Acórdão nº 4054/11.6TJCBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 13 de Maio de 2014
Magistrado Responsável | BARATEIRO MARTINS |
Data da Resolução | 13 de Maio de 2014 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra: I – Relatório A... e esposa B..., residentes na Rua (...), Coimbra, intentaram a presente acção declarativa, com a forma sumária (agora, forma única) do processo comum, contra o Condomínio do prédio sito na Rua C..., Coimbra (representado pela administradora D...), E... solteiro, maior, D..., divorciada, F...e G...e esposa H...
, todos residentes na Rua (...), Coimbra, pedindo que: 1) Sejam os réus condenados a reconhecer que os autores são os legítimos proprietários e possuidores do prédio urbano descrito no art. 1.º da p.i.; 2) Seja declarada extinta, por desnecessidade, a servidão de passagem de pé antes identificada, nomeadamente no art. 16.º da p.i., constituída por usucapião sobre o referido prédio urbano propriedade dos autores a favor do prédio identificado em 2 e 3 da p.i.; 3) Sejam os réus condenados a reconhecer que têm possibilidade de acesso igualmente cómodo para as fracções autónomas e logradouro comum do prédio identificado nos art.. 2 e 3, da p.i., através da entrada/porta localizada na fachada principal do mesmo, localizada a norte junto à via pública; 4) sejam os réus condenados a reconhecer que o exercício da servidão de passagem a pé sobre o prédio dos autores tem inconvenientes para o prédio destes e que a extinção traz vantagens para o mesmo prédio; e 5) absterem-se de passar pelo prédio dos autores.
Alegaram para tal, em síntese, que por sentença homologatória de transacção de 28/03/2008, transitada em julgado, proferida em processo anteriormente havido entre as partes, foi reconhecida, sobre o prédio dos AA. e a favor do prédio dos RR., a existência duma servidão de passagem a pé corporizada numa faixa de terreno com o comprimento de 12 m e a largura de 2,10 m no topo sul dessa faixa e de 3,15 m. no seu topo norte; servidão essa que, segundo razões aduzidas pelo AA. e em termos conclusivos, não é necessária, uma vez que o prédio dos RR. confina directamente e em excelentes condições de utilização, a norte, com a via pública, junto à qual se localiza o acesso principal ao prédio dos RR..
Os RR. contestaram, invocando, no essencial, que as circunstâncias que conduziram à realização da transacção em 2008 e ao reconhecimento da servidão de passagem se mantêm, não tendo ocorrido qualquer facto superveniente a justificar a pretendida extinção da serventia[1].
Concluem pois pela improcedência da acção.
Foi proferido despacho saneador – em que foi declarada a total regularidade da instância, estado em que se mantém – organizada a matéria factual com interesse para a decisão da causa e instruído o processo.
Após o que, realizada a audiência, a Exma. Juíza proferiu sentença, em que julgou totalmente procedente a acção.
Inconformados com tal decisão, interpõem os RR. recurso de apelação, visando a sua revogação e a sua substituição por decisão que não declare extinta, por desnecessidade, a servidão.
Terminam a sua alegação com as seguintes conclusões: 1. Em causa está uma servidão de passagem, entre o prédio dominante dos Réus/apelantes e o prédio serviente dos Autores.
-
Servidão essa alvo de acção judicial, que correu termos no 3º Juízo Cível de Coimbra sob o n.º 3254/07.8TJCBR, onde os ora Réus eram ali Autores e pretendiam ver a mesma reconhecida e constituída por usucapião.
-
Acontece que o referido processo findou com acordo entre as partes, homologado pelo juiz.
-
É entendimento consensual que a transacção judicial tem a mesma força que uma sentença judicial, residindo a diferença no disposto na mesma, que, naquela situação, reflecte a vontade das partes, sem interferência exterior.
-
Por conseguinte, as servidões constituídas por acordo gozam de natureza peculiar que advém desta forma de constituição, o que se reflecte na sua forma de extinção.
-
Deste modo, não podem as servidões constituídas por acordo ser extintas por desnecessidade.
-
Ainda que assim não se entenda, a desnecessidade não se verifica in casu.
-
A servidão em causa é a forma de acesso, às fracções e ao logradouro do prédio a que aquelas pertence, mais rápida, cómoda, útil e vantajosa, sendo de uso reiterado à vista de todos.
-
Não obstante a existência de outra forma de acesso ao referido logradouro, que sempre existiu, conhecida à data da transacção, o certo é que a servidão é a via mais fácil, cómoda, objectivamente mais prática, menos penosa.
-
É por ali que os condóminos habitualmente acedem às suas fracções, bem como as suas visitas e até o padeiro.
-
É também por ali que descarregam material de construção, quando necessitam fazer obras nas suas habitações.
-
É ainda ali que armazenem e arrumam mobílias de maior porte, mercadorias e outros bens insusceptíveis de armazenar nas suas fracções, quer por questões de espaço, quer de facilidade e arrumação.
-
É ali que se encontram lavadouros e estendais de roupa, necessários e essenciais à vida doméstica.
-
Lançando mão do princípio da proporcionalidade, não se vislumbra qualquer alteração fáctica entre a presente actualidade e a data de celebração da transacção judicial, muito menos com relevo significativo que implique a desnecessidade da servidão de passagem.
-
A referida servidão não representa qualquer prejuízo, desvantagem ou incómodo para os Autores.
-
A prova pericial revelou sem margem para questões que o trajecto a realizar através da servidão é o mais curto e com menor número de obstáculos.
-
Os depoimentos colhidos em sede de audiência são unânimes no que toca ao uso constante da servidão e suas vantagens objectivas.
-
Face à prova produzida, tudo apontaria para uma decisão em diferente direcção à escolhida, mais, com o devido respeito, adequada às exigências da situação em mãos.
-
Desta forma, deve a acção ser julgada improcedente por não provada (…) Os AA. responderam, defendendo a manutenção do decidido.
Terminam a sua alegação com as seguintes conclusões: 1 – A servidão em causa nos presentes autos não foi constituída por acordo/transação, mas sim constituída por usucapião e reconhecida posteriormente no âmbito do processo n.º 3254/07.8TJCBR., que correu termos no 3.º juízo cível de Coimbra, por via de transação homologada em sentença, conforme resulta dos próprios termos da transação – “Autor e réus reconhecem que, sobre o prédio identificado na alínea B) dos Factos Assentes está constituída… uma servidão de passagem….” – e conforme é reconhecido pelos próprios apelantes nas suas alegações – “Não obstante a mesma ter sido inicialmente constituída por usucapião…Dúvidas não há que a servidão foi reconhecida pelas partes”! 2 – No presente caso entre as partes foi reconhecida a existência de uma servidão de passagem, cuja constituição se deveu ao reconhecimento (entre as partes) da ocorrência de atos de posse, alegados na providência cautelar, na causa de pedir e no pedido no âmbito do respetivo processo, atos esses mantidos ao longo dos tempos e representativos do exercício desse direito de passagem – trata-se do reconhecimento da existência de uma servidão voluntária de passagem, adquirida por usucapião, nos termos dos artigos 1287.º, 1543.º; 1544.º, 1547.º, 1548.º à contrário e 1550.º, à contrário, todos do Código Civil.
3 – Assim sendo e nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 1569.º do C.C., a servidão em causa nos presentes autos, constituída por usucapião, podia ser judicialmente declarada extinta, como foi, desde que se mostrasse, como se mostrou, desnecessária ao prédio dominante.
4 – Apesar de, normalmente, a situação jurídica de desnecessidade resultar duma alteração das circunstâncias do prédio dominante, nada impede que essa situação já ocorresse no momento da constituição da servidão por usucapião, e nada justifica que, nesses casos, o proprietário do prédio serviente não possa requerer a extinção de um encargo para o seu prédio que não tem justificação2.
5 – Efetivamente, o próprio texto do 1569.º, n.º 2 do Código Civil ao utilizar a expressão se “mostrem” desnecessárias, em vez de se “tornem” desnecessárias, confirma que a desnecessidade da servidão pode e deve ser avaliada e sopesada quer seja originária quer seja superveniente à luz da realidade objetiva actual.
6 – Para que o tribunal a quo pudesse julgar não preenchido o requisito da desnecessidade da servidão deveriam os apelantes ter impugnado a decisão relativa à matéria de facto, mais concretamente a matéria de facto contida nos transcritos pontos 49 e 50, tudo nos termos do artigo 640.º do C.P.C.
7 – Ao não impugnarem a matéria de facto contida nos referidos pontos 49 e 50 da matéria assente, os ora apelantes aceitaram que a acessibilidade às frações e ao logradouro pela porta principal tem as mesmas ou melhores condições do que pela serventia e que acedem por esta apenas por hábito ou por gosto, não podendo, agora, pretender que o tribunal ad quem julgue necessária a servidão de passagem em causa nos presentes autos.
8 – A desnecessidade de uma servidão corresponde a uma falta de justificação objetiva para a manutenção de um encargo para o prédio serviente, atenta a inutilidade ou escassa utilidade que a existência da servidão representa para o prédio dominante; 9 – A presente servidão não possui qualquer utilidade para os ora apelantes, porquanto: Podem aceder às suas habitações e ao respetivo logradouro através da porta principal em condições iguais ou ainda melhores do que pela serventia, sendo certo que a porta principal e as portas da frente e traseiras das habitações, que dão acesso ao logradouro, são mais largas do que a serventia que tem um “s” de 90 graus (sendo muito mais simples acederem ao tal logradouro pela porta das traseiras do que dar toda a volta apenas para irem pela serventia no caso de estarem dentro das suas habitações); As portas viradas a sul das quatro frações autónomas propriedades dos 2.º, 3.º, 4.º e 5.º réus permitem a entrada e saída, de forma cómoda, de quaisquer objetos ou materiais, mesmo dos mais volumosos e em melhores condições funcionais e de manobra do que a porta...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO