Acórdão nº 6139/12.2YYPRT-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 20 de Maio de 2014

Magistrado ResponsávelMARIA DOMINGAS SIMÕES
Data da Resolução20 de Maio de 2014
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)
  1. Relatório A..., instituição financeira de crédito, SA, com sede na Av.ª (...), no Porto, instaurou acção executiva comum, para cobrança da quantia de € 412 372,54 (quatrocentos e doze mil, trezentos e setenta e dois euros e cinquenta e quatro cêntimos), respeitando € 403 355,07 a dívida de capital e o restante a juros vencidos liquidados até 28/6/2002 e ainda os vincendos, contra B...., residente na Praça (...), em Coimbra, e C...., residente em (...), Lousã, dando à execução uma livrança.

Alegou, em síntese, no requerimento executivo, que no exercício da sua actividade comercial celebrou com a sociedade “D..., Lda” um contrato de factoring, nos termos do qual adquiriu a esta determinados créditos sobre os seus devedores, tendo procedido, a sua solicitação, a adiantamentos sobre os créditos que lhe eram cedidos.

Como forma de garantir o cumprimento de todas as obrigações decorrentes do contrato celebrado, os executados avalizaram uma livrança subscrita pela sociedade “ D..., Lda”, cujo preenchimento autorizaram fosse feito pela exequente até ao limite de 1.650.000,00 €, podendo fixar-lhe o vencimento e montante no caso do referido contrato não ser pontualmente cumprido em todas as suas cláusulas.

Tendo a sociedade avalizada incumprido as obrigações emergentes do contrato de factoring, cedendo à exequente créditos inexistentes ou inexigíveis e desta tendo recebido os acordados adiantamentos, montantes que não restituiu, procedeu a exequente ao preenchimento da livrança em seu poder pelo montante de € 403 355,07 em dívida, apôs na mesma como data de vencimento 29.06.2012, e interpelou os avalistas para procederem ao pagamento daquele valor, o que estes não fizeram, nem no prazo que lhes foi concedido, nem posteriormente, o que justifica a instauração da presente execução.

* Citados os executados, deduziu extensa oposição o executado C... e nela tendo impugnado, por desconhecimento, a cessão de créditos invocada pela exequente e os adiantamentos alegadamente efectuados à sociedade executada, ainda a aceitá-los como verdadeiros sempre a execução teria de ser extinta quanto a si, por a tal conduzirem os seguintes fundamentos: - foi sócio e fundador da sociedade comercial por quotas D..., Lda., tendo renunciado à gerência em 8/10/2010, sendo certo que até então sempre foi o sócio B... quem, de forma exclusiva, exerceu a gerência; - subscreveu o contrato de factoring celebrado com a exequente na qualidade de gerente de direito e na convicção de que a sua celebração era necessária, tal como lho referira o seu identificado sócio, no qual confiava plenamente, confiança que igualmente determinou que subscrevesse a livrança junta aos autos e o contrato de preenchimento que a acompanhava; - a livrança ora dada à execução ficou a fazer parte integrante do contrato de factoring, constituindo com o documento que titula e fixa os termos e condições em que a mesma foi subscrita, um único documento; - a garantia pessoal assim prestada é nula, por indeterminada e indeterminável, não podendo produzir quaisquer efeitos em relação ao oponente e acarretando a nulidade do aval prestado, nos termos do art.º 280.º do CC; - todavia, ainda a admitir como mera hipótese que a caução abrange as obrigações contratuais da garantia e que é válida, ela não abrange seguramente as obrigações decorrentes da prática de actos criminalmente puníveis, como ocorre no caso dos autos; - com efeito, sem o conhecimento do ora oponente, e numa altura em que já havia renunciado à gerência, o sócio gerente e também executado B... fabricou as facturas identificadas no extracto de conta e, bem assim, as respectivas propostas de cessão de crédito que remeteu à exequente, recebendo as quantias correspondentes, delas se apropriando, assim se constituindo autor dos crimes de burla e falsificação, condutas a que o oponente é completamente alheio; - a exequente também não cumpriu o contrato, infringindo o dever de vigilância e análise do risco de cada um dos devedores, o que deve ser lido como risco de cada um dos créditos, como impunha a al. d) do n.º 1 do art.º 1.º do contrato celebrado, tal como não cumpriu a obrigação decorrente do art.º 5.º, que lhe impunha que notificasse os devedores das referidas facturas, sob registo e com a/r, da cedência dos aludidos créditos, assim facilitando decisivamente a prática pelo co-executado dos factos descritos que conduziram ao alegado adiantamento, colocando o opoente numa injusta posição de garante, excessivamente onerosa e inexigível; - a eventual obrigação de restituir/pagar a cargo da sociedade não emerge assim do contrato de factoring, mas antes da conduta criminosa do seu único gerente, do que decorre não ser o oponente responsável pelo respectivo pagamento, uma vez que só garantiu o cumprimento das obrigações assumidas pela sociedade no contrato e deste emergentes; - consequência do que vem de se expor, porque a livrança avalizada pelo oponente só podia ser preenchida em relação ao incumprimento das obrigações da sociedade avalizada emergentes do contrato, e não de quaisquer outras, verifica-se o seu preenchimento abusivo, não constituindo a mesma, quanto a si, título executivo; - acresce que a livrança dada à execução, só por si, não é título executivo bastante, impondo-se que tivessem sido juntos o contrato de factoring e, bem assim, as facturas e propostas de cessão de créditos invocados pela exequente, emitidos/produzidos ao abrigo do contrato de factoring, ainda que alegasse e provasse a aceitação da propostas e os adiantamentos efectivamente efectuados; - face à invalidade do documento caução e da livrança, a presente execução carece de título executivo, não podendo, por via dela, ser exigido ao opoente o pagamento da quantia peticionada.

Com tais fundamentos concluiu pela procedência da oposição e consequente extinção da execução quanto a si.

* Notificada, contestou a exequente e, tendo feito notar que o oponente não contestara nem impugnara o contrato de factoring celebrado e, bem assim, não contestara nem impugnara a subscrição da livrança dada à execução, nem tão pouco a letra ou assinatura do pacto de preenchimento da mesma, não questionando o incumprimento do contrato ou sequer o montante da dívida, sublinhando ainda que as propostas de cessão que acompanhavam as facturas emitidas pela sociedade sua representada se mostram pelo oponente assinadas, concluiu pela imediata improcedência da oposição.

Alegando ter o oponente deduzido em juízo oposição cuja falta de fundamento não podia ignorar, pediu ainda a condenação daquele como litigante de má fé em multa e indemnização a seu favor, a fixar em valor não inferior a € 20 000,00.

Cautelarmente, procedeu à junção das propostas de cessão de créditos e facturas que a acompanhavam, as quais deram origem aos adiantamentos entregues e ora reclamados.

O oponente pronunciou-se sobre a requerida litigância de má fé, imputação que refutou, tendo ainda arguido de falsas as assinaturas a si atribuídas e que constam das propostas de cessão e das cartas que identifica.

Na oportunidade, requereu a inquirição de testemunhas e a realização de exame pericial à letra e assinaturas com os dizeres C... e C... apostos nos aludidos documentos.

* Teve lugar audiência preliminar tendo em vista a possível conciliação das partes, tentativa que se frustrou, aí tendo sido facultada a oponente e oponida a discussão da causa, atenta a possibilidade, já anunciada, do conhecimento do respectivo mérito na fase do saneador (cf. fls. 206/207 dos autos).

Foi de seguida proferido douto saneador-sentença que, na total improcedência da oposição, determinou o prosseguimento da execução.

Irresignado, o oponente apelou da decisão e, tendo argumentado quanto consta das extensas alegações, rematou-as com 81 conclusões, que se transcrevem: “1.ª- Dão-se como reproduzidos o douto requerimento executivo, os documentos que o acompanham, a oposição à execução deduzida, os documentos que esta acompanharam e a douta sentença recorrida.

  1. - A execução foi instaurada com base em título executivo denominado pela exequente como livrança, que é o junto aos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida.

  2. - Mostra-se, tal como foi junto com o douto requerimento executivo, preenchido com a importância de 403.355,07€, com local de emissão no Porto, com data de emissão de 20/06/2012, com data de vencimento de 29/06/2012, com o valor preenchido como transacção comercial, a seguir ao qual, depois de riscada a expressão no seu vencimento pagarão V.Exªs por esta única via de letra, se encontra preenchido “no seu vencimento pagarei (emos) por esta única via de letra, aliás livrança à A..., S.A e quantia de Quatrocentos e três mil trezentos cinquenta e cinco euros e sete cêntimos” 4.ª- Segue-se o local com a menção assinatura do sacador, no qual se encontra identificado como sacador a sociedade D..., Ldª, seguida das assinaturas dos seus gerentes sob e imediatamente a seguir ao carimbo da gerência daquela mesma sociedade.

  3. - No local destinado ao nome e morada do sacado mais uma vez se encontra escrito D..., Ldª seguido da sede e no local destinado ao nome e morada e carimbo do sacador, encontra-se um mero carimbo da A... (a exequente), sem qualquer assinatura, e o seu número de contribuinte e finalmente no número de contribuinte do sacado encontra-se inscrito o número de contribuinte da sociedade D..., Ldª (...).

  4. - Quer a exequente, quer a douta sentença qualificaram este documento como uma livrança.

  5. - E o certo é que, também a sociedade D..., Ldª, por carta de 03/12/2008 junta aos autos, que aqui se dá por reproduzida, enviou à exequente o referido documento que designou, como da mesma carta, consta, por livrança, completamente em branco, apenas com as assinaturas dos gerentes da D..., Ldª no local destinado a “assinatura do sacador” e no verso, a seguir à expressão “Bom para aval”, com as assinaturas de B... e do executado, ora recorrente, C...

  6. - Nada mais se encontrando preenchido no...

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