Acórdão nº 676/09.3TJPRT.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 27 de Março de 2012

Magistrado ResponsávelANTÓNIO BEÇA PEREIRA
Data da Resolução27 de Março de 2012
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra I A...

instaurou, na comarca do Porto[1], a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum do regime experimental do Decreto-Lei 108/2006 de 8 de Junho, contra B...

e mulher C...

, pedindo a condenação destes a:

  1. Ser reconhecido judicialmente o incumprimento definitivo do contrato-promessa por parte dos RR.; b) Ser reconhecida judicialmente a resolução do contrato-promessa, por via de tal incumprimento definitivo; c) Serem os RR. condenados a pagar à A. a quantia de € 20 000,00, correspondente ao dobro do sinal prestado; d) Serem os RR. condenados a pagar à A. € 1 952,88, a título de juros vencidos; e) Serem os RR. condenados a pagar à A. juros vincendos até integral e efectivo pagamento, bem como custas e procuradoria.

    Subsidiariamente, serem os RR. condenados a entregar à A.: a) € 10 000,00, corresponde à quantia entregue a título de sinal; b) € 976,44, a título de juros vencidos, contados desde 11 de Outubro de 2006; c) Juros vincendos até integral e efectivo pagamento, bem como custas e procuradoria.

    Alegou, em síntese, que, a 14 de Julho de 2006, celebrou com os réus um contrato-promessa de compra e venda relativamente a fracção autónoma designada pelas letras “BQ”, correspondente à habitação de um T2, n.º 4.º andar esquerdo e aparcamento na sub-cave, com a entrada pela Rua ... ... e Rua ..., ..., no Porto, pelo qual se comprometia a comprar a estes, e eles a venderem-lhe, tal imóvel, estabelecendo-se o preço de € 157 121,34. Nessa altura entregou a quantia de € 10.000 a título de sinal. O contrato de compra e venda devia ser marcado pela autora, após os réus, no prazo de 90 dias, lhe remeterem uma certidão predial, na qual conste o cancelamento do arresto relativo à AP. N.º 11 de 2/12/2005, bem como de uma declaração da administração do condomínio certificando não subsistirem dívidas relativas à fracção objecto do contrato, o que foi remetido. Uma vez que os réus não lhe entregaram essa documentação, a autora, a 10 de Outubro de 2006, comunicou-lhes que deixava de ter interesse na aquisição do imóvel, rescindindo o contrato e exigiu a devolução do sinal em dobro. Posteriormente, a 21 de Fevereiro de 2007, os réus alienaram aquela fracção a terceiros.

    Os réus contestaram afirmando, em suma, que não houve incumprimento da sua parte e que foram dando conhecimento à autora das diligências realizadas com vista à obtenção dos documentos que se comprometeram a entregar-lhe.

    Mais alegam que autor autora deixou de ter interesse na aquisição do prédio prometido comprar, tendo outorgado outro contrato-promessa de compra e venda, em 22 de Setembro de 2006, que concretizou definitivamente, mediante a celebração da escritura de compra, em Novembro de 2006. Isso revela o desinteresse por parte da autora em realizar o contrato prometido, para além de que esta nunca os interpelou para o cumprirem.

    Foi proferido despacho a julgar o tribunal da comarca do Porto incompetente, em razão do território, sendo o processo remetido para o Juízo de Média e Pequena Instância Cível de Albergaria-a-Velha, da Comarca do Baixo Vouga.

    Respondeu a autora reafirmando que houve, por parte dos réus, incumprimento e não apenas mora.

    A Meritíssima Juíza proferiu saneador-sentença em que decidiu: "Pelo exposto julgo totalmente procedente a presente acção que A...intentou contra B... e mulher C... ..., e consequentemente declaro como definitivamente incumprido o contrato promessa de compra e venda que celebraram, referido em A) e consequentemente condeno os RR a pagar á AA a quantia de € 20.000 (vinte mil euros) correspondente ao dobro do sinal prestado, acrescido de juros de mora vencidos no valor de € 1.952,88 (mil novecentos e cinquenta e dois euros e oitenta e oito cêntimos), e vincendos até efectivo e integral pagamento da divida.

    " Inconformado com tal decisão, o réu dela interpôs recurso, que foi admitido como de apelação, com nos próprios autos e efeito meramente devolutivo, findando a respectiva motivação com as seguintes conclusões: 1. A sentença equivocou-se rotundamente, ao atribuir direito à resolução contratual formulada pela Autora e ao condenar os RR. no pagamento do sinal em dobro fazendo uma errada valoração dos factos que deu por provados, ao confundir a obrigação acessória dos RR: entrega da certidão registral e declaração do condomínio; com a obrigação da marcação da escritura da incumbência da Autora - Item O) alínea B) e item E) dos factos dados por provados.

    1. Inexiste qualquer dependência entre a entrega de tais documentos e a marcação da escritura. É que 3. A impossibilidade de aceder à certidão predial dentro do prazo de noventa dias estipulado, sempre representará um simples atraso de um dever dos RR. muito lateral, acessório ou instrumental ao da marcação da escritura pública de compra e venda, não podendo reverter sem mais, em situação de definitivo incumprimento dessa obrigação que lhes seja imputável : a Autora poderia marcar a escritura como estava incumbida de o fazer, obtendo a certidão registral em falta, o que lhe permitiria concretizar a escritura definitiva dentro das datas convencionadas, a que alude o Item F) da matéria assente.

    2. Deste modo, a Autora ao eleger, sem mais, a entrega da aludida certidão, como obstáculo intransponível e definitivo ao cumprimento do contrato-promessa, acaba por estar na origem da não realização do contrato prometido, tornando-se única responsável pelo seu incumprimento.

    3. Por outro lado, o saneador-sentença parte do pressuposto errado, porque nenhuma consistência admite com a realidade dos factos, de que no contrato-promessa "o prazo estipulado é o prazo para a celebração da escritura, tratando-se de um prazo essencial, peremptório e absoluto. A não ser assim, não tinha qualquer justificação a sua fixação, sujeitando-se sempre a A. a interpelar os RR".

    4. A cláusula 2B) do contrato promessa, não permite a interpretação que lhe foi dada pelo tribunal recorrido, já que não permitia à Autora e promitente compradora a resolução do contrato, sem previamente ter de recorrer à interpelação admonitória, nos termos do Art.º 808.º, n.º, 1 do Código Civil. Isto é; a não entrega, pelos RR., no "prazo máximo de noventa dias", da certidão predial e da declaração de condomínio certificando a inexistência de dividas, nunca bastaria por si só e sem mais, para concluir pela imediata resolução do contrato como o faz precipitadamente a decisão em recurso, uma vez que não existe no contrato qualquer cláusula a transformar essa mora em incumprimento definitivo, nem ali ficou prevista a consequência da não entrega dos dois documentos em causa.

    5. Aquele prazo de 90 dias tal como consta do contrato surge como meramente indicativo do lastro temporal necessário ao levantamento do arresto.

    6. Atenta a factualidade dada por assente, os RR. só poderiam estar numa situação de mora e nunca de incumprimento definitivo, não podendo considerar-se como faz o Tribunal a quo, que o prazo estabelecido na Cláusula 2B) é um prazo absoluto, já que tal excede a interpretação do contrato-promessa celebrado.

    7. A A. ao não interpelar os RR. para a celebração da escritura pública de compra e venda até 13 de Outubro de 2006, como era sua obrigação contratualmente assumida, fez com que os RR. apenas estivessem em mora e nunca tal mora se converteu em incumprimento definitivo.

    8. O incumprimento definitivo nos casos em que inexiste convenção em contrário, como é o caso dos autos, e tal como é pacificamente entendido por toda a Jurisprudência, só ocorre se lhe sobreviver a impossibilidade da prestação, o que não aconteceu, se o credor perder o interesse na prestação, ou, por fim, em consequência da inobservância do prazo suplementar e peremptório que o credor fixe ao devedor relapso, transformando a mora em incumprimento definitivo, o que não ocorre 11.Evitando incorrer no mesmo erro do saneador-sentença, não podemos omitir que a prestação em que os RR. estariam em falta a 10 de Outubro de 2006, data da carta da Autora, era a de não terem entregue a certidão e documento referidos em 2B) do contrato, pelo que também neste enquadramento, não faz sentido a Autora alegar perda de interesse, quando nos termos contratuais ainda podia aprazar a escritura até 13 de Outubro de 2006, consoante se constata da sequência cronológica que consta dos factos dados por provados.

    9. Sublinhe-se a este propósito que, a essencialidade do prazo, sempre teria que ser demonstrada pela parte a quem aproveitava, podendo consultar-se a este propósito Calvão da Silva, em Sinal e Contrato-Promessa, 8.ª ed. pág. 130, o que in casu nem sequer...

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