Acórdão nº 1487/08.9TBMGR-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 18 de Fevereiro de 2014

Magistrado ResponsávelHENRIQUE ANTUNES
Data da Resolução18 de Fevereiro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: 1.

Relatório.

J… deduziu oposição à execução para pagamento de quantia certa, promovida por R…, que corre termos no 3º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca da Marinha Grande, pedindo se julgue extinta a instância executiva.

Fundamentou a oposição no facto de não ser parte legítima na execução, dado que não opôs a sua assinatura nos cheques – que contêm a rubrica da executada, S…, sua filha, no campo destinado à assinatura do sacador – sendo que o seu nome figura nos cheques na parte respeitante à identificação do titular da conta bancária, que manteve, com aquela, uma conta bancária solidária, que se destinava apenas a fazer face às despesas médicas com a doença que afecta a sua mulher e que, tendo constatado que a sua filha vinha utilizando as quantias depositadas para proveito próprio, deixando a conta “a zero”, deu instruções ao Banco … para o cancelamento da conta, pelo que os cheques emitidos pela filha foram devolvidos com a menção de “conta encerrada”, que a conduta da sua filha é do conhecimento do exequente, que sabia que os cheques foram utilizados abusivamente, à sua revelia, por aquela, pelo que age com má fé e abuso do direito, e de não restarem dúvidas acerca da inexistência ou inexequibilidade, relativamente a si, do título executivo, sendo certo que não deve quantia alguma nem teve qualquer relação comercial ou contratual com o exequente, desconhecendo o eventual relacionamento comercial existente entre aquele e a sua filha, subjacente à emissão dos cheques.

O exequente alegou, em contestação, que entre Dezembro de 2007 e Março de 2008 emprestou aos executados C… e S…, por diversas ocasiões, € 361.250,00, para cujo pagamento estes subscreveram e lhe entregaram dois cheques, no valor de € 37.500,00 e de € 75.000,00, assinados pela filha do opoente, ambos titulares de uma conta solidária no Banco …; que os cheques como títulos cambiários o dispensam de provar qualquer relação subjacente, atenta a autonomia cartular; que a sua apresentação foi essencial para o desembolsar do dinheiro que emprestou à filha do opoente; que aceitou os cheques desconhecendo se existe ou não qualquer diferendo entre o opoente e a filha; que a conta bancária é co-titulada por ambos, tendo os cheques sido apresentados a pagamento em tempo útil e recusados na compensação, pelo que sendo o opoente co-titular da conta solidária dos cheques sacados responde por todos os débitos que à mesma respeitam, que se consubstanciam nas ordens de pagamento constantes dos cheques e que o expediente de mandar encerrar a conta não assiste ao oponente como manobra para se furtar ao pagamento, sendo totalmente alheio à situação alegada por aquele.

No despacho saneador julgou-se improcedente a excepção da ilegitimidade deduzida e, abstida a selecção da matéria de facto, procedeu-se à audiência de discussão e julgamento.

A sentença final da oposição, proferida no dia 21 de Dezembro de 2012 – designadamente com fundamento em que o opoente não pode deixar de ser considerado parte legítima na instância executiva, na irrelevância da impugnação do negócio subjacente e na improcedência da excepção do preenchimento abusivo - julgou-a improcedente.

Apelou, naturalmente, o executado que pede, no recurso, que se revogue aquela sentença e se julgue procedente a oposição.

Para convencer do mal fundado da decisão contida na sentença impugnada, o apelante extraiu da sua alegação estas conclusões: … O exequente concluiu, na resposta, pela improcedência do recurso.

  1. Factos provados.

    2.1. Foram dados à execução a que os presentes se mostram apensos a escritura de confissão de divida que os co Executados C… e S… outorgaram e os cheques melhor constantes dos autos de execução cujo teor aqui se dá por reproduzido.

    2.2. Nos documentos nos 6 e 8, no valor respectivamente de € 37.500 e 75.000€, consta que foram sacados sobre a conta ali melhor identificada do Banco … da titularidade do J...

    2.3. E neles se mostra aposta uma rubrica pertença da filha do Executado aqui Oponente no lugar reservado ao sacador.

    2.4. Em tempos o Oponente teve uma conta solidária com a sua filha que se destinava a fazer face a despesas médicas com a doença grave da mulher do Oponente e mãe da Executada.

    2.5. Em determinada altura constatou o ora Oponente que a sua filha vinha utilizando as quantias depositadas na referida conta bancária em seu proveito, deixando a mesma a zeros.

    2.6. Logo que de tal facto tomou conhecimento deu instruções àquela referida instituição bancária para cancelamento da conta, tendo os cheques referidos sido devolvidos com a menção conta encerrada.

    2.7. A referida conduta era do conhecimento do Exequente.

    2.8. Tendo sido comentado o comportamento da filha do Executado como tendo retirado dinheiro aos pais.

    2.9. O Exequente é pessoa singular que, entre Dezembro de 2007 e Março de 2008, emprestou, por diversas ocasiões e em situação autónomas, o valor de 361.250,00 € aos executados C… e S…, esta última filha do ora Oponente.

    2.10. Para pagamento da quantia emprestada os primeiros executados acima referidos subscreveram e entregaram ao Exequente, entre outros, dois cheques, no valor de 37.500,00 € e 75.000,00 €, que se juntaram como Docs. 6 e 8 ao Requerimento Executivo.

    2.11. Os referidos cheques foram assinados pela filha do ora Oponente, ambos titulares de uma conta solidária no Banco ...

    2.12. Foram apresentados a pagamento ao banco sacado com relação à conta bancária solidária do Oponente e da sua filha, tendo sido devolvidos na compensação e tendo a instituição de crédito recusado o pagamento (cfr. Docs. 6 e 8 junto ao Requerimento Executivo).

    2.13. A apresentação dos cheques em causa foram essenciais para o desembolsamento das verbas em dinheiro que o exequente disponibilizou à filha do Oponente, e foi neste contexto que o Exequente aceitou os cheques daquele para quitação de valores em divida oriundos do empréstimo.

    2.14. Foram várias as tentativas, por parte do Exequente, por meio de telefone, carta e fax, para ver liquidada a dívida, sendo que os co-executados reconheceram a dívida e se comprometeram a liquidar os valores devidos, o que não veio a suceder.

    2.15. Aquando do envio dos referidos cheques para pagamento da dívida, o Exequente nunca pôs em causa a validade dos mesmos.

    2.16. No decurso das relações estabelecidas, a Executada S… passou ao Exequente dois cheques com o nº … e nº …, no valor de € 37.500,00 e € 75.000,00, respectivamente, para pagamento de parte do empréstimo concedido.

    2.17. A conta bancária a que corresponde o título cambiário e ordem de pagamento que dele consta é co-titulada, em regime de solidariedade, por S… e pelo Oponente.

    2.18. Os cheques encontram-se datados de 12.04.2008 e de 10.04.2008.

    2.19. Foram apresentados a compensação em 14.04.2008 e 10.04.2008 pelo Exequente e foram devolvidos na mesma compensação, tendo o Banco recusado pagamento, em 15.04.2008 e 11.04.2008.

    2.20. Em ambos os cheques, nos respectivos versos, encontra-se inscrito, em selo legível, “Devolvido na Compensação de Lisboa na Sessão de”, acompanhada da inscrição das datas supra (cfr. Docs. 6 e 8 juntos ao Requerimento Executivo).

  2. Fundamentos.

    3.1.

    Delimitação objectiva do âmbito do recurso.

    Além de delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, o âmbito, subjectivo ou objectivo, do recurso pode ser limitado pelo próprio recorrente. Essa restrição pode ser realizada, expressa ou tacitamente, no requerimento de interposição ou nas conclusões da alegação (artº 684 nºs 2, 1ª parte, e 3 do CPC de 1961).

    Assim, tendo em conta a vinculação temática deste tribunal ao conteúdo da decisão impugnada e das conclusões do apelante, são duas as questões concretas controversas que este Tribunal é chamado a resolver: a) Se os documentos que servem de base à execução são extrinsecamente exequíveis; b) Se o recorrente é dotado de legitimidade para a execução.

    A resolução destes problemas vincula ao exame, ainda que breve, da condição da acção executiva representada pela exequibilidade extrínseca e das funções, constitutiva e delimitadora, do título executivo.

    3.2.

    Exequibilidade extrínseca da pretensão e funções constitutivas e delimitadoras do título executivo.

    A acção executiva, que visa a realização efectiva, por meios coercivos, do direito violado, tem por suporte um título que constitui a matriz ou limite quantitativo e qualitativo da prestação a que se reporta (artºs 2, 4 nº 3 e 45 nº 1 do CPC, 10 nºs 1, 4 e 5 do NCPC).

    A exequibilidade extrínseca da pretensão é atribuída pela incorporação da pretensão no título executivo, i.e., num documento que formaliza, por disposição da lei, a faculdade de realização coactiva da prestação não cumprida (artº 45 nº 1 do CPC de 1961 e 10 nº 5 do NCPC).

    O título executivo é o documento da qual resulta a exequibilidade de uma pretensão e, portanto, a possibilidade de realização da correspondente pretensão através de uma acção executiva. Este título incorpora o direito de execução, ou seja, o direito do credor a executar o património do devedor ou de terceiro para obter a satisfação efectiva do seu direito à prestação[1].

    O título executivo exerce, assim, desde logo, uma função constitutiva – dado que atribui exequibilidade a uma pretensão, permitindo que a correspondente prestação seja realizada através de medidas coactivas impostas ao executado pelo tribunal.

    A acção executiva visa a realização coactiva de uma prestação ou de um seu...

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