Acórdão nº 1350/11.6TBGRD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 25 de Fevereiro de 2014

Magistrado ResponsávelJOSÉ AVELINO GONÇALVES
Data da Resolução25 de Fevereiro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em Conferência, na 3.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra: 1.Relatório A… e mulher, B…, vieram propor a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra o Município de C…, pedindo que:

  1. Seja reconhecida a propriedade dos autores sobre a parcela de terreno, que identificam; b) Seja o réu condenado a reconhecer o aludido direito de propriedade, abstendo-se de qualquer acto lesivo do mesmo.

    Alegam para o efeito, em síntese, que são proprietários de um imóvel urbano, que é uma casa de habitação, com logradouro, que identificam.

    A referida casa de habitação foi edificada num lote de terreno, o qual utilizam como seu desde Setembro de 1992.

    Nesse mesmo mês de Setembro, do lado sul do lote, e para uma melhor funcionalidade do lote, os autores adquiriram uma faixa de terreno, com cerca de 160 m2, à Predial da C…, S.A., o que ocorreu por acordo verbal.

    Os autores, em 1992, incorporaram no seu lote essa faixa de terreno, realizando trabalhos de remoção e nivelamento de terras, realizando em todo o lote as obras de construção da sua habitação.

    No ano de 2004 o Município contactou o autor marido, a quem intimou a entregar-lhe faixa de terreno, alegando que o mesmo era seu.

    Sucede que os autores estão na posse de tal parcela de terreno desde 1992, razão pela qual, uma vez que se mostram verificados os respectivos pressupostos, o adquiriram a respectiva propriedade por usucapião.

    O réu, citado para o efeito, veio alegar que este Tribunal é incompetente, em razão da matéria, para julgar e decidir a presente acção, já que se trata de matéria da competência dos tribunais administrativos.

    O terreno que os autores ocuparam e delimitaram excede o terreno previsto, aprovado e licenciado para o lote de que são proprietários.

    No âmbito da operação de loteamento aquele terreno foi previsto, aprovado e licenciado para a concretização de uma passagem pedonal/pública (e para cedência à Câmara Municipal).

    O pedido dos autores de reconhecimento daquele terreno como seu por usucapião é ofensivo do regime legal de ordenamento do território, designadamente no que a loteamentos se refere do PDM da C…, bem como do regime jurídico dos loteamentos, e visa pôr em causas as deliberações definitivas da Câmara de entrega do terreno.

    O terreno em causa destina-se, segundo a planta síntese do loteamento, à criação de uma passagem pedonal, envolvente ao lote 20 desta operação de loteamento e devia passar para o domínio público municipal, sendo subtraído ao comércio jurídico, o que ocorre desde a emissão do alvará de loteamento …, pelo que qualquer acto de cedência da referida parcela a favor de terceiros, mormente dos autores, é nula e de nenhum efeito.

    Também é nula por falta de forma e porque a sociedade a Predial da C…, Lda., não pode doar nos termos em que o fez, por não se conter dentro do objecto social de tal sociedade e ainda, sendo do domínio público municipal, o operador do loteamento estava impedida de dispor da mesma.

    Quanto à alegada usucapião, importa ter presente que desde 2004 os autores estão notificados de uma deliberação camarária que lhes determinou a devolução do terreno ilegalmente ocupado e não reagiram, pelos meios administrativos próprios contra essa deliberação que nunca impugnaram contenciosamente, o que, para além do mais, impede a verificação dos pressupostos legais da usucapião.

    O Sr. Juiz do Círculo da Guarda proferiu a seguinte decisão: Julgo a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, procedente e, consequentemente, decido:

  2. Declarar os autores A… e mulher, B…, como proprietários da: i) Parcela de terreno, com a área de 160 m2, sita na confinância a sul do lote 1 referido em 1. e 2 da factualidade julgada provada.

    b) Condenar o réu Município de C… a: i) Reconhecer que os autores são proprietários da referida parcela de terreno; e a ii) Abster-se de praticar qualquer acto lesivo do mesmo.

    1. O Objecto da instância de recurso O apelante MUNICÍPIO De C…, apresentou as suas alegações, assim concluindo: ...

      A 1.ª instância fixou esta matéria de facto: ...

      Porque não impugnada, será esta a matéria a utilizar no âmbito da instância recursiva.

      São três, as questões colocadas a este Tribunal, pela pena do ilustre mandatário do réu/recorrente: 1.Do flagrante erro sobre a apreciação dos factos considerados provados; … 2. Mostrando-se provado que “No ano de 2004 o Município réu contactou o autor marido, a quem intimou a entregar-lhe a parcela de terreno que se refere em 4., com o alegado fundamento de que tal terreno era do Município e tinha sido indevidamente ocupado pelos autores”, não podia o julgador da 1.ª instância concluir pela existência do “animus possessório”.

      Escreve o ilustre mandatário do apelante réu: “A Mmª Juíza “a quo”, perante a matéria de facto dada como provada nos pontos 16. e 18, erroneamente, salvo o devido respeito, considerou que “Em conformidade, o animus, para além de ter sido demonstrado conforme supra descrito (“na convicção de que exercem um direito seu e em nome próprio como se exercessem um direito de propriedade, pelo menos no momento em que adquiriram a faixa de terreno em causa” – o que ocorreu no ano de 1992: vide o ponto 5 da factualidade assente), presume-se – o que não foi ilidido – nos termos do art. 1252º, n.º 2 do CC. Por isso, há que concluir que os autores têm a posse (corpus e o animus) da referida faixa de terreno.” Tendo ficado provado que “No ano de 2004 o Município réu contactou o autor marido, a quem intimou a entregar-lhe a parcela de terreno que se refere em 4., com o alegado fundamento de que tal terreno era do Município e tinha sido indevidamente ocupado pelos autores.”, não podia a Mmª Juíza “a quo” concluir, como concluiu, que in casu está verificado o animus possessório.

      Daqui apenas se pode e deve concluir que, pelo menos a partir de 2004, os AA têm consciência de que usam a parcela em questão, com oposição da Câmara Municipal da C… e, por isso, não usam a mesma com consciência de que não lesam o direito de quem quer que seja.

      Ainda que se aceitasse a tese dos AA – que não se aceita – desde 1992 até 2004, apenas decorreram 12 anos, tempo insuficiente para que os AA pudessem ter adquirido por usucapião a referida parcela de terreno, pelo que nunca poderia ser julgado procedente o invocado direito dos AA., por falta de requisitos legais da invocada posse.

      Por isso, e não obstante tudo o demais, in casu não se verificam os requisitos da posse, designadamente quanto ao animus, que permitam concluir que os AA tenham adquirido o direito de propriedade sobre a parcela de terreno em questão por usucapião…”.

      Salvo o devido respeito pelo alegado, entende este Tribunal que o apelante carece de razão.

      Senão vejamos.

      Como é sabido, o proprietário tem ao seu dispor – processualmente falando -, quando o seu direito seja simplesmente contestado ou posto em dívida por outrem, a chamada acção de simples apreciação positiva – que se declare a respectiva existência -, visando-se, com esta acção, não defender a propriedade contra agressões de terceiros, mas antes de a certificar, tornando-a incontroversa, pelo menos em relação a esses terceiros violadores - eficácia do caso julgado -.

      Na situação dos autos não estamos perante qualquer agressão do direito de propriedade dos autores – os quais mantém a fruição da fracção – razão pela qual julgamos poder concluir – como o fez já a 1.ª instância - que, ao nível do direito de propriedade, estamos perante acção de simples apreciação positiva: os autores peticionam que sejam declarados proprietários da parcela de terreno objecto do presente litígio, louvando-se no instituto da usucapião.

      Como todos sabemos, a usucapião é uma forma de aquisição originária de direitos, cuja verificação depende de dois elementos: a posse - corpus/animus - e o decurso de certo período de tempo, variável conforme a...

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