Acórdão nº 527/11.9TBFND.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 18 de Fevereiro de 2014

Magistrado ResponsávelHENRIQUE ANTUNES
Data da Resolução18 de Fevereiro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: 1.

Relatório.

M… pediu ao Sr. Juiz de Direito do Tribunal Judicial da Comarca do Fundão que condenasse F…: a) A reconhecer que é o único e legitimo dono e possuidor do rés-do-chão direito, destinado a habitação, composto por duas salas, cozinha, três quartos, duas casas de banho, despensa e cinco divisões no sótão, destinadas a arrecadações, com os nºs 1 a 5 e logradouro com 44 m2, do prédio, constituído em propriedade horizontal, sito na Rua …, com inscrição a seu favor; b) A entregar-lhe, livres e desocupados, os sótãos que tem em seu poder, e que são parte integrantes do prédio referido em a); c) A pagar-lhe a quantia de € 10,00 diários, a partir da citação, até que lhe entregue, livres e inteiramente desocupados, os sótãos.

Fundamentou estas pretensões no facto de ser dono daquele rés-do-chão, de o 2º andar esquerdo do mesmo prédio ter estado arrendado, durante muitos anos, à mãe da ré, que sempre utilizou os sótãos, com consentimento e autorização dos senhorios, de a ré, por morte da mãe, ter sucedido no arrendamento da fracção, até que, em 24 de Novembro de 2006, a adquiriu, por compra, de, imediatamente a seguir à compra, ter instado a ré a desocupar e entregar as chaves dos sótãos, 1 a 5, que tinha em seu poder, entrega que a ré protelou, e de ter pretender arrendar o rés-do-chão e depositar as mobílias que nele se encontram nos sótãos, pelo que, mais uma vez, instou a ré a entregar-lhe as chaves dos sótãos, tendo a ré referido que não lhas entregava por ter adquirido, senão todos, alguns dos sótãos, por usucapião, conduta que lhe está a causar um prejuízo de € 10,00, dado que o impede de transferir o mobiliário que tem no rés-do-chão para os sótãos, para o poder arrendar.

A ré defendeu-se alegando que desde o início do arrendamento, em Outubro de 1976, a mãe, e depois da morte desta, em final de Agosto de 2003, ela mesma, ocupam e utilizam duas arrecadações existentes no sótão do prédio, uma cada extremidade do sótão, no convencimento de que faziam parte do arrendamento, que quando negociou e comprou fracção, fê-lo no convencimento de aquelas duas arrecadações faziam parte dela, sabendo os intervenientes na escritura que estava convencida que as duas arrecadações que já então ocupava fazia parte da fracção adquirida e que tal circunstância era essencial para si, e que, caso venha a demonstrar-se que as duas arrecadações que ocupa pertencem ao autor, a compra e venda que efectuou é susceptível, por erro sobre os motivos determinantes da sua vontade e as circunstâncias que constituem a base do negócio, de modificação.

Seleccionada a matéria de facto, procedeu-se, com registo sonoro dos actos de prova levados a cabo oralmente à audiência de discussão e julgamento, no terminus da qual se decidiu, sem reclamação, a matéria de facto controvertida.

A sentença final julgou a acção procedente e condenou a ré: a) Reconhecer que o autor é o único e legítimo dono e possuidor do prédio identificado no artigo 1.º da petição inicial; b) Entregar-lhe, livres e inteiramente desocupados, os sótãos que tem em seu poder (com os n.ºs 1 a 5) e que são partes componentes do prédio do autor referido na alínea a); c) Pagar ao autor a quantia de 10 € diários a partir da citação e até que lhe entregue, livres e inteiramente desocupados, os referidos sótãos.

É esta sentença que a ré impugna no recurso ordinário de apelação no qual pede a revogação dela.

A ré encerrou a sua alegação com estas conclusões: … Na resposta, o autor – depois de indicar como depoimentos que infirmam as conclusões da recorrente exactamente os mesmos em que a última funda a impugnação da decisão da questão de facto - concluiu, naturalmente, pela improcedência do recurso.

  1. Factos relevantes para o conhecimento do objecto do recurso.

    2.1. Foi seleccionado, logo na fase da condensação, para a factualidade assente, este enunciado de facto: … 2.5. O Tribunal de que provém o recurso julgou provados, no seu conjunto, os factos seguintes: … 3.

    Fundamentos.

    3.1.

    Delimitação do âmbito objectivo do recurso.

    Além de delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, o âmbito do recurso pode ser limitado pelo próprio recorrente. Essa restrição pode ser realizada no requerimento de interposição ou nas conclusões da alegação (artº 684 nºs 2, 1ª parte, e 3 do CPC de 1961).

    A recorrente pede, na última conclusão com que rematou a sua alegação, além da modificação da decisão do ponto de facto inserto na base instrutória sob o nº 5, a modificação da compra e venda celebrada em 24/11/2006, nos termos do preceituado nos artºs 251 e 252 do Código Civil.

    Entre nós, os recursos ordinários visam a reapreciação da decisão proferida nas exactas condições em que se encontrava o tribunal recorrido no momento do seu proferimento, pelo que, em regra, o tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre pedidos que não foram formulados na instância recorrida: o recurso ordinário é um instrumento de impugnação de decisões judiciais – e não meio de julgamento de questões novas, pelo que o recurso interposto para a Relação visa, normalmente, apreciar o pedido formulado na 1ª instância, com a matéria de facto nela alegada.

    A recorrente, logo no articulado em que deduziu a sua defesa, alegou a susceptibilidade da modificação do contrato de compra e venda através do qual adquiriu, ao recorrido e outros, a sua fracção autónoma, nos termos do preceituado nos artºs 252 e 252 do Código Civil, caso se demonstrasse que as duas arrecadações que ocupa pertencem ao apelante – mas não formulou, com base nessa alegação, qualquer pedido.

    Ora, não tendo sido formulado pela recorrente, logo na instância recorrida, com fundamento, designadamente em erro sobre a base do negócio, qualquer pedido – reconvencional - de modificação do apontado contrato de troca, o pedido de modificação desse mesmo contrato que deduziu na sua alegação de recurso é um pedido novo, relativamente ao qual esta Relação, pelas razões apontadas, não pode ser chamada a pronunciar-se.

    De resto, tendo o contrato de compra e venda sido concluído, pelo lado do vendedor, para além do apelado, por outras pessoas, que não estão em juízo, sempre se imporia a absolvição daquele da respectiva instância, por preterição do litisconsórcio necessário, dado que – ao menos segundo a orientação jurisprudencial – quer por razões de compatibilidade lógico-jurídica, quer por motivos de coerência prática, se impunha a demanda, em litisconsórcio natural, de todos os intervenientes no negócio (artºs 28 nºs 1 e 2 do CPC de 1961 e 33 nºs 1 a 3 do NCPC)[1].

    Maneira que, tendo em conta o conteúdo da decisão impugnada e da alegação da recorrente e do recorrido, a questão concreta controversa que importa resolver é a de saber se aquela sentença se encontra ferida com o vício da nulidade substancial e, em qualquer caso, se deve ser revogada e substituída por outra que absolva a apelante do pedido.

    Estas questões trazem naturalmente implicadas a causa de nulidade da decisão representada pelo excesso de pronúncia e o error in iudicando da matéria de facto, tanto por erro sobre o objecto da prova, como por equívoco na apreciação ou valoração dessa mesma prova.

    3.2.

    Nulidade substancial da decisão impugnada.

    Segundo a apelante, a sentença recorrida padece do vício grave da nulidade. Este valor negativo teria por etiologia uma outra nulidade: a decorrente da resposta excessiva dada pelo decisor de facto da 1ª instância ao ponto de facto incluso na base da prova sob o nº 4.

    Ainda que – ad argumentam – se deva entender que as respostas excessivas do tribunal da audiência aos pontos de facto controvertidos se devam ter por nulas por excesso de pronúncia, esse vício não constitui causa de nulidade da sentença.

    De harmonia com a lei adjectiva vigente ao tempo do proferimento da decisão da matéria e facto e da sentença final, o quadro dos valores negativos da sentença estava pensado para um sistema de cisão entre a decisão da matéria e aquela sentença (artºs 653 nº 2, 658 e 659 nºs 1 a 3 do CPC de 1961).

    Num contexto de um sistema de césure entre o julgamento da matéria de facto e a sentença, há que fazer um distinguo entre os vícios da decisão da matéria de facto e os vícios da sentença, distinção de que decorre esta consequência: os vícios da decisão da matéria de facto não constituem, em caso algum, causa de nulidade da sentença, considerado além do mais o carácter taxativo da enumeração das situações de nulidade deste último acto decisório[2].

    Realmente a decisão da matéria de facto está sujeito a um regime diferenciado de valores negativos - a deficiência, a obscuridade ou contradição dessa decisão ou a falta da sua motivação - a que correspondia um modo diferente de controlo e de impugnação: aquela decisão era impugnável por meio de reclamação, acto contínuo à sua publicação, e não era autonomamente recorrível, i.e., apenas podendo ser impugnada no recurso que for interposto da sentença final, podendo, neste caso o controlo sobre o julgamento da matéria de facto ser feito pela Relação, nos termos gerais (artºs 653 nº 4, 2ª parte, e 712 do CPC de 1961). Os vícios da decisão da matéria de facto não constituem causa de nulidade da sentença, antes dão lugar à actuação pela Relação dos seus poderes de controlo da decisão dessa mesma matéria (artº 712 nº 4 do CPC de 1961).

    Não há, pois, o mínimo motivo para estigmatizar a sentença impugnada com o ferrete da nulidade.

    3.3.

    Impugnação da decisão da matéria de facto.

    O objecto fundamental da impugnação é constituído pelo erro de julgamento da decisão da matéria de facto. Erro que, segundo a apelante, radica em duas causas diversas: num erro sobre o objecto da prova; num erro na valoração da prova.

    No ver da apelante, o tribunal da 1ª instância errou, desde logo, na selecção da base da instrutória, dado que, na errada consideração...

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