Acórdão nº 2452/12.7TBLRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 18 de Fevereiro de 2014

Data18 Fevereiro 2014
ÓrgãoCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I.

A... Seguros, S.A.

, com sede na Av. (...), Lisboa, intentou acção, com processo ordinário, contra B...

, residente na Rua (...), Colmeias, pedindo que este seja condenado a pagar-lhe a quantia de 59.196,01€, acrescida de juros desde a citação até pagamento.

Alega, para fundamentar a sua pretensão, que: no dia 19/04/2010, ocorreu um acidente de viação no qual foi interveniente o veículo de matrícula RP (...), conduzido pelo Réu, bem como o motociclo de matrícula (...) GZ, conduzido por C...

; tal acidente ocorreu por culpa exclusiva do Réu, sendo que este conduzia o veículo sob a influência do álcool, tendo acusado uma TAS de 1,22 g/l; em consequência do acidente, o condutor do motociclo sofreu diversos danos, para cuja indemnização a Autora liquidou a quantia de 59.196,01€, já que, por contrato de seguro, celebrado com o Réu, havia assumido a responsabilidade civil pelos danos emergentes da circulação do veículo RP; porque o condutor deste veículo conduzia sob a influência do álcool, a Autora tem direito de regresso, em conformidade com o disposto no art. 27º, nº 1, alínea c) do Dec. Lei 291/2007, de 21/08, contra o Réu e relativamente a todas as quantias que despendeu com o acidente.

O Réu contestou, sustentando que o acidente não ocorreu por sua culpa e impugnando o facto de conduzir sob a influência do álcool, mais alegando que, de qualquer forma, não existiria qualquer nexo de causalidade entre o acidente e a taxa de alcoolemia, razão pela qual não assiste à Autora qualquer direito de regresso.

Assim e impugnando a extensão dos danos que foram alegados, conclui pela improcedência da acção.

Foi proferido despacho saneador e foi elaborada a selecção da matéria de facto assente e base instrutória.

Após realização da audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que, julgando a acção improcedente, absolveu o Réu do pedido contra ele formulado.

Inconformada com essa decisão, a Autora veio interpor o presente recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões: 1. Com a entrada em vigor do Decreto-Lei nº 291/2007 deixou de ser necessária a prova do nexo de causalidade entre a condução sob efeito do álcool e o acidente.

  1. O direito de regresso da seguradora não depende da prova do nexo de causalidade entre a condução sob efeito do álcool e o acidente.

  2. Decorre da redacção do art. 27º, nº 1, alínea c) do Decreto-Lei nº 291/2007 que basta a seguradora demonstrar que o condutor deu causa ao acidente e que acusou uma TAS superior à legalmente permitida para poder exercer direito de regresso contra o mesmo, o que a Apelada logrou fazer nos presentes autos.

  3. Não obstante, nos presentes autos, tal nexo de causalidade ficou provado.

  4. Mesmo que se defenda que continua a ser necessária a prova desse nexo de causalidade, importa salientar que o julgador, através de presunção judicial, pode concluir por esse nexo de causalidade atendendo aos factos dados como provados.

  5. Face às regras de experiência comum e científica, a influência de uma TAS de 1,22 g/l no ora Apelado, em abstracto, era idónea para levar à diminuição dos seus reflexos, e das suas capacidades de atenção, percepção e reacção.

  6. Atenta a forma como ocorreu o acidente, torna-se evidente que face a uma TAS tão elevada, que esta foi efectivamente causal para ocorrência do acidente.

    Assim, conclui, deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida e condenando-se o Réu no pedido.

    O Réu apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões: I.

    O pressuposto da procedência de direito de regresso da Apelante não é a mera condução com TAS superior à legalmente permitida, mas o facto de ser a condução sob influência do álcool que determina a ocorrência do acidente que deu causa à obrigação da Seguradora de indemnizar.

    II.

    Considerar que o artigo 27.º c) do DL 291/2007 afasta a posição postulada pelo AUJ 6/2002, é quebrar a harmonia do sistema jurídico português, fazendo introduzir uma causa objectiva de procedência do direito de regresso da Seguradora, permitindo injustiças que concedam à Seguradora sem motivo, porque a taxa de alcoolemia superior à legalmente admissível, afastar a sua obrigação de suportar a indemnização pelos danos decorrentes de acidente de viação.

    III.

    E é, outrossim, consagrar decisões injustas. Que permitam à seguradora alijar-se da sua principal obrigação.

    IV.

    Injustiça que permitirá que em situações idênticas, ainda que o álcool não tenha qualquer influência num acidente, a Seguradora exerça o seu direito de regresso sobre condutor que apresentasse TAS superior ao limite legalmente permitido, quando não o pode fazer em acidente exactamente com as mesmas causas e efeitos, em que não existe aquela TAS.

    V.

    A interpretação da lei não é vinculada ao seu elemento histórico. A hermenêutica axiológica determina que o intérprete e aplicador do direito encare a norma na harmonia do sistema jurídico e na sua emancipação, na sua generalidade e abstracção. Não ficando vinculado a um único elemento que pretenda funcionar como cânone interpretativo, sobretudo se injusto. Porque seria, tão somente, uma cedência ao Império Segurador.

    VI.

    No domínio do DL 291/2007 continua a ser necessário o nexo causal entre a ocorrência o acidente e a taxa de alcoolemia superior à legalmente permitida, tendo a Seguradora o ónus de alegar e provar factos que permitam estabelecer aquele nexo causal.

    VII.

    A Apelante não alegou quaisquer factos que permitam estabelecer aquele nexo causal.

    VIII.

    Ainda que se entendesse que aquele nexo causal podia ser considerado, partindo de um facto base e de presunções judiciais, não houve na dinâmica do julgamento, nos factos ali relatados, e nos juízos que o mesmo foi permitindo, qualquer fundamento para que, do que se apurou, pudesse inferir-se que o acidente ocorreu, de facto, pela existência daquela TAS.

    IX.

    Mesmo que se entendesse que à Seguradora bastaria alegar e provar a taxa de alcoolemia, sempre teria de admitir-se que ao Apelado seria permitido ilidir a presunção legal assim estabelecida a favor da Apelante.

    X.

    Resulta dos factos provados pelo Apelado, da perigosidade do cruzamento, da falta de visibilidade do mesmo, da dinâmica do acidente, que o mesmo sempre poderia ter ocorrido tivesse ou não o Apelado consumido bebidas alcoólicas. Pelo que sempre estaria ilidida qualquer presunção favorável à Apelante.

    XI.

    Realizar a Justiça, de modo criativo, colocando a consciência e o direito, temperado pelo saber jurisdicional, será sempre confirmar a douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo.

    Termos em que, e nos melhores de Direito, deve a Apelação ser julgada improcedente, confirmando-se integralmente a douta Sentença Recorrida.

    ///// II.

    Questões a apreciar: Atendendo às conclusões das alegações da Apelante – pelas quais se define o objecto e delimita o âmbito do recurso – a questão a apreciar e decidir consiste em saber se, face ao disposto no Dec. Lei nº 291/2007 de 21/08, o direito de regresso da seguradora exige ou não a alegação e prova do nexo de causalidade entre a condução sob efeito do álcool e o acidente ou se tal nexo de causalidade se deve ter por demonstrado, ainda que por recurso a presunções judiciais, com vista a determinar se estão ou não verificados todos os pressupostos de que depende o direito de regresso da Autora (seguradora) sobre o Réu, no que toca às quantias que aquela pagou ao lesado por força de acidente de viação em que foi interveniente um veículo que era conduzido pelo Réu e relativamente ao qual a Autora havia assumido a responsabilidade civil emergente da sua circulação.

    ///// III.

    Na 1ª instância, considerou-se provada a seguinte matéria de facto: 1. A A. exerce a indústria de seguros em vários ramos – alínea A) dos factos assentes.

  7. No exercício da sua actividade, a A. celebrou com B... um contrato de seguro do ramo automóvel, titulado pela Apólice n.º 34/1034505 – alínea B) dos factos assentes.

  8. Através do contrato de seguro referido em B), a A. assumiu a responsabilidade civil emergente de embates decorrentes da circulação do veículo de matrícula RP (...) – alínea C) dos factos assentes.

  9. No dia 19 de Abril de 2010, pelas 18h05m, ocorreu um embate na Rua do Branco, na localidade de Serra do Branco, concelho e distrito de Leiria – alínea D) dos factos assentes.

  10. Em que foram intervenientes o veículo RP, conduzido pelo R., e o motociclo com a matrícula (...) GZ, conduzido por C... – alínea E) dos factos assentes.

  11. O local do embate caracteriza-se por ser um entroncamento, (…) – alínea F) dos factos assentes.

  12. (…) formado pela Rua do Branco e pela Rua do Cabeço – alínea G) dos factos assentes.

  13. O veículo RP circulava na Rua do Cabeço em direcção ao entroncamento referido em F) e G) – alínea H) dos factos assentes.

  14. O veículo GZ circulava na Rua do Branco em direcção ao entroncamento referido em F) e G) – alínea I) dos factos assentes.

  15. Os condutores que circulem na Rua do Cabeço são confrontados, imediatamente antes da intersecção com a Rua do Branco, com a sinalização vertical STOP – alínea J) dos factos assentes.

  16. No lugar do entroncamento referido em F) e G), quer a Rua do Branco quer a Rua do Cabeço comportam dois sentidos de trânsito, (…) – resposta ao ponto nº 1 da base instrutória.

  17. (…) com uma via de circulação para cada sentido – resposta ao ponto nº 2 da base instrutória.

  18. No momento do embate referido em D) estava bom tempo (…) – resposta ao ponto nº 3 da base instrutória.

  19. (…) e o piso estava seco – resposta ao ponto nº 4 da base instrutória.

  20. Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em D), o motociclo GZ circulava na...

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