Acórdão nº 1350/10.3TBGRD-F.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 06 de Março de 2012

Magistrado ResponsávelBARATEIRO MARTINS
Data da Resolução06 de Março de 2012
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra: I – Relatório Por apenso à acção especial de insolvência – em que foi declarada em tal situação A..., Lda.

– veio o respectivo Administrador (nos termos do art. 188.º, n.º 2, do CIRE) propor, no parecer que apresentou, que a insolvência seja qualificada como culposa; e que seja afectado pela qualificação o sócio gerente da devedora, B...

, gerente de direito e de facto da devedora insolvente nos últimos 3 anos.

Para o que, em termos de fundamentação e em síntese, referiu: Que foram feitos acordos de pagamento de dívidas (duma outra sociedade – a C...

, Lda.) e de transmissão de todos os estabelecimentos comerciais da devedora que deram causa à insolvência, representando os mesmos um actuação contrária aos interesses da insolvente e dos seus credores e pretendendo favorecendo outras empresas nas quais havia interesse directo ou indirecto dos sócios da insolvente.

Que a insolvente não se apresentou à insolvência nos 60 dias após acordo de pagamento da dívida da E..., sendo que ficou a partir daí privada de meios económicos e financeiros para assumir o pagamento das suas dívidas perante credores.

Daí que conclua que a insolvência deve ser qualificada como culposa por força do art. 186º/2, als b), e), f) e h) e 3, al a), do CIRE.

Sentido este – da qualificação culposa – em que já se havia pronunciado, em alegações (nos termos do art. 188.º/1 do CIRE), o interessado/credor H...

, S.A.

, invocando que, em menos de dois meses, a devedora insolvente deixou de ter estabelecimentos, pessoal e património tangível (imobilizado), não reflectindo na contabilidade o capital realizado com tais transmissões; razão porque a insolvência se deve considerar culposa, uma vez que a devedora insolvente ocultou ou fez desaparecer o seu património O Ministério Público apresentou o seu parecer, pronunciando-se no mesmo sentido.

B..., veio deduzir oposição, invocando, em resumo, o seguinte: Que constitui e/ou adquiriu, além da sociedade insolvente, as seguintes outras empresas: a) I...

, Lda.; b) J....

, Lda.; c) L....

, Lda.; d) C..., Lda.; e) M...

, Lda.; tendo requerido e obtido no Registo Nacional de Pessoas Colectivas a aprovação da firma N...

, Lda., em que todas aquelas sociedades seriam participadas desta.

Que a devedora insolvente deu de penhor os seus estabelecimentos comerciais, como garantia do pagamento de um débito que a C..., Lda tinha para com a E..., porque era naquele estabelecimento que a devedora insolvente adquiria, em melhores condições do que noutros fornecedores, os produtos que depois distribuía pelos seus estabelecimentos comerciais para posterior revenda ao consumidor final.

Que os únicos sócios e gerentes da C..., Lda. eram os mesmos que os da devedora insolvente e que o grupo económico N... tinha interesse sério, relevante e justificado em manter o estabelecimento da C...; sendo que a dívida desta à E... resultava também da existência de saldos devedores da devedora insolvente.

Que os resultados financeiros líquidos da C..., Lda. e das demais sociedades, em resultado da crise que ainda hoje se faz sentir, não foram suficientes para cumprir as obrigações assumidas no plano de pagamento com a E...; razão pela qual esta instaurou acção executiva para pagamento do montante de € 683.500,00, da qual resultou a penhora de todos os estabelecimentos comerciais da devedora insolvente, sendo para evitar a consumação da perda dos estabelecimentos comerciais, cujo valor, no conjunto, seria superior à quantia exequenda, que a devedora insolvente se viu obrigada a celebrar, em 6 de Setembro de 2010, o acordo de pagamento de fls. 193 a 200 dos autos (acordo de pagamento de que a devedora insolvente pagou as duas primeiras prestações, reconhecendo então, considerando todas as vicissitudes que se verificavam desde Maio de 2010, designadamente, o acentuado decréscimo das vendas, que não seria capaz de cumprir o acordo de pagamento).

Que, para evitar a perda de todos os estabelecimentos pelo valor da quantia em dívida (€ 532.704.70) e na medida em que eles tinham valor superior, decidiu, em 18/10/2010, realizar o negócio referido no facto 32 deste acórdão, cujo preço global foi de € 658.326,00, que correspondeu ao preço justo dos bens transaccionados e que foi superior, em € 125.621,13, ao valor da divida à E..., SA; negócio este que não foi a causa da sua insolvência e que, pelo contrário, até permitiu libertar todos os estabelecimentos do penhor e penhoras já existentes sobre eles.

Que o motivo da celebração, em 15/10/2010, do Contrato de Trespasse, de fls. 319 a 323, assentou na circunstância das vendas do estabelecimento transmitido não terem expressão nos resultados da sociedade, sendo, por isso, mais importante, naquela data, para a viabilidade da sociedade, encaixar, de uma vez, o preço justo da transmissão, no montante de € 50.000,00; preço/encaixe que foi reflectido na conta 25 – imobilizado alienado – da contabilidade da devedora insolvente.

Que, no que respeita ao Contrato de Transmissão, Confissão de Divida e Acordo de Pagamento do mesmo dia 15/10/2010 (de fls. 321 a 341), a justificação assentou na execução movida pelo credor José Monteiro Baptista.

Que não incumpriu a obrigação de se apresentar, dentro do prazo legal, à insolvência, porque pagou as duas primeiras prestações do acordo celebrado com a E..., vencidas nos dias 10 e 17 de Setembro; tendo a sua insolvência sido requerida pela O...

em Outubro de 2010.

Que não corresponde à verdade que ele, opoente, tenha recebido o montante de € 635.366,24 da devedora insolvente; que a conta 26601 – empréstimos aos sócios – reúne todos os investimentos que foram realizados pela insolvente nas demais empresas do grupo ao longo dos últimos anos; e que pelo facto dos investimentos realizados nas demais sociedades do grupo terem sido contabilizados na conta 26601 é que as respectivas contas se encontram saldadas, não tendo existido um tratamento mais favorável das sociedades I..., Lda., J..., Lda., C..., Lda., G..., Lda., E..., S.A. e T..., Lda.

Concluiu pois pugnado pela qualificação da insolvência como fortuita.

Foi proferido despacho saneador – que declarou a instância totalmente regular, estado em que se mantém – organizada a matéria factual com interesse para a decisão da causa, instruído o processo e realizada a audiência, após o que a Exma. Juíza proferiu a seguinte sentença: “ (…) Em face de todo o exposto: I) Qualifico a insolvência da sociedade A..., Lda. como culposa; II) Julgo afectado por esta qualificação B..., sócio-gerente da devedora, à data de declaração da insolvência; III) Declaro B... inibido para a prática de actos de comércio e para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial durante o período de cinco (5) anos.

(…) “ Inconformado com tal decisão, interpôs B... – afectado pela qualificação da insolvência como culposa – o presente recurso, visando a sua revogação e a sua substituição por outra que qualifique a insolvência como fortuita.

Terminou a sua alegação com conclusões que, em face da sua extensão (11 páginas, só de conclusões), nos abstemos de aqui transcrever[1].

Não foram apresentadas, oportunamente, quaisquer respostas Dispensados os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.

* II – Fundamentação de Facto Encontra-se provado o seguinte factualismo: 1) No dia 28-10-2010, a O..., Lda. instaurou processo de insolvência contra A..., Lda., processo de que os presentes autos são um apenso, com fundamento, entre o mais, nos seguintes factos: “ (…) é a ora requerida devedora à requerente do valor que totaliza o montante de € 10.713,36, acrescido de juros de mora à taxa legal no valor de € 149,69, totalizando tudo o montante de € 10.863,05. (…).

A requerente é credora da requerida; a requerida tem inúmeros débitos pendentes de valor elevado; deve ao Estado e outros entes públicos; deve aos bancos; não lhe são conhecidos bens móveis ou imóveis para responder perante os credores; pelo que se encontram reunidos, alguns dos factor-índice do art. 20.º do C.I.R.E., conjugados com o art. 3º do mesmo Diploma, deste modo o credor goza da presunção de penúria da requerida, a qual apenas pode ser ilidida pelo mesmo.

” (alínea A) da matéria de facto assente).

2) No dia 23-11-2010, foi proferida sentença, já transitada em julgado, que declarou a insolvência da sociedade A..., Lda, na qual consta, entre o mais, o seguinte: “Nos termos do art. 30º/5, do CIRE, consideram-se confessados os factos vertidos na petição inicial.

Da conjugação dos factos expostos na petição inicial com o disposto no art. 20º/1, do CIRE, ex vi art. 30º/5, do mesmo diploma, é forçoso concluir que a factualidade supra elencada integra a hipótese normativa plasmada no art. 20º/1, al. b), do CIRE. Efectivamente, ressalta dos factos, que servem de horizonte à presente decisão, que o montante do crédito da requerente, relativamente elevado, o facto de remontar a 2008, sem que tenha havido pagamento, e a devolução do cheque que foi entregue para o efeito, por falta de provisão, revelam claramente que a requerida se encontra em situação de não conseguir satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações.

Impõe-se, assim, declarar a insolvência da requerida, com base nos fundamentos sobreditos” (alínea B) da matéria de facto assente).

3) A..., Lda. encontra-se matriculada, na Conservatória do Registo Comercial de Manteigas, como “sociedade por quotas”, com o NIPC 507083342, desde 13-08-2004 e com sede na Rua ..., ..., Manteigas (alínea C) da matéria de facto assente).

4) Na respectiva matrícula consta registado o seguinte objecto: “Comercialização de produtos alimentares, roupa, acessórios de moda, produtos culturais, electrodomésticos, cosméticos, materiais de construção, utilidades para casa, mobiliário” (alínea D) da matéria de facto assente).

5) Quando foi constituída, o respectivo capital social era de € 5.000,00, repartida em duas quotas iguais, uma pertencente a B... e outra...

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