Acórdão nº 497/08.2TBTNV.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 07 de Fevereiro de 2012

Magistrado ResponsávelBARATEIRO MARTINS
Data da Resolução07 de Fevereiro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra: I – Relatório A...

e esposa B...

, residentes na Rua X...

, Riachos, propuseram a presente acção de demarcação, sob a forma de processo ordinário, contra C...

, residente à Rua ..., Riachos, alegando: Que são donos do prédio misto inscrito na matriz predial rústica da freguesia de Riachos sob o art. Y....º e na matriz predial urbana da mesma freguesia sob o art. Z....º; sendo o R. dono do prédio urbano inscrito na matriz predial sob o artigo W....º.

Que o prédio dos AA. confina com o do R. a poente.

Que não há marcos ou quaisquer outros sinais a delimitar os prédios (uma vez que o muro com 15 metros de extensão ali existente ainda fica aproximadamente 3 metros dentro do prédio dos AA.) e não conseguem chegar a acordo quanto à definição e demarcação da linha divisória entre os prédios, uma vez que para os AA. a estrema é 3 metros a poente de tal muro e para o R. coincide com o muro.

Que, “do mapa cadastral, infere-se que a linha divisória entre os 2 prédios segue em linha recta desde a estrema norte à sul dos AA. nada fazendo crer que essa mesma linha acompanha o muro”, não exercendo o R. “quaisquer actos de posse sobre aquela mesma faixa de terreno situada entre o muro do prédio dos AA. e a estrema do seu próprio prédio”.

Razão por que, subsistindo a dúvida quanto à linha divisória, pedem que “se proceda à demarcação das estremas, nos termos legais, a fim de delimitar a linha divisória entre o prédio dos AA. e do R.

” O R. contestou, alegando que não existe qualquer incerteza relativamente à delimitação física entre o seu prédio e o dos AA.; que é, segundo o R., o muro referido na PI, acrescentado que ele e os antepossuidores do seu prédio utilizam, há mais de 60 anos, toda a parcela de terreno que fica a poente de tal muro.

Os AA. replicaram, mantendo o alegado na PI.

Foi proferido despacho saneador – em que se julgou a instância totalmente regular, estado em que se mantém – e organizada a matéria factual com interesse para a decisão da causa; após o que foi realizada a audiência, tendo sido proferida sentença em que se julgou a acção totalmente improcedente e em que se condenaram os AA. como litigantes de má fé.

Inconformados com tal decisão, interpuseram os AA. recurso de apelação, visando a sua revogação e a substituição por outra que defina a “linha” definida conforme o sustentado na PI; terminam a sua alegação com as seguintes conclusões: 1. O direito de demarcação peticionado pelos AA. encontra previsão legal no artigo 1353º do Código Civil, nos termos do qual assiste ao proprietário o poder de obrigar os donos dos prédios confinantes a concorrerem para a demarcação das extremas.

  1. Nos termos do artigo 1354º do Código Civil tal demarcação é feita, em primeira instância, em conformidade com os títulos de cada um e, na falta de títulos suficientes, então sim, de harmonia com a posse em que estejam os confinantes ou segundo o que resultar de outros meios de prova.

  2. Atenta a segurança e a certeza jurídica subjacentes a todo o sistema de direito registral no ordenamento jurídico português, confiamos, antes de mais, em que o prédio dos AA. tem a área total de 2720 m2, sendo 120m2 de área coberta e 2600 m2 de área descoberta; 4. Já o prédio do R. tem 168 m2 de área coberta e 549, 92 m2 de área descoberta.

  3. Analisando os documentos juntos aos autos, a delimitar-se o prédio do R. com a configuração do mesmo, por ele pretendida e judicialmente peticionada, estar-se-ia a atribuir ao prédio do R. uma área superior à, por ele, adquirida, registada, e constante do titulo, em 72,08 m2.

  4. Tal área faz, antes, parte do prédio dos AA. e corresponde na integra à parcela de terreno adjacente ao muro, que confina com o prédio do R. mas que é área integrante do prédio dos AA.

  5. É sobre o prédio com tal configuração e com a área devidamente registada que os AA. são sujeitos passivos de Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas.

  6. Não existindo, até ao presente, e por parte dos RR. qualquer reclamação junto do Instituto Geográfico Português, no sentido de alterar a matriz cadastral do seu prédio.

  7. Sempre se dirá que “Não estando provado como ou a que título se iniciou a detenção de um prédio, a posse só se poderia ter constituído na esfera jurídica do interessado através do apossamento. Adquirida a posse, é ainda indispensável à aquisição por usucapião que a posse se mantenha durante um determinado lapso de tempo.”cf, Ac. STJ de 03/02/2011 disponível em www.dgsi.pt 10. Em nada releva para efeitos de prova da delimitação dos prédios dos AA. e R. – “ A existência de um muro… não constitui obstáculo à demarcação” (ARP de 15/11/1993).

  8. A mera detenção ou a posse precária não conduz à usucapião, excepto invertendo-se o título de posse (art. 1253.º e 1290.º do CC).

  9. Ao fazer uma incorrecta aplicação do preceituado no artigo 1354º do C.C., mal andou o Tribunal a quo quando deu como provados os artigos 7º e 8º da Base Instrutória, constituindo-os o fundamento da demarcação dos prédios dos recorrentes e recorridos, com prejuízo para a delimitação definida pelos títulos de propriedade das partes.

  10. A pretensão dos recorrentes em impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto no sentido de requerer a reapreciação da prova gravada em audiência, encontra-se limitada porquanto se constatou que não se encontram transcritos no suporte apresentado os depoimentos das testemunhas D...

    , E...

    , F...

    e G...

    , prestados na audiência de julgamento datada de 01-02-2011, entre as 10h12m e as 11.00h.

  11. “O fundamento de uma acção de demarcação é não haver acordo entre as partes sobre a linha de demarcação”.

  12. O facto de existirem divergências entre os ora Recorrentes e o Recorrido quanto à linha divisória da propriedade, nos sentido de os primeiros entenderem que a mesma coincide com a linha recta traçada desde a estrema norte à estrema sul do seu prédio, reproduzida alias na planta da matriz cadastral e coincidente com a área descrita no titulo de propriedade, e de o segundo ser peremptório em afirmar que tal divisão coincide com a linha de um muro existente entre os dois prédios, revela a existência de um litigio, de um desacordo, que é fundamento, não só da acção de demarcação, por si só, como do recurso à via judicial, uma vez que “ a ninguém é licito o recurso à força com o fim de realizar ou assegurar o seu próprio direito.” 16. Da prova produzida em audiência, quer dos documentos trazidos pelas partes aos autos, quer das versões apresentadas pelas partes nos seus articulados, resulta a existência de um contenda entre recorrentes e recorrido, para a solução da qual é própria a acção de demarcação.

  13. Por outro lado, ainda no plano dos conceitos, e contrariamente ao que decidiu o Tribunal “ a quo” diríamos que, conforme preceitua, o nº 2 do artigo 26º do CPC o interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da acção.

  14. Ora perante a controvérsia entre Recorrentes e Recorrido, no que respeita à delimitação dos prédios de que são proprietárias, não podemos concordar com a decisão recorrida quando decide, se mais, condenar os recorrentes por falta de fundamento da sua pretensão, em termos que não o poderiam ignorar.

  15. A condenação como litigante de ma fé não deve pois sancionar a simples circunstância de a parte não conseguir provar os factos que alegou; a resposta negativa a determinados quesitos não significa que se prove o contrário, apenas que a prova não resultou – cf. Acórdão do STJ de 16.03.2000.

  16. E mais, como é entendimento corrente da doutrina e da jurisprudência, a sustentação de teses controvertidas, bem como a interpretação de regras de direito, ainda que especiosamente feitas, pode consubstanciar uma lide temerária ou ousada, mas não integra litigância de ma fé…- cf. Acórdão do STJ de 16.01.2002 21. Ainda que qualifique, pois, a pretensão dos ora recorrentes como ousada, ou “ no mínimo temerária “ (reproduzindo a decisão de que se recorre), qualificação com a qual, adiante-se, não concordamos, porquanto traduz a pretensão dos recorrentes apenas uma posição legitimada pelo disposto no artigo 1353º do Código Civil; 22. “A condenação por litigância de má fé pressupõe a existência de dolo ou grave negligência, não bastando uma lide temerária, ousada, ou uma conduta meramente culposa.” 23. Assim, “ a simples formulação de pedidos ilegítimos ou improcedentes – do que não se trata in casu – se não provada a intenção de se defraudar o sentido da justiça, o principio da celeridade processual ou dos interesses da contraparte, mesmo quando a improcedência seja patente, não é determinante da qualificação da litigância como de má fé” – Cf. Acórdão do STJ de 11.01.2001) 24. Donde resulta, pois, da decisão de que o Tribunal “ a quo” fez uma incorrecta interpretação da alínea a) do nº 2 do artigo 456º do CPC.

    O R. respondeu, sustentando, em síntese e a final, que a sentença deve ser mantida; terminou a sua alegação com as seguintes conclusões: 1 - No caso vertente, resulta da factualidade provada que existe desde há mais de 60 anos uma linha divisória nítida a separar os prédios dos Recorrentes e do Apelado, (muro divisório) a qual foi traçada com o acordo dos antepossuidores daqueles dois referidos prédios.

    2 - Na acção de demarcação não basta alegar que os prédios em causa são confinantes e que há dúvidas quanto às estremas; é indispensável invocar a necessidade objectiva, a premência de fixar a linha...

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