, não reduzido a escrito, o qual se caracteriza por uma das partes se obrigar a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho, pelo que o prestador de serviços actua com autonomia e independência (v. art. 1 154.0 e ss. do Código Civil).

4 Ao invés, a comissão pressupõe uma relação de dependência, já que o comissário recebe Instruções do comitente (v. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. 1, p. 640) de onde resulta manifesto que a relação entre a recorrente e a Ré C..., que não estava sujeita às instruções e ao poder de direcção da recorrente (cfr. depoimentos das testemunhas H....

e I...

e o episódio do carimbo aposto nos cheques, relatado por todas as testemunhas e pelo próprio legal representante da recorrente, no seu depoimento de parte), não pode subsumir-se ao disposto no art. 500.º do CC, e daí resulta todo o raciocínio inquinado do Tribunal a quo, porquanto só a comissão, “é capaz de justificar a responsabilidade do primeiro pelos actos do segundo.” (v. neste sentido, Ac. do STJ de 05-07-2012, e Mário Jílio de Almeida e Costa, Direito das Obrigações, p. 616).

5 - Em suma, entre a recorrente e a Ré C... vigorou um contrato de prestação de serviços, mediante o qual esta última se obrigou a aportar negócios imobiliários para aquela, recebendo em troca comissões pelos seus serviços, sem mais, e sem que a recorrente tenha de forma alguma determinado o modo como tal “angariação” decorreria (v. Ac. do TRC de 24- 01-2012), razão pela qual a recorrente não pode vincular-se perante o recorrido pela actuação que a prestadora de serviços, independente, teve para com o recorrido e que sempre foi desconhecida pelos legais representantes da recorrente.

6 - E, ainda que assim não se entendesse, e que se considerasse que efectivamente estávamos em face de uma relação comitente-comissário, o que sem se admitir, só por mera cautela se equaciona nesta sede, sempre se atente no facto de a actual lei de mediação imobiliária ter deixado de prever o art. 22.º do anterior DL 211/2004, de 20 de Agosto, que, esse sim, estipulava que havia responsabilidade civil das empresas de mediação imobiliária, “nos termos do art. 500.° do Código Civil, pelos danos causados por factos praticados por angariadores no âmbito dos contratos de prestação de serviços entre eles celebrados.” Como tal, tendo a Lei 15/2013, de 8 de Fevereiro, operado a revogação daquele Decreto-Lei (v. art. 43.°, ai. a)), não pode esta recorrente ser responsabilizada por algo a que o legislador quis, expressamente, pôr fim, sob pena de violação do princípio da legalidade (v. ainda, a propósito da impossibilidade de responsabilizar a recorrente pelo sucedido, os importantíssimos Acs. do STJ de 02-03- 2006, …).

7 O facto de o recorrido ter, culposamente, acreditado nos poderes que a Ré C... alegadamente teria para ir recebendo cheques para pagamento do IMT, não merece protecção do direito, tanto mais que o recorrido é médico, logo tem formação superior, e já era proprietário de um imóvel sito na Rua (...), logo conhecia o modus operandi deste tipo de negócios, sendo inverosímil que não saiba que impostos como este são pagos de uma só vez, ou seja, no momento da escritura e não ao longo do hiato de tempo de um ano descrito na sentença, sendo também surrealista que alguém acreditasse que uma empresa destas dimensões permitiria aos seus angariadores receberem cheques em nome próprio e não desconfiasse da expressão “Declaro que recebi”, ao invés de “Declaramos que recebemos”, aposta pela ré C... naqueles (v., designadamente, o depoimento de parte do legal: representante da recorrente e, ainda, os art. 2.°, n.° 2, al. b) e 24.° da Lei n.° 15/2013, de 8 de Fevereiro e o Ac. do TRL de 12-07-2007, P. 363512007-6).

8 - Estamos perante uma verdadeira trapaça urdida pela Ré C... contra o recorrido, à qual a B... é totalmente alheia, e da qual não retirou qualquer benefício, tanto que como também refere a sentença, quando o recorrido tomou conhecimento de que seria penhorado no seu vencimento por falta de pagamento do IMT, a recorrente, através de uma representante sua...

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