Acórdão nº 1324/09.7TBMGR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 29 de Fevereiro de 2012
Magistrado Responsável | BARATEIRO MARTINS |
Data da Resolução | 29 de Fevereiro de 2012 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra I – Relatório A..., S.A.”, com sede na ..., Matosinhos, intentou a presente acção declarativa, com processo sumário, contra B...
, viúvo, comerciante, residente na Rua ..., Vieira de Leiria, pedindo que este “(…) seja condenado a pagar-lhe a quantia global de € 17.624,84 – sendo € 3.666,67, pela indemnização prevista no nº 3 da cláusula 9ª; € 8.538,75, pela devolução da contrapartida concedida, deduzida da parte proporcional correspondente à quantidade de café adquirida pelo R. (537 kg); € 5.419,42, referente aos juros vencidos sobre € 8.538,75, contados à taxa de 13%de 13.09.2004 até 31.07.2009 – acrescida de juros à taxa de 13%, sobre a quantia de € 8.538,75, computados desde 31/07/2009, e de juros à taxa para as dívidas comerciais, que actualmente é de 8 %, sobre a quantia de € 3.666,67, computados desde a citação da R., ambos até à data do efectivo e integral pagamento.” Alegou, em síntese, que, em 06 de Agosto de 2004, celebraram um contrato denominado de compra exclusiva, nos termos do qual o Réu – enquanto dono do “Restaurante C...
”, sito na Praia da ... – se comprometeu, durante um período até 5 anos, a comprar-lhe e a consumir no seu estabelecimento (em exclusivo, não vendendo café doutras marcas) 40 kg por mês e um total de pelo menos 2.400 kg de café torrado da marca “X...” e lote “Selection”, tendo recebido da Autora, como contrapartida, a quantia de € 13.090,00 (sendo € 2.090,00 de IVA), sucedendo, porém, que a Ré apenas consumiu 537 kg daquele café até ao início de Julho de 2009; razão pela qual a Autora – concedendo-lhe o contrato a faculdade de o resolver caso o Réu não atingisse o volume mensal de 40 kg durante 6 meses seguidos ou 12 interpolados – resolveu o contrato por carta que lhe enviou em 07/07/2009; vindo pois aqui solicitar as indemnizações previstas no contrato para o incumprimento contratual por parte do Réu.
O Réu contestou, alegando que não acordaram ou negociaram o que consta do contrato; que comunicou à A. que não tinha hipótese de atingir o volume de vendas mensal previsto na cláusula 3ª; que a A. não lhe deu qualquer hipótese de negociar a referida cláusula, referindo-lhe, contudo, que não se deveria preocupar com a mesma, já que passados 5 anos poderia assinar outro contrato; que, ao fazerem constar na cláusula 7ª do contrato a obrigatoriedade de promoção pelo R., pretenderam ambas as partes, tão só, que o R. ficasse com a obrigação de publicitar os produtos de café da primeira, o que o R. cumpriu escrupulosamente, ostentando, durante mais de 5 anos, em vários locais do seu estabelecimento, os produtos comercializados pela A., publicidade que justifica a quantia por si recebida, já que o seu estabelecimento está situado na parte mais central da Praia da .... Concluiu pois pela improcedência da acção e pela sua absolvição do pedido.
A Autora respondeu, dizendo que todo o conteúdo contratual foi bem combinado e explicado, tendo sido acordados todos os seus elementos essenciais através de negociação individual, nomeadamente, o âmbito de exclusividade, os montantes e modalidades das contrapartidas, a duração e volume das vendas, mensal e total. Manteve assim a totalidade do alegado na PI e concluiu do mesmo modo.
Foi proferido despacho saneador – que declarou a instância totalmente regular, estado em que se mantém – organizada a matéria factual com interesse para a decisão da causa, instruído o processo e realizada a audiência, após o que a Exma. Juíza proferiu sentença em que julgou a acção totalmente procedente e, em consequência, condenou o Réu no pedido formulado pela Autora.
Inconformada com tal decisão, interpôs o R. recurso de apelação, visando a sua revogação e a sua substituição por decisão que julgue a acção totalmente improcedente e que o absolva do pedido.
Terminou a sua alegação com as seguintes conclusões: 1. Foi o R. condenado no pedido formulado pela A, no total de 17.624,84 € sobre as verbas detalhadas no artigo 17º da pi. e que em síntese se cingem a uma compensação indemnizatória por incumprimento contratual e devolução de uma contrapartida paga na assinatura do contrato causal, ao que acrescem juros.
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A decisão ora em apreço não pode manter-se porque violou as mais elementares regras de interpretação dos contratos, julgou a matéria de facto relativamente ao conteúdo do contrato contra o texto expresso no mesmo e acabou por permitir a utilização abusiva dos meios processuais através de um esquema negocial orquestrado e redigido pela A. com sofisma e o objectivo de conseguir uma vantagem patrimonial injustificada.
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Funda-se a parte indemnizatória do pedido a quantia de 3.666,67 €, na cláusula 3ª do contrato, e aqui está a primeira razão deste impugnação na medida em que foi entendido que nos termos dessa cláusula o R. ficou obrigado a consumir 40 Kg de café por mês quando a cláusula diz textualmente que o revendedor se obriga a comprar café ao fornecedor mas que visa com essas compras atingir 40 Kg por mês.
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Em defesa da sua leitura do contrato o R. acrescenta que a expressão "obriga-se" consta das cláusulas 3ª, 4º e 6ª mas não na parte que se refere aquele consumo onde conta "visa atingir".
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Ora, se a R. não se obrigou a gastar aquele volume mas antes quiseram as partes estabelecer um objectivo óptimo, pelo menos o R. - e esta é a leitura possível para um declaratário normal colocado na situação dele - não pode falar-se em incumprimento contratual e muito menos culposo, donde se justifica já uma revisão da decisão.
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Mas, ainda que pudesse falar-se que tenha sido estabelecida validamente aquela obrigação, sempre se verifica também que o contrato de compre e venda em regime de exclusividade agora em análise foi proposto pela A. ao R e assinado depois de ela ter feito um estudo de mercado para ajuizar das previsões de vendas; e, ou ela fez mal essas contas ou usou de ostensiva má fé ao colocar aquele volume de vendas no contrato o que tudo conduz sensivelmente à mesma conclusão: "sibi imputat".
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Foi até referido pelas testemunhas arroladas pelo R., com grande relevo, que a A solicitou e conferiu a facturação anterior do estabelecimento para fazer os seus cálculos o que poderia levantar dúvidas sobre se não teria sido induzida em erro pelo R.
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Mas, a verdade é que esse facto, as tais dúvidas, que poderia interessar à A, não foi alegado, nem indiciado nem tem qualquer suporte factual e antes pelo contrário.
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Ora, se foi a A que propôs este contrato ao R. porque há-de ser o R a pagar pelo erro se a ele não deu causa… 10. Só se fosse por causa da redacção da cláusula 3ª nº 2 quando diz que "“no caso de as compras ao Revendedor não atingirem durante 6 meses seguidos ou 12 interpolados a quantidade prevista no número anterior, poderá o fornecedor resolver o contrato (destaques nossos) com efeitos imediatos ficando essa resolução sujeita aos efeitos consignados nos artigos 2, 3 e 4 da cláusula 9ª".
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Porém esta cláusula que atribui ao revendedor o poder de resolver o contrato remete para a figura jurídica da "resolução contratual" ou seja declaração unilateral de uma parte por incumprimento culposo e definitivo da outra parte.
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Se não se verificarem os pressupostos da responsabilidade civil contratual a cláusula não pode actuar e parece que aqui é o caso na medida em que, primeiro não se verifica a condição: expressão inequívoca da obrigação de atingir um volume de vendas; depois porque não se verifica a culpa no incumprimento à míngua de qualquer facto que possa fazer um juízo de imputação ao R pela não venda do café.
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Aliás se a prestação do R fosse essa de vender um volume certo de café seria uma prestação de validade muito duvidosa por se tratar de factos fora do seu domínio, como seja o comportamento de mercado e consumidores, a qualidade do café que não é dele mas sim da A ou seu fornecedor etc.
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Parece-nos pois, que no trecho daquela cláusula 3ª nº 2 subentende-se, por força da formulação legal, o inciso: " se por culpa sua", no caso das vendas ao revendedor não atingirem … 15. Na cláusula 7ª refere-se que a A paga uma contrapartida ao R pelas assumidas obrigações de compra, promoção e venda de café, em regime de exclusividade, acrescentando ainda a cláusula 10ª que essa fidelização seria pelo período de 5 anos.
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Pensou o R. que iria receber uma contrapartida pelos referidos ónus e serviços a que se sujeitou mas acabou surpreendido pela acção da autora onde agora alega que afinal essa verba não foi contrapartida da exclusividade, promoção do produto, longevidade do contrato e outros mas antes um desconto em função da quantidade de café a adquirir.
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Temos aqui um efeito surpresa que parece absurdo, foi acolhido na decisão "a quo" mas, na nossa má opinião e com todo o respeito por outras melhores, terá de ser revogado porque contraria uma menção expressa e inequivocamente assumida pelas partes que é aquela formulação da Clª 7ª.
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No final parece-nos inequívoco que a sentença "a quo" permitiu uma descarada utilização abusiva dos meios legais e processuais na medida a procedência da acção não pode deixar de constituir um incentivo a um agente económico de continuar a utilizar ardilosos e ambíguos esquemas negociais destinados a ludibriar a justiça e extorquir dinheiro a terceiros.
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A acção devia ser julgada totalmente improcedente com fundamento no artigo 334º do Cod. Civil, ou por falta de fundamentos legais, uma vez que não se podem considerar provados o objecto do contrato nem os pressupostos da responsabilidade contratual que ilumina a pretensão da A.
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Foram violados os comandos dos artigos 236º, 238º, 227º, 334º, 798º do Código civil que deveriam ter a interpretação que se defende nas partes I a X e que aqui se dão por integralmente reproduzidas para evitar repetições perturbadores da boa leitura: art.º 238 – Parte I; Artigo 237º -Partes II, V e IX; art.º 798º -Parte VI e art.º 334º -Parte X 21. Pelo que deve a ser revogada a sentença e substituída por outra que julgue a...
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