Acórdão nº 692/11.5TBVNO.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 20 de Maio de 2014

Data20 Maio 2014
ÓrgãoCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 2ª secção do Tribunal da Relação de Coimbra I. Relatório A Diocese de A... e a Pia União das B..., vêm intentar a presente ação declarativa, com processo comum e forma ordinária, contra a Fundação do C..., pedindo: - que seja declarada nula ou ineficaz a credencial de 18-10-2005 e, em consequência, a nulidade da procuração da Superiora Geral conferida com base nessa credencial; - que seja declarada nula a escritura pública outorgada em 22-06-2006, que instituiu a R. e que lhe afetou os prédios que descrevem; - que seja declarada a nulidade dos atos de registo efetuados com base em tal escritura.

Alegam, em síntese, para fundamentar tais pedidos que a 2.ª A., sendo uma pessoa jurídica ereta canonicamente pelo Bispo de A... e prosseguindo fins religiosos, é uma associação pública de fiéis; que os seus bens – de que fazem parte os prédios que identificou no artigo 44.º da petição inicial – constituem bens eclesiásticos, cuja alienação, transmissão, oneração ou afetação para outros fins que não os religiosos, carecem de autorização da entidade competente, no caso o Bispo de A...; a 2.ª A., representada pela sua Superiora Geral, munida de uma credencial, outorgou procuração notarial a favor de P (…), seu sobrinho, conferindo-lhe poderes para a constituição de uma fundação de natureza social, com fins meramente civis, bem como poderes para administrar e alienar bens; no uso dessa procuração, P (…) em representação da 2.ª A., outorgou escritura pública em que instituiu uma fundação de solidariedade social que denominou de «Fundação do C...” (a ré), à qual afetou todo o património eclesiástico da 2.ª autora, afetação essa a que foi atribuído o valor global de 285.588,81€; tal afetação de património, para ser válida, carecia da audição e parecer vinculativo do Conselho para os Assuntos Económicos e do Colégio dos Consultores, bem como de autorização da entidade competente, no caso o Bispo de A...; a credencial emitida pelo Bispo de A... não foi precedida da audição e parecer do Conselho para os Assuntos Económicos e do Colégio dos Consultores, pelo que se encontra ferida de nulidade; a nulidade da credencial fere de nulidade ou ineficácia os atos subsequentes praticados com base nela, nomeadamente a procuração acima mencionada; por outro lado, não podem ser transmitidos bens eclesiásticos “se não se tratar de coisa de somenos importância” aos próprios administradores ou aos seus parentes até ao quarto grau de consanguinidade, sem licença especial da autoridade eclesiástica competente, dada por escrito.

Citada, a R. deduziu contestação, onde, além do mais, suscita a ilegitimidade da 1.ª A., por não colher qualquer utilidade da procedência da ação, já que a única beneficiária da anulação dos atos impugnados seria a 2.ª A., a cujo património regressariam os bens objeto de afetação à R.; invoca a irregularidade da representação da 2.ª A., sustentando que, tendo esta a natureza de associação privada de fiéis, representada exclusivamente pela sua Superiora, não tem o Bispo legitimidade para a designação de comissários para a representar (poder conferido apenas relativamente às associações públicas de fiéis); por impugnação, alega, em síntese, a natureza privada dos bens em causa, não carecendo a 2.ª A. de qualquer autorização para a instituição da R. ou para a afetação de bens à mesma e, bem assim, a inexistência de qualquer óbice à prática dos atos referidos e a legitimidade da Superiora da 2.ª A., sua única representante, para praticar os referidos atos, que não padecem de qualquer invalidade; alega que a omissão de formalidades no procedimento de autorização constituiria mera anulabilidade e que se mostra decorrido o prazo para a suscitar.

As AA. responderam, pugnando pela improcedência das exceções de ilegitimidade e de irregularidade de representação invocadas pela R., fundando-se no entendimento propugnado na petição inicial – de que a 2.ª A. é uma associação pública de fiéis. Por outro lado, alegam que os vícios invocados como fundamento do pedido não configuram uma mera anulabilidade, pelo que não estão sujeitos a prazo de caducidade e que, mesmo que assim fosse, tal prazo ainda não se começou a contar.

Realizou-se tentativa de conciliação, no âmbito da qual não se logrou obter o acordo das partes quanto à resolução do litígio.

Foi entendido que os autos dispunham de todos os elementos necessários ao conhecimento do mérito da causa, sem necessidade de produção de outras provas, tendo sido decidido conhecer do pedido e não das excepções de ilegitimidade da 1ª A. e irregularidade de representação da 2ª R., atento o disposto no artº 288 nº 3 “in fine” do C.P.C., por ser a R. a beneficiada com a procedência de tais excepções e sendo a decisão de mérito a proferir favorável à mesma.

Foi proferida sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo a R. dos pedidos contra ela formulados nestes autos.

É com esta decisão que as AA. não se conformam e dela vêm interpor recurso, pedindo a sua revogação, apresentando, para o efeito, as seguintes conclusões, sintetizadas, após convite deste Tribunal: 1. Como fundamento de facto para a decisão recorrida o Mmo. Senhor Juiz a quo especificou apenas que a Pia União é uma associação privada de fiéis “ …porque votada a piedade, oração e prática de actos de caridade.” E que não lhe é aplicável os cânones 1257, 1 e 2, 1277 e 1292.

  1. E nessa medida a “Pia União é livre de administrar os bens que possui, respeitados os respetivos estatutos, bens esses que não são eclesiásticos e, portanto, para que a sua transmissão seja válida, não se exige a autorização da autoridade eclesiástica”.

  2. A esse respeito o Mmo Juiz a quo louvou-se nos acórdãos de 17/05/2011 proferidos no âmbito dos processos nº 2047/08.0 TBPDL-D-C1 e de 22/02/2011 no processo nº 332/09.2 TBPDLL1.S1, ambos proferidos no âmbito de procedimentos cautelares e, por isso, não relevando caso como julgado sequer para os processos de que são incidente, também não relevam em nada para os presentes autos, apenas a ilustração do que foi o entendimento neles vertido.

    4. Além de que já foram proferidos Acórdãos pelos Tribunais da Relação de Coimbra e de Lisboa, bem como decisões e sentenças em primeira instancia nos diversos processos em que as mesmas têm vindo ser suscitadas.

    5. Salvo o devido respeito tal decisão padece de nulidade por falta de fundamentação e mesmo quando assim se não entenda sempre enfermaria de nulidade por a decisão estar em oposição com os fundamentos, nos termos do disposto no artigo 615º nº 1 alíneas b) e c) do CPC.

    6. Esta falta de fundamentação de facto decorre da circunstância de a apreciação e decisão sobre a natureza canónico-jurídica de uma associação de fiéis como pública ou privada, por força da aplicação das relevantes normas do CDC, terá necessariamente de ser feita mediante a averiguação de critérios cumulativos relativos à sua génese, fins prosseguidos, vivência das associadas e autonomia.

    7. O fundamento de facto invocado para a decisão de qualificação da Pia União como associação privada de fiéis releva apenas no que toca aos fins prosseguidos pela Pia União, não se invocando qualquer outro fundamento de facto por onde se pudesse apreciar a natureza jurídico-canónica daquela associação à luz dos restantes critérios distintivos absolutamente essenciais à decisão.

    8. Sendo certo que ainda assim até mesmo aquele fundamento de facto é insuficiente para o critério dos fins prosseguidos, porquanto mesmo à luz deste critério seria necessário averiguar mais factos relacionados com a identidade dos fins prosseguidos pela Pia União com os fins religiosos prosseguidos pela Igreja Católica.

    9. Até mesmo esse fundamento de facto invocado pela decisão, imporia necessariamente decisão oposta daí decorrendo que o fundamento da decisão está em oposição com a decisão proferida relativamente à qualificação da Pia União como associação privada de fiéis nos termos do actual CDC.

    10. Ora o que constata do fundamento invocado pelo Mmo Juiz a quo é que os fins prosseguidos pela Pia União são essencialmente religiosos, porquanto as suas associadas se votam à piedade, oração e prática de caridade, sendo os mesmos substancialmente idênticos aos fins religiosos prosseguidos pela Igreja Católica no âmbito da qual a associação existe.

    11. Identificando-se, pelos fins prosseguidos, com os da Igreja Católica, impunha-se a caracterização da Pia União como associação pública de fiéis.

    12. Por isso e salvo o devido respeito, tendo-se considerado na decisão recorrida que a Pia União é uma associação privada de fiéis, essa decisão não está devidamente fundamentada e está em contradição com os fundamentos invocados, devendo em consequência ser julgada nula por força do disposto no artigo 615º nº 1 alíneas b) e c) do CPC.

    13. Para que fosse legítima a decisão ora colocada em crise era imperioso ao Tribunal a quo averiguar com produção de prova sobre o modo como foi ereta a dita associação de fiéis e, principalmente sobre os fins por ela prosseguidos.

    14. O que importava, entre o mais, averiguar na instrução do processo, fosse por ulterior prova documental necessária, fosse por auxílio de prova pericial de peritos em direito canónico, fosse por prova testemunhal, as circunstancias e as motivações que levaram à ereção por decreto bispal daquela associação de fiéis e bem assim quais as circunstancias de vida e atividade prosseguidas pelas associadas, nomeadamente se vida religiosa, e se atividade que se integra nos mesmos fins públicos da Igreja Universal com ela se confundindo.

    15. Mas para tanto também se impunha averiguar, à luz de um outro critério distintivo que é o da autonomia, o qual nem sequer foi ao de leve abordado na douta sentença, qual a forma como, ao longo do tempo e mesmo após a entrada em vigor do atual CDC, a Pia União se relacionou com a autoridade eclesiástica no que toca à sua administração, à eleição dos seus órgãos representativos e no que ainda à alienação dos seus bens.

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