Acórdão nº 48/12.2TBFCR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 25 de Fevereiro de 2014
Magistrado Responsável | CATARINA GONÇALVES |
Data da Resolução | 25 de Fevereiro de 2014 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I.
A Herança Ilíquida e Indivisa aberta por óbito de A...
representada pelos seus herdeiros, B...
, residente na Rua (...), Figueira de Castelo Rodrigo, C...
, residente na Urbanização (...)., Guarda, D...
, residente na Rua (...), Manteigas e E...
, residente no Bairro (...), Figueira de Castelo Rodrigo intentou a presente acção, com processo sumário, contra F...
, Ldª, com sede em Figueira de Castelo Rodrigo, pedindo a condenação da Ré a:
-
Reconhecer que a Autora é única dona e legítima proprietária da totalidade do prédio rústico inscrito na respectiva matriz predial rústica sob o artigo (...)º, descrito na Conservatória do Registo Predial de Figueira de Castelo Rodrigo sob o n.º (...)/151287, com uma área total de 14.115 m2; b) Reconhecer que não existe qualquer título que justifique a ocupação da parcela de terreno com aproximadamente 1.600 m2 da propriedade da Autora; c) Desocupar a faixa de terreno com a área de aproximadamente 1.600 m2, do prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo (...)º, ocupada ilegitimamente pela Ré e entregá-la aos seus legítimos proprietários tal como se encontrava antes dessa ocupação; d) Reconhecer que apenas é dona e legítima proprietária do prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo 806º, com uma área total de 5.252 m2.
Alega, em suma, que da herança Autora faz parte um prédio rústico, inscrito na matriz sob o art. (...)º, com a área total de 14.115m2, sendo que tal prédio foi adquirido pelo falecido A... por compra que efectuou em 22/04/1987 a L...
encontrando-se, desde a sua morte, na posse dos seus herdeiros; a Ré, que é proprietária de um prédio contíguo, ocupou ilegitimamente uma parcela daquele prédio, com a área aproximada de 1.600m2, para depósito de materiais de construção, o que faz sem qualquer título e contra a vontade do autor da herança, aqui Autora, e dos seus representantes; em 1996/1997, o falecido A... autorizou um dos sócios gerentes da Ré (O...
) a ocupar aquela parcela de terreno, sendo que, em contrapartida, A... poderia pastorear o seu rebanho de ovelhas pelos dois prédios; todavia, tal autorização foi ocasional, sem qualquer intenção de venda ou troca de terrenos e apenas por um ano ou dois e, não obstante as promessas feitas pelo seu sócio gerente, a Ré ainda não procedeu à entrega do terreno e sem autorização dos seus proprietários construiu um muro e um portão de entrada a delimitar a área que ocupa ilegitimamente.
A Ré contestou, alegando, em suma, que é proprietária de um prédio contíguo e que, há mais de vinte anos, celebrou com o Sr. A... um acordo de permuta de parte dos seus terrenos, nos termos do desenho que juntou aos autos, assim alterando a configuração e limites dos prédios; na sequência desse acordo, entraram na posse dos terrenos, com as novas configurações, e logo colocaram postes de madeira e marcos em pedra com arame que passaram a servir de marco divisório dos prédios; a Ré passou então a utilizar esse terreno, de forma pública, pacífica e continuada, à vista de toda a gente e até ao momento (recente) em que os herdeiros de A... pediram a entrega do prédio com a anterior configuração, ignorando o acordo celebrado e ignorando que, a aceitar a bondade da sua pretensão, também ocupariam parte de um prédio da Ré que não se disponibilizam a devolver. Mais alega que a Autora já intentou acção idêntica contra O... e P... – que foi julgada improcedente – razão pela qual a Autora tem plena consciência dos factos ora alegados pela Ré, deduzindo pretensão cuja falta de fundamento não pode ignorar e litigando de má fé.
A Autora respondeu, impugnando os factos alegados pela Ré e reafirmando a posição assumida na petição inicial Foi proferido despacho saneador, onde se julgou improcedente a excepção de caso julgado que se considerou ter sido invocada pela Ré.
Foi elaborada a selecção da matéria de facto assente e base instrutória.
Após a realização da audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que, julgando a acção procedente, condenou a Ré: a) a reconhecer o direito de propriedade dos Autores B... e da Herança Indivisa e Ilíquida aberta por óbito de A..., representada pelos seus herdeiros B..., C..., D... e E... sobre o prédio rústico, composto por terra de cultura, sito em Defesa, com uma área total de 14.115 m2, inscrito na respectiva matriz predial rústica sob o artigo (...) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Figueira de Castelo Rodrigo sob o n.º (...)/151287; b) a restituir aos Autores B... e da Herança Indivisa e Ilíquida aberta por óbito de A..., representada pelos seus herdeiros B..., C..., D... e E... a parcela de terreno com uma área de aproximadamente 1.600m2 pertencente ao espaço físico do prédio rústico referido em a), por si ilegitimamente ocupada, devendo proceder à demolição dos muros de blocos e do portão de entrada, na justa medida do necessário, a suas expensas.
Inconformada com essa decisão, a Ré veio interpor o presente recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões: 1)- Atendendo aos elementos constantes dos autos (Base Instrutória, Resposta à Matéria de Facto, prova documental, prova testemunhal e prova pericial) justifica-se a alteração à matéria de facto apreendida em 7.), 9.) e 14.) da sentença revidenda, nos termos referidos e concretizados supra; 2)- No caso dos autos, crê-se que ficou suficientemente provado que entre o falecido A... e a ré foi efetuada uma troca de parte dos respetivos prédios rústicos, em consequência do que um e a outra passaram a utilizá-los em seu único e exclusivo proveito, nos termos e limites em que então acordaram.
3)- E daí que a ré tenha provado que a sua detenção (da parcela de terreno em causa nos presentes autos) é legítima e oponível aos autores.
4)- A sentença revidenda violou, entre outras, as normas dos arts. º 5º, Cód. Proc. Civil; 408º, 874º, 879º, alínea a), 939º, 1311º/ 1 e 2 e 1378º, alínea c), Cód. Civil.
Termos em que, e nos melhores de direito cujo suprimento antecipadamente se pede, deve a sentença revidenda ser substituída por outra que contemple tudo quanto vem de alegar-se, assim se fazendo Justiça.
A Autora apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões:
-
Atento aos elementos constantes dos autos desde a base Instrutória até à prova testemunhal não se justifica, seja a que titulo for, que seja feita uma alteração da matéria de facto referida em 7, 9 e 14 da sentença proferida e agora pedida pela Ré /Recorrente.
-
Nos presente autos não ficou minimamente provado que entre o falecido A... ou os seus legítimos herdeiros tivesse havido qualquer tipo de contrato, troca ou venda da parcela de terreno de 1.600 m2 aqui em causa do Artº (...)º à Ré /Recorrente.
-
Não poderá concluir-se pela existência de uma verdadeira troca de parcelas de terrenos, nem de qualquer tipo de troca de terrenos, uma vez que, nunca se verificou a utilização dessa parcela com “ânimus” de aquisição de propriedade por parte da Recorrente F..., Ldª.
Assim e perante o exposto, deverá o Recurso de Apelação ser julgado totalmente improcedente, por não provado e consequentemente, confirmar-se a decisão proferida pelo Tribunal “a quo”com todos os efeitos legais.
///// II.
Questões a apreciar: Atendendo às conclusões das alegações da Apelante – pelas quais se define o objecto e delimita o âmbito do recurso – são as seguintes as questões a apreciar e decidir: • Saber se deve ou não alterada a matéria de facto que está enunciada na sentença sob os nºs 7, 9 e 14; • Saber se, perante a matéria de facto provada, é possível concluir que entre a Ré e A... tenha sido celebrado um contrato de troca ou permuta relativamente às parcelas de terreno em causa nos autos e ao qual se deva aplicar, por analogia, o regime da compra e venda, com vista a saber se a Ré está ou não obrigada a restituir a faixa de terreno que vinha ocupando e que pertencia a um prédio dos Autores.
///// III.
Matéria de facto A Apelante começa por dirigir o seu recurso à matéria de facto e, mais concretamente, à que está enunciada na sentença sob os nºs 7, 9 e 14.
Analisemos, então, essa matéria.
A sentença recorrida enuncia sob o nº 7 o seguinte facto, que corresponde à resposta dada ao ponto 8º da Base Instrutória: O prédio referido em 6.) tem uma área total de 5.252 m2, com apenas 13 metros de largura a SW, a confrontar com caminho e 17 metros de largura, a confrontar com caminho a NW.
Sustenta a Apelante que apenas poderá ser considerado provado que o aludido prédio tem a área total de 5.252 m2, sendo que o demais não resulta de nenhum documento junto aos autos, não resulta do relatório pericial e do auto de inspecção judicial e também não existe nenhum depoimento do qual resulte esse facto.
Em primeiro lugar, não é verdade que esse facto não decorra de nenhum depoimento prestado. Com efeito, a generalidade das testemunhas confirmou a localização do...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO