Acórdão nº 689/11.5TBLSA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 29 de Fevereiro de 2012

Magistrado ResponsávelHENRIQUE ANTUNES
Data da Resolução29 de Fevereiro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: 1.

Relatório.

I… promoveu, no Tribunal Judicial da Comarca da Lousã, contra C…, Lda. a declaração da insolvência da última.

Fundamentou a sua pretensão no facto de no dia 30 de Outubro de 2008 ter celebrado com a requerida um contrato promessa de compra e venda, por 13 500 000$00, de uma fracção a constituir em propriedade horizontal, no qual se convencionou que o prédio estaria pronto em 30 de Outubro de 2000, tendo, porém, a licença de utilização do prédio sido emitido apenas em 23 de Abril de 2007, de, passado 13 anos, a requerida lhe não ter entregue a fracção nem devolvido o sinal pagos, incumprindo, definitivamente, o contrato, pelo que pediu, na acção que corre termos, naquele tribunal, sob o nº 384/11, a resolução do contrato e a restituição do sinal, e de a requerida, cuja actividade comercial se encontra paralisada e contra quem decorrem vários processos judiciais, se encontrar numa situação de inviabilidade económica e sem possibilidades de recuperação.

A requerida – citada por determinação do Sr. Juiz de Direito - defendeu-se, por excepção dilatória, alegando que quem incumpriu definitivamente o contrato promessa foi a requerente, por não ter comparecido na escritura, marcada para o dia 30 de Junho de 2008, e que, a acção nº 384/11 tem o mesmo objecto e pedidos da que correu termos sob o nº 788/08, na qual a requerente alegou que tinha posto termo, com justa causa, ao contrato e que acabou com a sua absolvição do pedido, pelo que a requerente, por não ser sua credora, não tem legitimidade para deduzir o pedido de insolvência, e, por impugnação, afirmando que mantém a sua actividade e tem um activo e um passivo, no valor de € 5 373 757,90 e de € 1 186 077,77, respectivamente.

Por despacho de 24 de Outubro de 2011, o Sr. Juiz de Direito, depois de observar que o processo de insolvência é ainda, de certo modo, um processo executivo, residindo a sua especificidade no carácter colectivo ou universal da execução, que lei trata os requisitos do crédito cuja satisfação coactiva é susceptível de ser realizada no processo de insolvência a propósito da legitimidade para apresentar o pedido de insolvência, que essa legitimidade radica, entre outros, no credor, seja qual for a natureza do crédito e ainda que este seja condicional, mas que no caso em apreço, se constata que a requerente não tem sobre a requerida o crédito invocado, e que tendo presente a decisão proferida na acção 788/08 teremos de concluir que aquando da marcação da escritura pública por parte da requerida o contrato não se encontrava incumprido por parte desta, pelo que a falta de comparência à mesma por parte da requerente consubstanciou um verdadeiro incumprimento definitivo do contrato prometido, tanto mais que resulta do alegado pela requerente naquela acção e da carta junta a fls. 247 que a mesma deixou de ter qualquer interesse em cumprir o contrato prometido, sendo a sua falta à assinatura da escritura pública um acto inequívoco da sua recusa em o cumprir, não podendo a posterior dação em cumprimento por parte da requerida do imóvel consubstanciar qualquer incumprimento do contrato prometido uma vez que o mesmo se encontrava definitivamente incumprido por parte da requerente, concluiu que não tem a requerente qualquer direito de crédito sobre a requerida resultante do alegado incumprimento do contrato prometido e, com base nisso, indeferiu liminarmente o presente pedido por ilegitimidade da requerente.

Apelou, naturalmente, a requerente, que pede, no recurso, a revogação da decisão impugnada e a sua substituição por outra que decida que a requerente tem legitimidade para requerer a insolvência da requerida.

Para mostrar o desacerto da decisão recorrida, a recorrente extraiu da sua alegação estas conclusões: ...

Na resposta, a recorrida, concluiu, evidentemente, pela falta de legitimidade da requerente para o pedido de insolvência e pelo integral acerto da decisão impugnada.

  1. Factos relevantes para o conhecimento do objecto do recurso.

    Além dos factos relativos à alegação da recorrente, individualizados no relatório, estão documentalmente provados e relevam para o conhecimento do objecto do recurso, os seguintes: … 3.

    Fundamentos fáctico-conclusivos e jurídicos.

    3.1.

    Delimitação objectiva do recurso.

    Além de delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, o âmbito do recurso pode ser limitado pelo próprio recorrente. Essa restrição pode ser realizada no requerimento de interposição ou nas conclusões da alegação (artº 684 nºs 2, 1ª parte, e 3 do CPC).

    Nas conclusões da sua alegação é lícito ao recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso (artº 684 nº 2 do CPC). Porém, se tiver restringido o objecto do recurso no requerimento de interposição, não pode ampliá-lo nas conclusões[1].

    A ratio decidendi do despacho recorrido, em inteira sintonia, de resto, com o ponto de vista sustentado em ambas as instâncias pela recorrida, é a seguinte: a recorrente não é credora da recorrida; ergo, não é dotada de legitimidade para requerer a declaração de insolvência da segunda. E a falta daquela qualidade resultaria, no ver da decisão impugnada, da circunstância de o incumprimento definitivo do contrato promessa - revelado na falta de comparecimento da recorrente no acto de celebração do contrato definitivo prometido, marcado pela apelada - lhe ser imputável.

    A isto opõe a recorrente que ao despacho impugnado, sem a acção declarativa que corre termos entre as partes, na qual se discute quem incumpriu o contrato promessa, se mostrar resolvida, não era lícito decidir que o contrato promessa foi incumprido por si, e que a sentença proferida na acção nº 788/88, só vincula as partes, no que toca à mesma causa de pedir e pedido.

    Nestas condições, tendo em conta o conteúdo da decisão recorrida e das alegações da recorrente, o problema que o acórdão deve resolver é o de saber se a apelante é ou não dotada de legitimidade para promover a declaração de insolvência.

    O exame deste problema reclama que se toquem, ainda que só levemente, os pressupostos ou condições da acção de insolvência, designadamente, os relativos à obrigação susceptível de ser realizada coactivamente e, claro, os parâmetros de aferição da legitimidade para apresentar o pedido de insolvência. Estas questões trazem imbricadas duas outras: a dos pressupostos da resolução do contrato promessa de compra e venda e a da eficácia da composição definitiva da acção que correu entre as mesmas partes sob o nº 788/88.

    3.2.

    Pressupostos objectivos da declaração de insolvência.

    O processo de insolvência é uma execução colectiva ou universal (artº 1 do CIRE) Na acção executiva promove-se, em geral, a realização coactiva de uma única prestação contra um único devedor e, em observância de um princípio de proporcionalidade, apenas são penhorados e excutidos os bens do devedor que sejam suficientes para liquidar a dívida exequenda (artºs 828 nº 5, 833 nº 1 e 832 nº 1 a) do CPC). Esta execução distingue-se do processo de insolvência que é uma execução universal, tanto porque nela intervêm todos os credores do insolvente, como porque nele é atingido, em princípio, todo o património deste devedor (artºs 1, 47 nºs 1 a 3, 128 nºs 1 e 3 e 149 nºs 1 e 2 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas – CIRE – aprovado pelo DL nº 53/2004, de 18 de Março).

    Como o devedor se encontra em situação de insolvência, quer dizer, impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas, todos os credores podem reclamar os seus créditos e todo o património do devedor responde pelas suas dívidas (artº 3 nº 1 do CIRE).

    Na execução singular um credor pretende ver satisfeito o seu direito a uma prestação; esse credor necessita de uma legitimação formal, que é um título executivo e se o devedor for solvente obtém na acção executiva a satisfação do seu crédito (artºs 45 nº 1 e 55 nº 1 do CPC).

    No processo de insolvência podem apresentar-se todos os credores do insolvente, ainda que não possuam qualquer título executivo, porque todos eles podem concorrer ao pagamento rateado do seu crédito, através do produto apurado na venda de todos os bens arrolados para a massa insolvente.

    O processo de insolvência baseia-se na impossibilidade de o devedor saldar todas as suas dívidas e, portanto, orienta-se por um princípio de distribuição de perdas entre os credores.

    Como o devedor se encontra em situação de insolvência, quer dizer, impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas, todos os credores, podem reclamar os seus créditos e todo o património do devedor responde pelas suas dívidas (artº 3 nº 1 do CIRE).

    Na execução singular, um credor pretende ver satisfeito o seu direito a uma prestação; esse credor necessita de uma legitimação formal, que é um título executivo e se o devedor for solvente obtém na acção executiva a satisfação do seu crédito (artºs 45 nº 1 e 55 nº 1 do CPC).

    No processo de insolvência podem apresentar-se todos os credores do insolvente, ainda que não possuam qualquer título executivo, porque todos eles podem concorrer ao pagamento rateado do seu crédito, através do produto apurado na venda de todos os bens arrolados para a massa insolvente.

    O processo de insolvência baseia-se na impossibilidade de o devedor saldar todas as suas dívidas e, portanto, orienta-se por um princípio de distribuição de perdas entre os credores.

    Todavia, para que possa iniciar-se a liquidação total do património do devedor é absolutamente indispensável que o tribunal emita uma sentença que o declare em estado de insolvência. Quer dizer: a sentença é o único título executivo susceptível de servir de base á execução universal e colectiva em que a insolvência se resolve. Proferida essa sentença, o sacrifício de todos os bens do insolvente que se segue, mais não é que a sua execução.

    No entanto, para que seja...

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