Acórdão nº 6283/09.3TBLRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 17 de Abril de 2012

Data17 Abril 2012
ÓrgãoCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:*I. RELATÓRIO A (…) e M (…), com os sinais identificativos constantes dos autos, instauraram acção declarativa de condenação com processo ordinário contra L (…) nela melhor identificado, pela qual pediram que o Réu fosse condenado a pagar-lhes quantia pecuniária destinada ao ressarcimento de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros a contar desde a citação até integral pagamento.

Alegaram, para o efeito, que: Outorgaram uma procuração forense a favor do Réu; deram indicação ao Demandado no sentido de que fosse intentada acção judicial visando a resolução de contrato-promessa, com fundamento em incumprimento imputável à promitente-compradora; por diversas vezes, o Autor marido contactou o escritório do Réu para se inteirar do andamento do processo; a resposta, por parte do Demandado, era que estava tudo a andar, mas os tribunais tinham muito trabalho e, portanto, tudo se processava com alguma lentidão; durante muitos meses, mesmo anos, a resposta por parte do Réu foi sempre a de que o processo já tinha entrado em Tribunal e que os Autores tinham que aguardar pelo desenrolar do mesmo; tiveram ofertas de compra para o estabelecimento mas nunca puderam vender porque o Réu lhes dizia estar pendente uma acção em Tribunal; nunca o Demandado forneceu ao Autor o número do processo; durante o ano de 2002, o Demandante dirigiu-se ao Tribunal para consultar o processo e foi surpreendido com a informação de que em seu nome e da sua mulher nenhuma acção havia sido intentada naquele Tribunal; no mesmo dia, dirigiu-se ao escritório do Réu para saber o que, de facto, se estava a passar e obteve, da parte do mesmo, a resposta: «falhei, acontece, foi um lapso»; porém, o Réu não se prontificou a reparar os danos causados; com o passar dos dias, os Autores começaram a sentir-se muito angustiados e deprimidos; tiveram que recorrer a acompanhamento médico para conseguirem superar essa fase difícil; passaram a tomar diariamente anti-depressivos e outros medicamentos similares; apresentaram queixa do Réu no Conselho Distrital da Ordem dos Advogados de Coimbra que concluiu que o Demandado revelou falta de zelo no tratamento da questão que lhe foi confiada, negligenciando assim os mais elementares deveres deontológicos que lhe eram impostos nas relações com o cliente; o Réu nunca se disponibilizou a accionar o seguro de responsabilidade profissional; deixaram de vender a loja a outras pessoas nela interessadas; tiveram essa loja encerrada por um período superior a 4 anos, situação em que ainda continua; foram forçados a recorrer a um empréstimo no valor de € 27.000,00, para fazer face aos encargos bancários com a aquisição da aludida loja.

O Réu contestou pedindo que fossem consideradas procedentes as excepções que considerou ter aí deduzido ou declarada a sua absolvição do pedido. Invocou a prescrição do direito a indemnização e alegou que: Com a omissão apontada, os Autores não perderam qualquer direito sobre o imóvel ou sobre a promitente compradora do imóvel, mantendo-se intocados, pelo menos até Janeiro de 2003, todos os direitos que eventualmente lhes assistissem; nunca existiu ou existiria qualquer obrigação de resultado por parte do Réu; não existia estabelecimento, nem incumbência quanto a estabelecimento; a obrigação de pagar o preço de uma compra e dos respectivos encargos bancários (sejam eles quais forem) é sempre, apenas e só, do comprador, sendo essa obrigação intransmissível sem cessão de posição contratual e de propriedade; a venda da fracção autónoma era possível mesmo sem a respectiva posse; não se verificou, nem sequer foi invocada, objectivamente, perda do interesse na prestação; não se pode falar em incumprimento do Réu porque não foi fixado pelos Autores um prazo razoável para que o Réu cumprisse a sua prestação; foi o Autor quem rescindiu, tacitamente, mas por vontade própria, o mandato.

Os Autores responderam a este articulado concluindo pela improcedência da excepção de prescrição.

Foi realizada a instrução, discussão e julgamento da causa, tendo sido proferida sentença que conteve a seguinte parte dispositiva: «Em face do exposto e sem outras considerações, julgo a acção parcialmente procedente e consequentemente, condeno o réu a pagar aos autores a quantia de € 8.000,00 (oito mil euros) a título de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos, acrescidos de juros de mora à taxa legal de 4% desde a presente data até efectivo e integral pagamento.» É desta sentença que vem este presente recurso interposto pelo Réu, que formulou as conclusões que se transcrevem: «Nem o estado de ilusão nem terem os AA. concluído que andaram iludidos constituem, nos termos do direito vigente, qualquer dano que haja que ressarcir.

No máximo a ilusão pode ser geradora de dano, nunca ser um dano em si mesma, e uma “conclusão”, que é um mero raciocínio, nem a gerador de dano chega.

Uma vez que ilusões e conclusões nada retiram e em nada afectam os AA. na respectiva saúde, bem-estar, honra, bom nome ou qualquer outro bem jurídico atendível, causando-lhes simultaneamente manifestações externas de privação ou afectação desses bens jurídicos.

Provada só a ilusão e a conclusão não ficou provado qualquer dano.

Assim, o Tribunal “a quo” confundiu factos potencialmente geradores de danos com danos e raciocínios com danos, com o que acabou por efectuar uma errada interpretação do artº 496º do Código Civil.

Devendo consequentemente a decisão em crise ser revogada e absolvido o R. A partir do facto provado “os autores andaram deprimidos porque a situação referente ao contrato-promessa não se resolvia” foi considerado/fundamentado em sentença que os AA. “concluíram que andaram iludidos com as informações erróneas que lhes eram prestadas por alguém em quem tinham confiado para solucionar o seu caso” e proferida condenação.

Mas essa consideração/fundamentação que constitui na verdade o único suporte da decisão proferida é, em bom rigor, uma extrapolação dos factos provados.

Ainda para mais quando os factos a provar na base instrutória estavam balizados no tempo, estavam associados à conduta do R., decorriam exclusivamente da conduta do R. e eram descritos como de manifestação externa evidente E os factos que vieram a ser provados o foram sem qualquer baliza temporal, sem qualquer ligação à conduta do A. e sem manifestações externas evidentes ou apreciáveis conforme resulta da resposta à matéria de facto produzida pelo Tribunal “a quo”.

Por isso, e tendo em conta que não se sabe quando é que os RR. começaram a andar deprimidos, não se sabe se começaram a andar deprimidos em momento imediatamente seguinte ao incumprimento do contrato promessa, se em momento posterior, nem qual foi esse momento posterior, nomeadamente não se sabe se antes se depois dos factos trazidos a juízo.

Tendo ainda em conta que se trata de matéria essencial nos autos, pois estão em causa a existência e a origem dos danos Só pode concluir-se que a sentença em crise enferma de erro de julgamento e errada apreciação da prova, consubstanciado numa decisão não suportada pelos factos efectivamente provados mas apenas numa extrapolação a partir de factos provados, a que se seguiu a aplicação de regras jurídicas sem suporte factual que permitisse legitimamente dar por preenchida a previsão das normas aplicadas.

Como é sabido, relativamente à matéria de facto, está vedado ao Tribunal confundir ou extrapolar factos a partir dos que efectivamente estão dados como provados E a livre apreciação da prova produzida por testemunhas cessa no término da audiência de discussão e julgamento, e cristaliza-se no despacho a que alude o artº 653º nº 2 do CPC.

Razão pela qual a sentença em crise violou o disposto no artº 655º do CPC e deu erradamente por preenchida a previsão dos artº 496º e 562º do CC devendo por isso ser revogada e substituída por Acórdão que absolva o R.

Improcedendo o supra referido, e a vir a decidir-se em Acórdão terem sido provados danos, afirma-se que a prova produzida e cristalizada em despacho sobre a matéria de facto (“provado apenas que o autor e mulher andaram deprimidos porque a situação referente ao contrato promessa referido em B) não se resolvia) não permite sequer saber a data em que se iniciaram tais danos.

Nomeadamente se os AA. começaram a andar deprimidos em momento imediatamente seguinte ao incumprimento do contrato promessa pela promitente compradora, se em momento posterior a esse incumprimento, nem qual foi esse momento posterior.

Falta, em bom rigor e por referência à conduta do R., prova suficiente para imputar o dano à conduta do R. e até mesmo para afirmar a ligação causa/efeito facto ilícito/dano, essencial a qualquer condenação em sede de responsabilidade civil.

Falta inclusivamente a ligação temporal entre a conduta do R. e o surgimento dos danos pois para haver essa ligação teria que ter sido provado que o dano era contemporâneo ou posterior aos factos ilícitos apontados quando na verdade até se mostra indiciado que o dano é anterior a esses factos e contemporâneo ou imediatamente posterior à não conclusão do contrato prometido.

Pelo exposto não está provado o nexo causal razão pela qual resultaram violados os artºs 659º do CPC e 563º do CC., o que mais uma vez impõe a absolvição do R.

Ao afirmar-se na fundamentação que o pretendido pelos autores se traduz numa indemnização pela violação da sua expectativa em responsabilizar a promitente compradora está-se a aceitar, na sentença em crise, que era exigida ao R. uma obrigação de resultado.

Pois só com o ganho de acção, e de nenhuma outra maneira, se “responsabilizaria” a promitente compradora e se satisfaria a expectativa que, em sentença, se considerou animar os AA. e a partir da qual se proferiu condenação.

Essa obrigação de resultado, para contratos como aquele...

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