Acórdão nº 41/07.7FDCBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 15 de Fevereiro de 2012

Magistrado ResponsávelPAULO GUERRA
Data da Resolução15 de Fevereiro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I - RELATÓRIO 1.

No processo comum singular n.º 41/07.7FDCBR do Tribunal Judicial da Sertã, por sentença datada de 21 de Outubro de 2011, foi decidido condenar o arguido A...

[1]: · pela prática, em co-autoria material, na forma consumada, de um crime de exploração ilícita de jogo, p. e p. pelos art.ºs 4º/1 g), 108º/1 e 2 e 155º do DL 422/89 de 2/12, após as alterações do DL 10/95 de 19/1, do DL 40/05 de 17/2, da lei 28/04 de 16/7 e Lei 64-A/2008 de 31/12, nas penas de 12 meses de prisão, substituída por 360 dias de multa, e 165 dias de multa, ou seja, na multa unitária de 525 dias, à taxa diária de € 9, o que perfaz o montante global de € 4725.

2.

Inconformado, o arguido A...recorreu da sentença, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição): «DA DECISÃO PROFERIDA SOBRE A MATÉRIA DE FACTO A. No que se refere à factualidade tida como provada, entende, desde logo, o Recorrente, e sempre com o devido respeito por opinião contrária, estar a douta Sentença ora recorrida inquinada do vício do erro notório na apreciação da prova (fundamento bastante para o presente recurso, nos termos do disposto no art. 410°, n.° 2, al. c), do C.P.Penal), relativamente aos factos dados como provados em 5), 7) e 8), factualidade fulcral para a condenação do Recorrente A..., a qual parece decorrer de uma interpretação pessoal e própria. Isto porque, B. Não obstante, tudo o vertido na douta Sentença recorrida, pelo Digníssimo Tribunal “a quo”, no que à fundamentação da sua convicção sob tais pontos de facto se refere, a verdade é que, a assumpção dos mesmos como assentes, teve por base, não uma qualquer prova concreta ou mesmo conclusões irrefutáveis e decorrentes obrigatoriamente de factos tido como provados, mas sim, única e exclusivamente, verdadeiras deduções e juízos de valor [atente-se o “cunho e convicção marcadamente pessoal” que resulta à saciedade quando “aborda” e se “serve” aquele Meritíssimo Juiz da actividade profissional do ora Recorrente e dos seus antecedentes criminais] que, entende modestamente o Recorrente não deveriam e não poderiam ter tido lugar, e culminaram em conclusões prováveis e, aos olhos daquele Tribunal, mais susceptíveis que outras.

  1. Bastando, para tal, aferir do douto raciocínio do Digníssimo Tribunal “a quo” quanto à valoração das declarações prestadas pelas testemunhas da Brigada Fiscal da GNR, na medida em que, e conforme bem resulta, relativamente à propriedade da máquina apreendida, essas testemunhas se limitaram a confirmar o vertido no Auto de Notícia e relatar ao Tribunal “a quo” aquilo que a eles foi transmitido/dito pelo identificado arguido dos autos B....

  2. Porquanto, ao fundamentar essa sua decisão no depoimento daquelas testemunhas da GNR, e, sendo a “parte essencial” desse depoimento o relatar ao Tribunal “a quo” daquilo que lhes foi (às testemunhas] transmitido pessoalmente por aquele arguido B…, estamos no caso presente, e desde logo [independentemente do que venha vertido na douta Sentença sob recurso acerca de tal matéria], perante uma valoração daquilo que a nossa lei processual penal chama de “Depoimento Indirecto”, valoração essa, a qual, nos termos do preceituado no n.° 1 do art. 129° do C.P.Penal, não poderia ter ocorrido, E. Na medida em que, as declarações dessas testemunhas, na parte em que confirmam o vertido no Auto de Notícia, quanto a uma qualquer identificação do proprietário da máquina dos autos, reproduziram aquilo que lhe havia sido então transmitido por aquele identificado arguido, e por se reportarem a um autêntico discurso “indirecto” do mesmo (que, em sede de audiência, fazendo uso de um seu direito legal, não prestou declarações sobre os factos), não poderiam assumir uma qualquer relevância para a formação da convicção do Tribunal “a quo”.

  3. Até porque, sempre se entende que, o “colher informações das pessoas que facilitem a descoberta dos agentes do crime e a sua reconstituição” — vertido na alínea b) do n.° 2 do art. 249° do C.P.Penal —, de modo algum poderá ser interpretado de molde a que uma identificação feita por dos “agentes da infracção” possa ser entendida e catalogada como um qualquer meio, “legal”, cautelar de obtenção de prova, ainda que mais não seja perante o silêncio, “legalmente válido”, daquele arguido em sede de audiência de julgamento.

  4. Pois que, «no que respeita à recolha de informações úteis relativas ao crime, é ressalvado, em relação ao suspeito, o cumprimento do disposto no art. 59° do C.P.Penal - n.° 8° do art. 250° do C.P.Penal. Isto é, sempre que surja fundada suspeita de que a fonte da informação possa coincidir com o arguido de um crime, o órgão de polícia criminal suspende d imediato o pedido de informações, sob pena de tais informações não puderem ser usadas contra ela.» - Cfr. douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 29-04-2010, proferido no âmbito do Proc. 1670/09.OYRLSB-9 e disponível in www.dgsi.pt, H. Donde, a ainda segundo o vertido naquele mesmo douto Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, de 29-04-2010, «No caso dos autos [do recurso em apreço, mas, em situação factual em tudo similar ao caso presente], tendo o arguido usado em audiência o seu direito ao silêncio, não poderiam as suas declarações, prestadas perante os agentes da ASAE, antes ou depois de ter sido constituído arguido, serem usadas como o foram, para comprovar a prática de qualquer ilícito criminal ou contra-ordenacional».

    I. Sendo de atender ainda, em tudo o melhor exposto naquele mesmo douto Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, de 29-04-201 0, no sentido da proibição total de valoração das declarações prestadas, independentemente de o haverem sido antes ou depois da constituição como arguido da pessoa que as presta, designadamente no que alude ao vertido nos Acórdãos do S.T.J., de 11/7/01, de 7/2/01 e de 10/1/01, e Acórdão da Relação de Évora, de 13/1/2004.

  5. Da análise do art. 61° do C.P.Penal, o qual deverá ser entendido como verdadeiro “estatuto do arguido”, dos direitos e deveres daí decorrentes para o mesmo, e da sua aplicação ao caso presente, sempre resulta, que «se a inquirição, no processo, de uma pessoa suspeita da prática de um crime, com violação ou omissão das formalidades previstas nos n°s 1 a 3 do art. 58°, implica, por exigência das garantias de defesa, que as declarações prestadas pela pessoa visada não possam ser utilizadas como prova contra ela, não se divisa qualquer razão plausível para que uma conversa informal com uma pessoa que ainda não tem o estatuto de arguido, nem tem, por isso e nomeadamente, o direito de ser assistida por defensor, ou tendo tal estatuto não foi assistida por defensor (conversa essa, aliás, tida, sabe-se lá, em que circunstâncias, não sendo até de excluir uma errada interpretação das palavras da pessoa visada), não tenha o mesmo tratamento.» - Cfr. douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 29-04-2010, proferido no âmbito do Proc. 1670/09.OYRLSB-9 e disponível in www.dgsi.pt. (negrito e sublinhado nossos).

  6. No caso presente, e atento todo o circunstancialismo em que se deu a aludida conversa entre os agentes do OPC e o arguido B..., nunca uma alegada “confissão” — assumpção de responsabilidade na exploração do estabelecimento comercial dos autos — e, bem assim, “identificação” — indicação do titular do aludido número de telefone como proprietário da máquina dos autos - proferidas por aquele poderiam haver sido valoradas em sede de convicção do Digníssimo Tribunal “a quo” — Cfr., neste sentido, douto Acórdão do Venerando Tribunal da Relação do Porto, de 15-12-2010, proferido no âmbito do Proc. 3/10. 7PCPRT.P1 - 4• Secção, disponível in www.dgsi.pt), L. Desde logo porque, tendo a deslocação dos Agentes de OPC, ainda que em momento anterior à existência de inquérito, se ficado a dever, mais que não fosse, a uma suspeita da presença naquele local de uma máquina de jogo ilícita, os Senhores Agentes ao abordarem naquele local o arguido B...já o fizeram, naturalmente, por suspeitarem de que havia o mesmo cometido uni acto ilícito, seja, já o fizeram por suspeitarem de que havia o mesmo cometido um qualquer acto ilícito.

  7. De modo que, e conforme o vertido no já supra referido douto Acórdão do Venerando Tribunal da Relação do Porto, de 15-12-2010, atendendo-se ao preceituado no art. 61°, n.° 1 do C.P.Penal, no que se refere aos direitos e deveres processuais do arguido, sempre «do texto da norma entendemos que resulta que se à abordagem pelo OPC preside uma suspeita de prática de ilícito penal, então o indivíduo terá, logo inicialmente, que ser constituído arguido, antes de qualquer declaração sobre os factos», N. Devendo, por isso, concluir-se que, tendo aquele arguido B...prestado declarações sobre os factos, seja, tendo “confessado” e “identificado” o co-autor dos factos que ora se pretendem ver assacados aos arguidos, em momento anterior à sua constituição como arguido, não podem essas suas declarações ser valoradas pelo Digníssimo Tribunal, porque a isso obsta a lei, O. O mesmo sucedendo, com as declarações dos Agentes de OPC (mesmo na parte em que “confirmam expressamente tudo o vertido no Auto de Notícia”), que reproduzem as declarações do arguido B..., pois que, relatam o conteúdo de uma prova ilegal, resultando da sua valoração uma clara violação da lei — Cfr., neste sentido, o já supra referido douto Acórdão do Venerando Tribunal da Relação do Porto, de 15-12-2 010, proferido no âmbito do Proc. 3/10.7PCPRT.P1 — 4.° Secção, disponível in www.dgsj.pt).

  8. De modo que, no que se refere à fundamentação da douta Sentença recorrida quanto aos pontos de facto supra referidos, atento o facto de se haver fundado em verdadeiros “depoimentos indirectos” prestados pelas testemunhas agentes da GNR, não corroborados por uma qualquer forma em sede de audiência, bem como, a essencialidade de tais factos como provados para se concluir pela prática por parte do ora Recorrente do crime pelo qual vinha acusado, sempre haverá que concluir-se...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT