Acórdão nº 221/09.0TBCDN.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 17 de Abril de 2012

Magistrado ResponsávelHENRIQUE ANTUNES
Data da Resolução17 de Abril de 2012
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: 1.

Relatório.

N… impugnou, por recurso ordinário de apelação, a sentença da Sra. Juíza de Direito de Círculo de Coimbra, que julgou improcedente a acção declarativa de condenação, com processo comum, ordinário pelo valor, que propôs contra J… e cônjuge, R…, na qual pedia a condenação destes a pagar-lhe, por danos patrimoniais e não patrimoniais, a quantia de € 58 665,00, acrescida de juros de mora, contados à taxa legal, desde a citação.

Para inculcar o mal fundado desta sentença, o recorrente extraiu da sua alegação estas conclusões: ...

Os apelados concluíram, na resposta, pela improcedência do recurso.

2.

Factos relevantes para o conhecimento do objecto do recurso.

2.1. Foram seleccionados para a base instrutória, entre outros, os seguintes enunciados de facto: … 2.2. O Tribunal da audiência decidiu os pontos de facto referidos em 2.1., nestes termos: … 2.3. O Tribunal da audiência adiantou, para justificar o julgamento referido em 2.2., esta motivação: ...

2.4. O Tribunal de que provém o recurso julgou provados, no seu conjunto, os factos seguintes: ...

  1. Fundamentos.

3.1.

Delimitação objectiva do âmbito do recurso.

Além de delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, o âmbito, subjectivo ou objectivo, do recurso pode ser limitado pelo próprio recorrente. Essa restrição pode ser realizada no requerimento de interposição ou nas conclusões da alegação (artº 684 nºs 2, 1ª parte, e 3 do CPC).

Na espécie do recurso, o recorrente pediu, na instância recorrida, a condenação dos demandados na reparação do dano patrimonial e não patrimonial que suportou por virtude do encerramento, pela administração, do estabelecimento comercial cuja exploração lhe havia sido cedida pela sociedade comercial de que os demandados eram sócios e gerentes, danos pelos quais, no seu ver, estes são responsáveis por terem liquidado e extinto aquela sociedade sem que o passivo social correspondente tenha sido satisfeito ou acautelado.

A sentença apelada, porém, desamparou esta pretensão do recorrente. E como este bem salienta na sua alegação, aquela sentença serviu-se, para justificar a decisão de improcedência da acção, de dois argumentos: a extinção, por resolução, do contrato de cessão de exploração do estabelecimento comercial em data anterior à do seu encerramento pela administração; o não cumprimento, pelo recorrente, do ónus da prova do dano resultante desse encerramento administrativo.

Relativamente ao primeiro fundamento de improcedência, o recorrente acha que a sentença apelada incorreu num error in iudicando, por erro na qualificação, já que no seu ver, o tribunal a quo escolheu a norma errada para enquadrar o caso concreto: a comunicação que lhe foi feita não encerra uma declaração de resolução; essa comunicação, para além de ter sido feita por representante não documentado da resolvente, não observou a forma legalmente prevista: notificação judicial avulsa; contacto pessoal de advogado feita na pessoa do notificando, com entrega do duplicado da comunicação e cópia dos documentos que a acompanhem e assinatura, pelo notificado do original.

No tocante ao segundo fundamento de improcedência, o apelante entende que o tribunal a quo incorreu num error in iudicando da questão de facto, quer por erro sobre o objecto da prova - por erro na selecção dessa matéria - quer por erro na valoração ou aferição das provas produzidas.

Maneira que, tendo em conta o conteúdo da decisão impugnada e da alegação do recorrente e dos recorridos, a questão concreta controversa que importa resolver é a de saber se aquela decisão deve ser revogada e substituída por acórdão que julgue a acção, ao menos, parcialmente procedente.

A resolução deste problema exige que se toquem, ainda que só levemente, as questões do regime jurídico do contrato de locação de estabelecimento comercial e da sua extinção por resolução, os critérios de interpretação da declaração negocial, a eficácia da declaração produzida por representante a quem não tenha sido pedida a justificação dos seus poderes, e, por último, os parâmetros a que obedecem os poderes de controlo de que esta Relação está investida relativamente à decisão da matéria de facto da 1ª instância.

Como a resposta que for encontrada para os quatro primeiros dos problemas apontados é susceptível, evidentemente, de prejudicar a resolução do último, está naturalmente indicado que a nossa atenção se centre, em primeiro lugar, sobre as questões do regime jurídico do contrato de locação de estabelecimento comercial, maxime no aspecto capital da sua extinção por resolução, dos critérios de interpretação da declaração correspondente e da sua eficácia, nos casos em que é produzida por representante a quem não foi exigida a justificação dos poderes de representação invocados (artº 660 nº 2 do CPC).

3.2.

Regime jurídico do contrato de locação de estabelecimento comercial.

O estabelecimento comercial é um conjunto de coisas, corpóreas e incorpóreas, devidamente organizado para a prática do comércio[1].

O estabelecimento comercial compreende, portanto, elementos da mais variada natureza que, em comum, têm apenas o facto se encontrarem interligados para a prática do comércio.

No tocante ao activo o estabelecimento compreende coisas corpóreas e incorpóreas.

No que toca a coisas corpóreas ficam abarcados os direitos relativos, por exemplo, a móveis – mercadorias, matéria primas, maquinaria, mobília, instrumentos de trabalho – portanto, todas as coisas que, estando no comércio, sejam pelo comerciante afectas a esse exercício. No tocante a coisas incorpóreas pode-se distinguir, por exemplo, o direito ao uso exclusivo da insígnia, do nome do estabelecimento, das marcas, patentes de invenção e os direitos a prestações provenientes de posições contratuais – contratos de trabalho, contratos com fornecedores, contratos de distribuição, de publicidade, de concessão comercial, de agência, de franquia e mesmo contratos relativos a bens vitais (v.g. água, electricidade, gás, telefone) e, bem assim, os direitos provenientes de licenças concedidas pela administração.

Portanto, apesar de no Código Comercial o estabelecimento surgir, algumas vezes, na acepção de armazém ou loja a verdade é que a confusão do estabelecimento com o direito ao local é um erro grosseiro, só compreensível numa fase pré-histórica da teoria do estabelecimento ou da empresa (artºs 95 nº 2 e 263 § único do Código Comercial)[2].

É claro que esta conclusão não colide com a eventualidade do elemento local – independentemente de o empresário ser titular do direito real de propriedade sobre ele ou simplesmente titular de um direito de uso – assumir, no estabelecimento concreto, uma importância extraordinária, qualquer que seja a causa. Com aquela conclusão quer-se simplesmente vincar que, como princípio, o que não se pode afirmar é que o direito ao local absorve o estabelecimento, tanto em termos de função, como em termos de valor.

O estabelecimento, notou-se já, pode ser objecto de transmissão definitiva ou temporária. Trata-se, de resto, do ponto mais significativo do seu regime: a possibilidade da sua negociação unitária, através de trespasse – se essa transmissão for definitiva – ou cessão de exploração - se a cedência do estabelecimento for meramente temporária (artºs 1109 e 1112 nº 1 a) do CC)[3].

Em princípio, perante um conjunto de situações jurídicas distintas funciona a regra da especialidade: cada uma delas, para ser transmitida, vai exigir um negócio jurídico autónomo. Estando em causa um acervo de bens ou direitos, a lei e prática consagrada admitem que a transferência se faça unitariamente. Trata-se de um aspecto que abrange não apenas as coisas corpóreas articuladas, susceptíveis de negociação conjunta através das normas próprias das universalidades de facto, mas também todas as realidades envolvidas, incluindo o passivo. Há-de, porém, reparar-se que não deixa de haver transmissão unitária pelo facto de para a perfeita transferência de alguns dos elementos envolvidos se exigir o consentimento de terceiros. É o que sucede com o passivo, com os contratos de prestação de serviços e com a própria firma (artºs 424 nº 1 e 595 do Código Civil e 44 RNPC). O trespasse do estabelecimento que tudo englobe continua a fazer-se por um único negócio, com todas as facilidades que isso envolve.

O trespasse é, portanto, a transmissão definitiva e unitária do estabelecimento comercial, o que o afasta da cessão de exploração e da concessão do usufruto, por serem transferências pro tempore.

O trespasse é apenas uma transmissão definitiva do estabelecimento. Só por si, não nos diz a que título. Quer isso dizer que pode operar por via de qualquer contrato, típico ou atípico, que assuma eficácia transmissiva: compra e venda, dação em pagamento, sociedade, doação ou outras figuras diversas. O regime do trespasse dependerá, portanto, do acto que, concretamente, estiver na sua base.

Problema delicado é o da determinação dos elementos que hão-de integrar o estabelecimento, qual o quantum concreto mínimo exigível para que exista um estabelecimento.

É claro, em face da infinita variabilidade apresentado pelos estabelecimentos, que é impossível responder em termos abstractos[4]. Não é, realmente, viável formular um critério geral que permita reconhecer um estabelecimento pela presença de certos e determinados elementos. Com efeito, grande é a variedade de estabelecimentos que a prática oferece, pelo que o núcleo essencial do estabelecimento mercantil não apresentará sempre a mesma composição, variando em função do ramo de comércio ou indústria, da dimensão da empresa etc.

Como critério puramente orientador, pode, porém, dizer-se que para que haja estabelecimento comercial ele deve ter um conteúdo mínimo necessário para que, em face do ramo de actividade a que se destine, possa...

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