Acórdão nº 2273/10.1TBLRA-B.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 07 de Fevereiro de 2012

Data07 Fevereiro 2012
ÓrgãoCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: 1. Relatório.

D… interpôs recurso ordinário de apelação da sentença do 5º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria que qualificou a insolvência de B… – Comércio e Representação de Artigos Desportivos, Lda como culposa, considerou afectado por essa qualificação o sócio gerente, D… e decretou a inibição deste para o exercício do comércio, ocupação de qualquer cargo de titular de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa, pelo período de 24 meses.

O recorrente pede, no recurso, a revogação desta decisão e a sua substituição por outra que declare que aquela insolvência foi fortuita, que o desafecte da qualificação e que não o iniba o exercício do comércio, ocupação de qualquer cargo de titular de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa.

O apelante condensou os fundamentos da impugnação nas conclusões seguintes: ...

O Ministério Público, concluiu, na resposta, que cabe inteira razão ao recorrente.

  1. Factos Provados.

    2.1. O Tribunal de que provém o recurso julgou provados os seguintes factos: 2.1.1. Por sentença de 22 de Junho de 2010, já transitada em julgado, foi declarada a insolvência de “B… – Comercio e Representação de Artigos Desportivos, Lda”, encontrando-se matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Leiria sob o nº ---, tendo a sua sede na ... (ponto A) dos Factos Assentes).

    2.1.2. São sócios da referida sociedade D… e I…, conforme certidão do registo comercial de fls. 143 a 145 dos presentes autos (ponto B) dos Factos Assentes).

    2.1.3. Ambos eram gerentes ate 07.11.2007, data em que I… renunciou à gerência (ponto C) dos Factos Assentes).

    2.1.4. A devedora insolvente apresentou as contas dos últimos três anos (ponto D) dos Factos Assentes).

    2.1.5. A sociedade comercial “M…, Lda” encontra-se matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Anadia sob o n.º…, tendo a sua sede na Avenida… (ponto E) dos Factos Assentes).

    2.1.6. São sócios da referida sociedade D… e I…, conforme certidão do registo comercial de fls. 68 a 70 dos presentes autos (ponto F) dos Factos Assentes).

    2.1.7. Ambos eram gerentes até 07.11.2007, data em que D… renunciou à gerência (ponto G) dos Factos Assentes).

    2.1.8. O volume de vendas em 2007 foi de € 178.201,59, em 2008 foi de € 95.981,80 e em 2009 foi de € 29.364,41 (ponto H) dos Factos Assentes).

    2.1.9. A sociedade comercial referida em E) dos factos assentes consta como cliente da insolvente, sendo devedora do valor de € 5.131,88 (ponto I) dos Factos Assentes).

    2.2.10. A requerente não tem actividade desde o 1.º trimestre de 2010 (quesito 1 da Base Instrutória).

    2.1.10. Nas traseiras do armazém onde funciona a sociedade comercial referida em E) dos factos assentes, funcionava a devedora insolvente (quesito 2 da Base Instrutória).

    2.2. Aos factos referidos em 2.1. deve adicionar-se pose mostrar documentalmente provado e relevar para o conhecimento do objecto do recurso, o facto seguinte: 2.2.1. A insolvência foi requerida por um credor, no dia 22 de Abril de 2010.

  2. Fundamentos.

    3.1.

    Delimitação objectiva do âmbito do recurso.

    Além de delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, o âmbito, subjectivo ou objectivo, do recurso pode ser limitado pelo próprio recorrente. Essa restrição pode ser realizada no requerimento de interposição ou nas conclusões da alegação (artº 684 nºs 2, 1ª parte, e 3 do CPC).

    Nas conclusões da sua alegação é lícito ao recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso (artº 684 nº 2 do CPC). Porém, se tiver restringido o objecto do recurso no requerimento de interposição, não pode ampliá-lo nas conclusões Acs. do STJ de 16.10.86, BMJ nº 360, pág. 534 e da RC de 23.3.96, CJ, 96, II, pág.24..

    Maneira que, em face do conteúdo da sentença apelada e das alegações do recorrente, são duas as questões esta Relação deve resolver: a) Se a insolvência de B… – Comércio e Representação de Artigos Desportivos Lda deve ser qualificado como culposa ou simplesmente, como fortuita; b) No caso de qualificação da insolvência como culposa, se o recorrente deve ser afectado por essa qualificação.

    A resolução destes problemas exige, naturalmente, que se examinem, ainda que levemente, os pressupostos da qualificação como culposa da insolvência e da afectação do recorrente por essa qualificação e, finalmente, as consequências jurídicas dessa afectação.

    Os elementos assim obtidos permitirão, depois, regressar ao caso objecto do recurso e resolver a questão concreta controversa que constitui o seu objecto.

    3.2.

    Qualificação da insolvência.

    O processo de insolvência é uma execução colectiva ou universal (artº 1 do CIRE).

    Na acção executiva promove-se, em geral, a realização coactiva de uma única prestação contra um único devedor e, em observância de um princípio de proporcionalidade, apenas são penhorados e excutidos os bens do devedor que sejam suficientes para liquidar a dívida exequenda (artºs 828 nº 5, 833 nº 1 e 832 nº 1 a) do CPC). Esta execução distingue-se do processo de insolvência que é uma execução universal, tanto porque nela intervêm todos os credores do insolvente, como porque nele é atingido, em princípio, todo o património deste devedor (artºs 1, 47 nºs 1 a 3, 128 nºs 1 e 3 e 149 nºs 1 e 2 do CIRE).

    Como o devedor se encontra em situação de insolvência, quer dizer, impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas, todos os credores, podem reclamar os seus créditos e todo o património do devedor responde pelas suas dívidas (artº 3 nº 1 do CIRE).

    Na execução singular, um credor pretende ver satisfeito o seu direito a uma prestação; esse credor necessita de uma legitimação formal, que é um título executivo e se o devedor for solvente obtém na acção executiva a satisfação do seu crédito (artºs 45 nº 1 e 55 nº 1 do CPC).

    No processo de insolvência podem apresentar-se todos os credores do insolvente, ainda que não possuam qualquer título executivo, porque todos eles podem concorrer ao pagamento rateado do seu crédito, através do produto apurado na venda de todos os bens arrolados para a massa insolvente.

    O processo de insolvência baseia-se na impossibilidade de o devedor saldar todas as suas dívidas e, portanto, orienta-se por um princípio de distribuição de perdas entre os credores.

    Mas para que possa iniciar-se a liquidação total do património do devedor é absolutamente indispensável que o tribunal emita uma sentença que o declare em estado de insolvência. Quer dizer: a sentença é o único título executivo susceptível de servir de base á execução universal e colectiva em que a insolvência se resolve. Proferida essa sentença, o sacrifício de todos os bens do insolvente que se segue, mais não é que a sua execução.

    No entanto, para que seja proferida a sentença de declaração de insolvência, exige a lei que o devedor se encontre em estado de insolvência. Portanto, o primeiro problema que aquela sentença deve resolver é se se verificam as condições e circunstâncias, que, no pensamento da lei, justificam a declaração daquela situação de insolvência.

    O tráfego jurídico exige a pontualidade de pagamentos porque cada operador económico, ao mesmo tempo que tem os seus devedores, tem por outro lado os seus credores, de modo que a impontualidade dos seus devedores pode obrigá-lo à impontualidade para com os seus credores, e este efeito reflecte-se na actividade económica, trazendo as mais graves e perversas consequências. A regularidade da vida económica e a salvaguarda das regras de concorrência inerentes e indispensáveis ao funcionamento de uma economia de mercado reclama que cada operador económico cumpra, com pontualidade, os seus compromissos; quando isso não suceda, ocorre uma lesão do tecido económico que deve ser reparada, extirpando-se dele, através da declaração de insolvência, o devedor comprovadamente relapso e promovendo-se liquidação total do seu património em benefício de todos os seus credores A insolvência tem também, na verdade, por finalidade expurgar do mercado as empresas, económica ou financeiramente, inviáveis: Ac. do STJ de 14.11.06, www.dgsi.pt..

    O que, portanto, caracteriza, essencialmente, o estado de insolvência é a impossibilidade de o devedor solver os seus compromissos (artº 3 nº 1 do CIRE).

    O estado de insolvência traduz-se, portanto, numa impotência económica – a impotência para fazer face às obrigações assumidas. Note-se que não é necessário que a impossibilidade do cumprimento diga respeito a todas as obrigações; basta, para que o devedor se considere em estado de insolvência, que a impossibilidade de pagamento se refira às obrigações que, pelo seu significado no conjunto do património do devedor, ou pelas circunstâncias específicas envolventes do não cumprimento, tornem patente, a impotência económica daquele para assegurar a satisfação da generalidade das suas obrigações.

    Essa impotência constitui, evidentemente, uma realidade diversa da simples superioridade do passivo relativamente ao activo. O devedor pode estar impossibilitado de pagar aos seus credores e, no entanto, ter um activo superior ao passivo. E o inverso também é verdadeiro: o devedor pode, em dado momento, ter um activo inferior ao passivo, mas dispor de crédito, i.e., da possibilidade de mobilizar, por recurso a terceiros, disponibilidades monetárias que lhe permitam os compromissos para com os seus credores, à medida que se vão tornado exigíveis Manuel de Andrade – Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. II, Facto Jurídico, em Especial Negócio Jurídico, Reimpressão, Coimbra 1998, pág. 110..

    Deficit patrimonial ou insuficiência do activo e impossibilidade de cumprimento das obrigações vencidas não são, portanto, situações absolutamente coincidentes.

    É claro que a insuficiência do activo...

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