Acórdão nº 517/11.1TBGRD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 18 de Fevereiro de 2014

Magistrado ResponsávelBARATEIRO MARTINS
Data da Resolução18 de Fevereiro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra: I – Relatório A..., Lda.

, com sede em (...), Oliveira do Bairro, intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra B..., C...e D...

, todos com os sinais dos autos, pedindo que estes sejam solidariamente condenados a pagar-lhe a quantia de € 96.068,63, acrescida de juros à taxa legal da citação até integral pagamento.

Alegou, em síntese, que exerce a actividade de fabrico e venda, com fim lucrativo, de embalagens de plástico e que, de Junho de 2002 a Junho de 2007, teve como cliente a E...

, Lda. de que os RR. eram, em tal período temporal, os gerentes. E... que, a partir de 2005, começou a atrasar-se no pagamento dos fornecimento que a A. lhe fazia, atingido o crédito da A. quando a E..., em 1/04/2008, requereu a sua própria insolvência (a qual veio a ser declarada em 18/04/2008) o montante de € 96.068,63; crédito este, que embora reconhecido à A., não obteve qualquer pagamento da massa insolvente da E....

Ora – acrescentou a A. – resulta dos balanços da E... que esta, já antes de 2004, se encontrava em situação de insolvência, o que era do conhecimento dos RR. (seus gerentes) que, apesar de conhecerem tal situação e de saberem não ser viável a recuperação económica e financeira da E..., não a apresentaram à insolvência; o que, caso o tivessem feito, como deviam, teria evitado que a A. realizasse as referidos vendas/fornecimentos (no montante de € 96.068,63), dando assim causa (os RR.), com a omissão de tal dever (de apresentação à insolvência), a um prejuízo de tal montante para a A..

Os RR. contestaram.

Começaram por invocar os RR B... e C...(na contestação conjunta que apresentaram) que a insolvência da E... foi declarada como fortuita, decisão essa que transitou em julgado e que, a tal respeito, formou caso julgado.

Mais alegaram que a decisão de requerer a insolvência da E... foi tomada após a ASAE (em 22/01/2008) haver suspendido o seu funcionamento e encerrado o sector de produção de refrigerantes, sumos, xaropes e licores; e por a E... não ter meios financeiros para suprir as faltas apontadas pela ASAE, deixando de poder satisfazer as encomendas dos clientes e ficando impedida de honrar os compromissos com fornecedores, clientes e trabalhadores.

Em todo o caso – acrescentaram – antes da intervenção da ASAE e apesar da situação financeira difícil da E..., os gerentes sempre acreditaram ser possível manter o exercício da sua actividade, os postos de trabalho e honrar compromissos assumidos; existindo mesmo para o pagamento do crédito da A. um plano de pagamento, através da emissão de um conjunto de cheques pré-datados.

Enfim, invocaram que tudo foi feito pelos gerentes para ultrapassar a grave crise económica reinante no País (agravada pela política comercial, adversa, da grande distribuição); que os sócios da E... disponibilizaram mesmo empréstimos (que detalharam) para a sua sobrevivência; que foi tal esforço que foi interrompido pela referida decisão administrativa da ASAE; e terminaram dizendo (após referirem que os fornecimentos da A., tendo deixado de ocorrer em Junho de 2007, o direito da A. já “caducou”) que não existiu qualquer omissão, quer em termos de dever de agir quer de informação do património, dos gerentes da E... e aqui RR.

Concluíram pois pela total improcedência da acção.

O R. D... apresentou contestação autónoma de teor idêntico – dizendo que não omitiu qualquer dever nem teve qualquer intenção de prejudicar a A. e que os gerentes sempre acreditarem ser a situação ultrapassável e haver possibilidades (ainda que mínimas) de restabelecer a viabilidade económica da E... – acrescentando, de novo, que nunca foi verdadeiro gerente de facto, mas tão-só de direito, uma vez que desempenhava tão só as funções de vendedor e comercial.

Concluiu pois pela total improcedência da acção.

A A. replicou, opondo-se às excepções suscitadas – caso julgado e “caducidade” – e mantendo o alegado na PI.

Foi proferido despacho saneador – no qual se julgaram improcedentes as excepções de caso julgado e de prescrição[1] arguidas pelos RR. B... e C... e em que se declarou a instância totalmente regular, estado em que se mantém – e organizada a matéria factual com interesse para a decisão da causa.

Após o que, instruído o processo e realizada a audiência, o Exmo. Juiz de Circulo proferiu sentença em que julgou a acção totalmente improcedente e, em consequência, absolveu os RR. do pedido.

Inconformada com tal sentença, interpôs a A. recurso de apelação, visando a sua revogação e a sua substituição por decisão que julgue a acção totalmente procedente e que condene os RR. de acordo com o solicitado na PI.

Terminou a sua alegação com as seguintes conclusões: I – Foi erradamente julgada a matéria de facto constante dos pontos nº 5, 2ª parte, e 6. da douta base instrutória e 31. dos factos julgados provados, que, pela prova produzida, sem outra que a contrariasse, e segundo as regras da lógica e da experiência da vida, deveria ter sido julgada provada, a dos dois primeiros, e não provada a do segundo, tendo sido violada a regra do art. 653º, nº 1, do C.P.C. de 1961, aplicável ao caso; II - Como constam dos autos as provas que serviram de base a tais decisões, devem as mesmas ser modificadas, em sentido contrário ao decidido, de conformidade com o disposto no art. 712º, nº 1, al a) do C.P.C., III -Se bem que acertadamente escolhidas e interpretadas ao caso as normas dos arts. 78º e 483º do C. Civil e 3º, 18º e 19º do C.I.R.E, foram erradamente aplicadas, porquanto da aplicação das mesmas normas deve resultar a condenação dos réus no pagamento da indemnização pedida pela autora.

Os RR. B... e C..., responderam, sustentando, em síntese, que a sentença recorrida não violou qualquer norma processual ou substantiva, designadamente, as referidas pela A/recorrente, pelo que deve ser mantida nos seus precisos termos.

Obtidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.

* II – “Reapreciação” da decisão de facto Como questão prévia à enunciação dos factos provados, importa[2] – atento o âmbito do recurso da A. – analisar as 3 questões, a propósito da decisão de facto, colocada por tal recorrente a este Tribunal.

Constam do processo todos os elementos probatórios com que a 1.ª instância se confrontou quando decidiu os quesitos 5.º, 6.º e 20.º[3] sendo assim possível modificar aquela decisão, se enfermar de erro de julgamento.

Vejamos: Perguntava-se no quesito 5.º se “os aqui Réus B..., C...e D... conheciam perfeitamente os factos referidos em 2), 3) e 4) e previam o seu agravamento, dada a organização estrutural da sociedade E..., Lda., designadamente por excesso de pessoal, máquinas e equipamento obsoletos e pesados encargos financeiros”; tendo-se respondido “provado apenas que o réus B..., C...e D... conheciam perfeitamente os factos referidos de 2), 3) e 4)”.

Perguntava-se no quesito 6.º se “já então bem sabiam, pela sua estrutura de custos, especialmente com pessoal, a natureza do equipamento, obsoleta, e os elevados custos financeiros, que não era viável a recuperação económica e financeira da mesma sociedade, como de facto veio a acontecer”; tendo-se respondido “não provado”.

Perguntava-se no quesito 20.º “se; apesar do que refere em 2), 3) e 4, os réus sempre acreditaram ser possível manter o exercício da actividade, os postos de trabalho e honrar compromissos assumidos desde que contassem com a compreensão e estreita colaboração de todos os fornecedores, incluindo a autora”; tendo-se respondido “provado”.

Pretende a A/apelante que os quesitos 5.º e 6.º sejam integralmente dados como provados e que o quesito 20.º seja julgado não provado; invocando para tal os depoimentos das testemunhas F... (economista que foi o Administrador de Insolvência da E...) e G...(TOC da Autora) e as regras da experiência da vida articuladas com o que resulta dos diversos documentos juntos aos autos (v. g., balanços, relatórios de gestão, demonstrações de resultados, ao longo dos anos de 2004, 2005, 2006 e 2007 da E...).

Que dizer? Em 1.º lugar, que os depoimentos testemunhais – os referidos e os restantes – pouco ou nada acerescentaram, com relevo para os quesitos 5.º, 6.º e 20.º, ao que já resultava dos diversos diversos documentos juntos aos autos.

Aliás, quanto à testemunha F..., até seria algo surpreendente que tal pudesse acontecer, uma vez que ele foi Administrador no processo de insolvência da E..., tendo, por dever de ofício, oportunidade de se pronunciar – vide, v. g., o parecer do art. 188.º/2 do CIRE, por si subscrito, junto de fls. 51 a 54 dos autos, em que concluiu pela qualificação como fortuita da insolvência da E... – sobre as questões que os quesitos em causa encerram; e se ele porventura admitisse que os RR. sabiam que deviam ter apresentado a E... à insolvência a partir de 2004, então, estaria a confessar (como testemunha) que teria andado mal ao não intentar, enquanto Administrador da insolvência, uma acção como a presente contra os aqui RR..

Em 2.º lugar, que os diversos diversos documentos juntos aos autos – em que se incluem os vários documentos de prestação de contas previstos na lei (balanço, relatório de gestão, contas de exercício e os demais documentos), relativos aos exercícios anuais da E... desde 2004, e o próprio requerimento de apresentação à insolvência (de 01/04/2008) da E... – são bastante ricos e elucidativos[4], permitindo que, fazendo uso das regras da experiância e da normalidade da vida, se vá um pouco mais longe nas respostas aos quesitos 5.º e 6.º.

Em 3.º lugar, que uma coisa é o que, objectivamente, os vários documentos de prestação de contas da E..., analisados na sua evolução temporal, impõem que se conclua...

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