Acórdão nº 77/05.2TBTCS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 17 de Janeiro de 2012
Data | 17 Janeiro 2012 |
Órgão | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam os Juízes da secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra I.RELATÓRIO 1. J (…), residente em (...), Aguiar da Beira intentou contra a Freguesia da sua residência, na pessoa do seu Presidente da Junta, acção popular com processo ordinário, pedindo que a Ré seja condenada a destruir as obras de ampliação do cemitério desenvolvidas por sobre um caminho público conhecido por Rua F (...) e em cima de um troço de estrada romana, acautelando-se os riscos para a saúde pública decorrentes de acesso ou rotura em equipamentos de saneamento, e da contaminação da água e dos mesmos equipamentos fruto de escorrências cadavéricas.
Alega para tanto, em síntese, que a Junta de Freguesia demandada, desnecessariamente - já que tem disponível um cemitério novo, sem qualquer enterro nele realizado – e ainda sem quaisquer projectos, estudos, inspecções ou avaliações técnicas, decidiu ampliar o antigo cemitério por sobre aquele terreno, tornando inacessíveis um caminho romano e uma rua por baixo da qual passam condutas de água e saneamento, assim causando perigos vários para a saúde pública, decorrentes das escorrências cadavéricas que inundariam as referidas condutas.
Citada, contestou a ré referindo que a obra em causa era uma necessidade urgente e desejada por toda a população, excepto pelo demandante, razão pela qual todos contribuíram com dinheiro ou com trabalho ou materiais para a sua concretização, a qual foi devidamente vistoriada e aprovada, acrescentando que foram elaborados todos os projectos e planos legalmente exigidos.
Finaliza negando a existência dos invocados perigos, sustentando que, previamente à obra, foram desactivadas todas as condutas em causa, as quais, aliás, serviam unicamente o autor, a quem foram já disponibilizados os serviços em causa por percurso alternativo.
Após os articulados, foi proferido despacho saneador, que julgou válida e regular a instância e, seleccionada a matéria de facto considerada relevante à decisão da causa, fixou-se a mesma sem reclamação.
Realizado o julgamento, foi proferida decisão sobre a matéria de facto.
No final, foi proferida sentença que, julgando improcedente a acção, por não provada, absolveu a Ré do pedido.
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Inconformado com tal decisão, dela interpôs o Autor recurso de apelação, formulando com as suas alegações as seguintes conclusões: (…) A recorrida contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar.
II.OBJECTO DO RECURSO A. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelo recorrente e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras[1], importando destacar, todavia, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito[2].
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A violação das regras da competência absoluta do tribunal em razão da matéria, constitui excepção dilatória, que pode/deve ser conhecida oficiosamente por este tribunal superior, uma vez que, limitando-se o despacho saneador à declaração tabelar de que “inexistem excepções dilatórias ou nulidades processuais alegadas pelas partes de que possa conhecer-se agora ou que devam ser apreciadas oficiosamente”, tal questão não foi expressamente apreciada e decidida no despacho saneador, nem tão pouco em qualquer outra decisão autónoma, ainda que a sentença a tenha aflorado, numa perspectiva meramente dogmática, mas sem que a tenha expressamente declarado, retirando dela os consequentes efeitos jurídicos.
A omissão de decisão concreta quanto à aludida questão da competência, ou falta de competência, em razão da matéria, pressuposto necessário à formação de caso julgado formal, não veda a esta instância o conhecimento (oficioso) da excepção dilatória da incompetência absoluta, que, assim, aqui será objecto de apreciação.
A ter-se por verificada a referida excepção dilatória, ficará prejudicado o conhecimento das questões suscitadas pelo apelante nas suas conclusões de recurso: nulidades da sentença, erro de julgamento da matéria de facto e mérito do julgado.
III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO A primeira instância deu como provados os seguintes factos: 1. O autor é morador no lugar de (...), Aguiar da Beira.
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A ré iniciou, a 20 de Setembro de 2004, obras de ampliação de um cemitério, no lugar de (...), obras que ainda se encontravam em curso a 1 de Fevereiro de 2005 e que se concluírem nesse mês.
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Debaixo do pedaço de terreno em que foram efectuadas as obras de ampliação do cemitério encontram-se instaladas condutas de águas e de saneamento.
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Para acesso ao cemitério ampliado, foi calcetado e alargado um caminho que já existia, e que ocupava parte da calçada agora existente.
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Alguns moradores conheciam a via em causa como a Rua F (...) , outros por outras designações.
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O caminho em causa pode, presentemente, ser utilizado por todas e quaisquer pessoas, nomeadamente as de (...), pela forma e ocasião que entenderem por convenientes, enquanto que, anteriormente à obra de ampliação do cemitério, a mesma via era intransitável por veículos e deixou de ser utilizada por quaisquer peões ou animais, na mesma medida em que as culturas dos campos em redor deixaram de ser feitas com a regularidade de outros tempos.
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Antigamente, quando os campos a seguir ao cemitério eram cultivados, e também há mais de oitenta anos, a via em causa servia os utentes desses campos.
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Tal caminho, no período temporal imediatamente à pavimentação, tinha uma largura irregular, por vezes superior por vezes inferior a três metros, e chegou a estender-se por cinquenta metros, se bem que tal largura corresponda à visão do que, anteriormente, teria sido transitável, sem o ser no momento referido.
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No leito do caminho, eram visíveis as tampas metálicas das caixas de visita daquelas condutas de água e de saneamento.
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O habitante de (...) que beneficiava das referidas condutas de água e saneamento era conhecedor da existência das mesmas, bem como, necessariamente, os habitantes que se recordassem de utilizar tal caminho.
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Há rocha no solo onde se mostra implantado o caminho.
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O caminho em causa apresenta-se a descer desde a igreja e o cemitério, cuja ampliação se lhe encontra à direita, para os campos outrora lavrados, para onde se dirige.
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Algumas pessoas de (...) sentem os monumentos históricos existentes na freguesia como património cultural comum e valioso.
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A obra de repavimentação do caminho que alguns conhecem como Rua F (...) incluiu a colocação de terra e pedra por sobre a anterior via.
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Depois de devidamente selados e substituídos, os equipamentos de água e saneamento ficaram soterrados pelo novo pavimento da via.
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Os aludidos equipamentos de água e saneamento, uma vez substituídos e selados (chumbados), ficaram soterrados pelo novo pavimento, o que dificulta o acesso aos mesmos, ainda que não se vislumbre razão para tal acesso.
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Há escorrências cadavéricas que são próprias dos cemitérios.
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A existência de rocha no solo onde foi implantada a ampliação do cemitério leva a que as escorrências percorram percurso mais longo antes de virem a diluir-se em terreno apropriado, o que é explicado pela natureza pouco permeável da rocha.
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As escorrências seguirão o seu trajecto com observância das regras que se lhes aplicam, entre as quais as da gravidade, da sedimentação e da capilaridade.
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Não foi solicitado qualquer parecer prévio à realização da obra sobre a natureza do terreno.
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Previamente ao início da obra, não foi solicitado qualquer parecer às entidades sanitárias públicas.
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Previamente ao início da obra, não foi solicitado qualquer parecer ao Instituto Português do Património.
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Previamente ao início da obra, não foi o terreno onde a mesma foi realizada sujeito a qualquer inspecção pela autoridade sanitária.
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Previamente ao início da obra, não foi pedido qualquer parecer à Direcção Geral de Saúde.
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Previamente ao início da obra, não foi pedido qualquer parecer à Comissão Municipal de Higiene ou serviços equivalentes.
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Previamente ao início da obra, não foi, relativamente à mesma, realizada qualquer estimativa de custo, nem foi elaborado qualquer plano de actividades, caderno de encargos ou orçamento em que a mesma estivesse prevista, bem como qualquer memória descritiva e justificativa, indicando o esquema funcional do cemitério.
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A 18 de Agosto de 2005, foi realizada a vistoria pela comissão que elaborou e subscreveu o relatório –...
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