Acórdão nº 4050/07.8TBAVR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 27 de Março de 2012

Magistrado ResponsávelEMÍDIO SANTOS
Data da Resolução27 de Março de 2012
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra A...

, Lda, com sede na rua de ..., ... Aveiro, propôs a presente acção declarativa com processo ordinário contra o Banco B...

, SA, com sede na rua ..., Porto, pedindo a condenação do réu a pagar-lhe a quantia de € 20 332,37 [vinte mil trezentos e trinta e dois euros e trinta e sete cêntimos], acrescida de juros de mora à taxa legal para os juros civis, desde a data da citação até integral pagamento.

Para tanto alegou, em síntese, que forneceu mercadorias à sociedade C...

, Lda; que esta sociedade entregou-lhe, para pagamento do preço das mercadorias, um lote de 9 cheques sacados sobre o B...; que os cheques foram apresentados a pagamento dentro dos oito dias seguintes à data da emissão neles aposta; que a ré recusou o pagamento deles, apondo, no verso, como causa da recusa, a indicação de “Extravio”; que a ré recusou o pagamento sem que tivesse recolhido indícios sérios do extravio dos cheques; que a autora sofreu, com a recusa de pagamento dos cheques, um prejuízo igual ao valor por eles titulado (€ 20 332,37).

O réu contestou, concluindo pela improcedência da acção. Na sua defesa alegou que recebeu, no serviço B... Directo, uma chamada telefónica por intermédio da qual o Sr.

D...

, em representação contratual da C..., procedeu ao cancelamento, por motivo de extravio, de uma caderneta de 150 cheques; que procedeu ao cancelamento dos cheques em causa, em cumprimento das instruções recebidas; que dois dos cheques apresentados a pagamento pela autora foram devolvidos por falta de provisão; que os cheques em causa nos presentes autos não teriam sido pagos, ainda que não tivesse sido comunicado o extravio deles pois a conta sacada não tinha provisão; que o réu não poderá ser responsabilizado perante a autora pelo não pagamento dos cheques em causa nos autos, pois limitou-se a cumprir as instruções válida e eficazmente transmitidas pela sociedade C..., no âmbito do relacionamento contratual estabelecido com a mesma.

No final da contestação, o Banco requereu a intervenção acessória, nos autos, da sociedade C... , Limitada.

O chamamento foi deferido.

Notificada da contestação, a autora reconheceu que dois dos cheques que havia apresentado a pagamento, um no montante de € 2 166,70 e outro no de € 3 281,52, haviam sido devolvidos por insuficiência de provisão, pelo que, em relação a eles, nenhuma responsabilidade se podia apontar à ré pela falta de pagamento. Em consequência, reduziu o pedido, deixando de reclamar os referidos montantes.

O processo prosseguiu os seus termos e, a final, foi proferida sentença que, julgando a acção procedente, condenou o réu a pagar à autora a quantia de € 20 332,37, acrescida de juros de mora legais à taxa de 7%, desde a citação até integral pagamento.

O réu não se conformou com a sentença e interpôs o presente recurso de apelação, pedindo: 1. Se declarasse nula a sentença no seu segmento dispositivo em tudo o que excedesse o valor de capital de € 14 884,15, bem como dos juros de mora respectivos; 2. Sem prejuízo da nulidade parcial invocada, a revogação da sentença e a absolvição total do Banco apelante.

Os fundamentos do recurso, expostos nas conclusões, foram os seguintes: 1. A apelada formulou inicialmente o pedido de condenação do Banco recorrente no pagamento de € 20 332,37, respeitantes aos cheques indicados na petição; 2. Por despacho do Meritíssimo juiz a quo de 22 de Julho de 2008, foi aceite a redução efectuada pela apelada, do pedido formulado, no valor de € 5 488,22; 3. Desde tal data, como tal, o pedido formulado pela recorrida reduziu-se ao valor de capital de € 14 884,15; 4. A sentença proferida nos presentes autos, olvidando tal redução, condenou o Banco apelante a pagar à apelada a quantia global de € 20 332,37, acrescida dos juros de mora legais, actualmente à taxa de 7%, desde a sua citação, até integral e efectivo pagamento; 5. Nos termos do artigo 668º, n.º 1, alínea e), do CPC, é nula a sentença quando o juiz condene em quantidade superior ao pedido; 6. Tal nulidade constitui fundamento do presente recurso, nos termos do n.º 4 do mesmo preceito; 7. Deve ser declarada a nulidade da sentença proferida em todo o segmento dispositivo que exceda o valor de capital de € 14 884,15 bem como dos juros de mora respectivos. 8. A resposta negativa dada à factualidade quesitada no artigo 17º da base instrutória merece diferente destino; 9. Todos os cheques em questão foram apresentados a pagamento, em datas posteriores a 9/05/2006, concretamente entre 11/05/2006 e 20/06/2006; 10. A análise ao extracto de conta da chamada, junto aos autos, demonstra que a citada conta, após a execução do último lançamento a débito de 09/05/2006 (uma 2ª transferência no valor de € 3 875,00) veio apresentar o saldo de € 42,96, não mais tendo tal conta vindo a apresentar saldo credor superior a tal montante; 11. Incorrectamente julgada a matéria de facto quanto ao ponto constante do quesito 17º da base instrutória, o mesmo deverá merecer a resposta de: provado.

12. Atenta a clarividência do documento de fls. 157 a 160 junto pela apelante na audiência de 7/12/2010. 13. O Banco cumpriu integral e escrupulosamente as instruções, válida e eficazmente, transmitidas pela chamada por acto pessoal do seu legal representante.

14. O Banco recorrente, como qualquer outra instituição de crédito, não tem que sindicar as razões que levam uma sua cliente a instruí-lo no sentido do cancelamento dos cheques em causa.

15. No contrato de cheque, os sujeitos do mesmo são a sacadora do mesmo e o Banco – sacado, sendo, a tal relação, totalmente estranho o beneficiário do mesmo, em concreto, a apelada.

16. O Acórdão Uniformizador de Jurisprudência (AUJ) n.º 4/2008 não acolhe a pretensão da recorrida.

17. Na fundamentação do referido AUJ refere-se que se encontram excluídos os casos de extravio, furto e outros, de emissão ou apropriação fraudulentos do cheque.

18. O direito de crédito de que a apelada se arroga titular encontra-se excluído da previsão do artigo 483º, n.º 1, 1ª parte do Código Civil, já que se não trata de um direito subjectivo absoluto.

19. A conduta do Banco não revela qualquer indício de ilicitude.

20. Não é exigível ao recorrente que, em matéria de cancelamento de cheques por invocado extravio, tenha, de alguma forma, de policialmente que indagar junto do portador da veracidade ou não de tais invocações do sacador.

21. Nem incumbe aos bancos assegurar o contraditório entre sacador e portador do cheque e dirimir o litígio em causa.

22. A complexidade inerente ao funcionamento do sistema bancário, consubstanciado no elevado volume de negócios e no curto prazo previsto para a aposição das menções na fase da compensação impede uma larga indagação no sentido de apurar se a declaração do sacador corresponde ou não á realidade.

23. A relação Banco – cliente baseia-se na confiança e uma das regras basilares que ainda impera no nosso ordenamento jurídico, particularmente no que concerne aos contratos, reconduz-se ao princípio da boa fé.

24. O Banco ora recorrente não actuou de forma alguma, como se imputa na sentença recorrida “como a longa manus de propósitos não aceitáveis…”, acusação que se não mostra sustentada em factualidade provada nos autos.

25. Encontra-se inverificado um dos pressupostos essenciais da alegada responsabilidade civil extracontratual do Banco recorrente, a saber, a ilicitude.

26. O Banco recorrente não podia deixar de acatar as instruções da sacadora sua cliente, até porque, para além das diligências efectuadas, não tinha possibilidades de indagar se as mesmas correspondiam à verdade.

27. Pelo Banco recorrente foram cumpridas escrupulosamente as normas legais vigentes bem como o disposto no Regulamento do Sistema de Compensação Interbancário previsto na Instrução 25/2003 do Banco de Portugal.

28. De tudo quanto se deixou exposto decorre que o Banco recorrente não pode ser responsabilizado pelo não pagamento dos cheques em discussão nos autos, porquanto o mesmo foi motivado numa justa causa de não pagamento.

29. O dever de indemnizar previsto no artigo 483º do Código Civil pressupõe a verificação cumulativa de vários elementos, a saber, o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.

30. O Banco recorrente actuou de forma responsável, não tendo violado qualquer direito ou disposição legal, nem causado qualquer prejuízo a esta, pelo que nada lhe tem a pagar, designadamente a quantia peticionada.

31. Na verdade, não ocorreu por parte do Banco recorrente a violação de qualquer dever ou obrigação de efectivação do pagamento reclamado.

32. Nem por outro lado, se verifica qualquer nexo de causalidade entre a conduta do Banco recorrente e quaisquer danos alegadamente sofridos pela recorrida.

33. A conta sacada não detinha, em qualquer momento, fundos suficientes para que os cheques em causa nos autos fossem pagos.

34. De forma que o não pagamento pelo motivo invocado de extravio não constitui causa adequada à produção dos danos reclamados pela ora recorrida, nos termos em que o foram.

35. O Banco recorrente não violou, de forma dolosa, ou sequer negligente e ilícita o direito de um qualquer terceiro, bem como, qualquer norma, destinada a proteger os interesses da recorrida. 36. Não agiu o Banco recorrente de forma alguma como autor, instigador ou auxiliar de qualquer facto ilícito, para com a recorrida, 37. Ou seja, em concreto e de forma clara não se verificam os pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos...

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