Acórdão nº 2/09.1TBFVN.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 14 de Fevereiro de 2012

Magistrado ResponsávelBARATEIRO MARTINS
Data da Resolução14 de Fevereiro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra: I – Relatório A..., S.A.

intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo sumário, contra B...

e esposa C...

, pedindo que a) Seja declarada judicialmente a resolução do contrato de crédito celebrado entre A e RR.; e consequentemente b) Sejam os RR. condenados a restituir à A. o veículo o veículo automóvel marca Volkswagen, modelo Golf IV Diesel, com a matrícula ...; e que c) Seja reconhecido o direito ao cancelamento do registo averbado em nome dos RR..

Alegou, para tal, que, no âmbito da sua actividade, celebrou com os RR., em 28.11.2005, o contrato n.º 550229, em que lhes financiou a quantia de € 15.000,00, destinada à aquisição do veículo automóvel marca Volkswagen, modelo Golf IV Diesel, com a matrícula ...; tendo, como garantia do financiamento, sido constituída reserva de propriedade a seu favor sobre o mencionado veículo.

Por força do referido contrato, os RR. assumiram a obrigação de pagar uma prestação mensal no valor de € 341,23 por um período de 72 meses; e, não tendo pago as prestações nºs 13, 15, 17 a 19, 24 e seguintes, notificou-os (por cartas datadas de 15/01/2008) e concedeu-lhes um prazo suplementar de 8 dias úteis para pagamento das prestações em atraso, o que eles não fizeram nem entregaram o veículo, razão porque, como preliminar desta acção, requereram, com êxito, providência cautelar de apreensão do veículo.

Os RR. contestaram, aduzindo, em suma, que outorgaram com a A. um contrato de adesão, previamente elaborado, não podendo negociar o seu conteúdo; que não lhes foi entregue cópia da proposta do contrato de crédito e, consequentemente, não lhes foi facultado qualquer período de reflexão; que o contrato contém cláusulas gerais nulas por preverem obrigações indefinidas, cuja definição cabe à A. após a sua outorga e, por conseguinte, não conhecidas pelos réus no momento da sua assinatura; que o contrato é desproporcionado e leonino, consubstanciando um abuso de direito e enriquecimento sem causa para a autora; que configura um contrato de locação financeira encapotado, o que constitui fraude à lei; que, em síntese, é nulo e insusceptível de produzir efeitos.

A A. respondeu, pugnando pela validade do contrato e reiterando o teor da PI.

Proferido despacho saneador – em que a instância foi declarada totalmente regular, estado em que se mantém – organizada a matéria factual com interesse para a decisão da causa, instruído o processo e realizada a audiência, o Mm.º Juiz proferiu sentença, julgando a acção totalmente procedente.

Inconformados com tal decisão, interpuseram os RR. recurso de apelação visando, nas alegações apresentadas, a sua revogação e a sua substituição por outra que julgue a acção improcedente.

Terminam a sua alegação com as seguintes conclusões: 1.º O Acórdão recorrido viola o disposto no art. 6.º, n.º 1 do DL 359/91 de 21/09, Directivas do Conselho das Comunidades Europeias n.º 87/102/CEE de 22/12/1986, 90/88/CEE de 22/02/1990; art. 1.º do DL 446/85 de 25/10; 334.º do C. Civil.

  1. A sentença recorrida deve ser revogada e julgar-se a acção improcedente, decretando-se a nulidade do contrato de fls. 18 e 19.

  2. O art. 1º da BI deve julgar-se provado, atendendo aos depoimentos das testemunhas E...

    , que depôs a toda a matéria, com início às 14h48m07s e termo às 15h09m44s do dia 4/2/2011; e de F...

    , que depôs a toda a matéria, com início às 15h10m22s e termo às 15h21m00s de 4/2/2011, depoimentos gravados em CD pela forma digital proveniente da aplicação “Habilus Média Studio”. Sendo que F... negou peremptoriamente a entrega de tal contrato aos R.R..

  3. Sendo que, tal facto ao contrário do constante da sentença, não se limita à entrega da proposta do contrato de crédito aquando da sua assinatura, mas à sua não entrega, independentemente do seu momento temporal.

  4. O que tem relevância crucial para a sentença a proferir afinal.

  5. Por outro lado, ao não se ter dado como provado o facto vertido no art. 2º da BI, daí resulta que o contrato em causa, além de ser um contrato de crédito é um contrato de adesão.

  6. Andou mal o tribunal ao considerar válida a renuncia pelos R.R. ao exercício do direito de revogação, constante em tal proposta de contrato que foi transformado em contrato de crédito, após a aprovação desta (ponto 1, 2, 17) 8.º Pois, o contrato em causa é nulo nos termos do art. 6º nº 1 do DL 359/91, 21/9.

  7. Nulidade, essa, até conhecida pelo tribunal a quo a fls. 11, quando diz que a A., não fez prova de ter observado o dever que lhe é imposto pelo art. 6º nº 1 do DL 359/91.

  8. Nulidade, essa, que resulta ainda do facto constante no art. 1 da BI, que deve ser dado como provado.

  9. Assim, tal renúncia carece de qualquer valor legal.

  10. Por outro lado, o contrato em causa é nulo porque desproporcionado, consubstanciando uma desproporção nas obrigações assumidas pelos RR. e um benefício desproporcionado para a A..

  11. Pois, na sequência de um contrato de mútuo, que teve por objecto € 15.000, a A. reclama o montante de cerca de € 48.115,72 (quarenta e oito mil cento e quinze euros e setenta e dois cêntimos).

  12. Porque pertinente para tal facto devia ser admitida a reclamação dos R.R. à B.I., e serem carreados os factos constantes do art. 19 e 21 da contestação.

  13. Bem como, igualmente devia ter sido carreado à BI, o facto carreado em 7º da contestação. Pois, não se encontra prejudicada pela alínea P) dos factos assentes. Sendo que os factos constantes em 1. e 2. da Fundamentação de Facto, impunham conhecer de tal facto. (o facto de a A. não ter facultado aos R.R. qualquer prazo de reflexão e daí os R.R. não poderem revogar tal contrato).

  14. Finalmente, a inovação por parte dos R.R. em sede de acção judicial, da nulidade do contrato de crédito, não encerra nenhum venire contra factum próprio, nem abuso de direito.

  15. Vide por todos, Ac. do STJ de 28/06/2007 in www.dgsi.pt; Ac. RL Proc. 40978/03.0TJLSB.L1 de 20/5/2010.

  16. Situação, essa, de abuso de direito, que nem sequer foi arguida pela A..

  17. Devia o tribunal a quo, como resulta de tais acórdãos, ter ponderado que se está perante uma relação de consumo, onde é patente a desigualdade de meios entre o fornecedor dos bens ou serviços e o consumidor.

  18. Tendo em primeira linha a A., violado de forma censurável, os deveres de cooperação, de lealdade e de informação, de boa fé, na celebração desses contratos.

  19. Caso, a A. tivesse actuado de acordo com a lei, os R.R. nunca poderiam invocar a nulidade de tal contrato.

  20. Ora, a A. não invocou sequer que a declaração de nulidade de tal contrato, lhe trazia grave prejuízo.

  21. Sendo a regra imposta, a protecção do consumidor, esta protecção, só deve ser desconsiderada, em casos de conduta, a todos os títulos, censurável e injustificada, o que não é o caso, nem tal foi invocado pela A., ou sequer se provou.

  22. Não caindo a conduta dos R.R. em abuso de direito ao invocar tal nulidade.

  23. Sendo legitimo que os R.R. enquanto consumidores, apercebendo-se na presente acção do que está efectivamente em causa, em que a A. tudo pede, desde prestações vincendas, prestações vencidas, juros remuneratórios, impostos de selo, clausula penal, acção executiva, com todos os meios ao seu alcance.

  24. Sendo que, foi a conduta primeira da A. violadora dos princípios da informação, cooperação, lealdade, em súmula dos princípios, da boa fé contratual, que deu origem à invocação de tal nulidade.

    A A. respondeu, sustentando, em síntese, que a sentença recorrida não violou qualquer norma, designadamente, as referidas pelos recorrentes, pelo que deve ser mantida nos seus precisos termos.

    Termina a sua alegação com as seguintes conclusões: 1 -Vêm os Recorrentes alegar que os factos vertidos no artigo 7º da Contestação (“Pelo que, não foi facultado nenhum período de reflexão, não podendo os R.R.. revogar tal contrato”), no artigo 19º da Constestação (“Não nos podemos esquecer que no âmbito do alegado contrato de crédito, os RR já pagaram a quantia global de €9.816,48”) e no artigo 21º da Contestação (“A A. fica com a propriedade de um veículo que custou € 15.000,00, que vale actualmente €12.500,00”), deviam ter sido carreados para a Base Instrutória, por terem relevância para a boa decisão da causa, tendo o douto tribunal a quo violado o artigo 511º do C.P.C.

    2-Quanto ao facto vertido no artigo 7º da Contestação de alegadamente não ter sido facultado nenhum período de reflexão aos Recorrentes, não podendo os Recorrentes revogar o contrato de crédito ora em causa, dispõe o artigo 511º, n.º 1 do C.P.C. que “O juiz, ao fixar a base instrutória, selecciona a matéria de facto relevante para a boa decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito que deva considerar-se controvertida” (sublinhado nosso).

    3 -Ora, a Recorrida, em sede de Resposta de à Contestação, alegou que tal facto era falso já que os Recorrentes/Réus abdicaram desse direito através de declaração de renúncia assinada por ambos e produziu prova documental nesse sentido, juntando aos autos a referida declaração.

    4 -Sendo que os Recorrentes, e apesar de se terem pronunciado sobre a junção de tal documento, não o impugnaram nos termos dos artigos 544º ou 546º, ambos do C.P.C..

    5 -Assim sendo, dispõe o artigo 376º, n.º1 do C.C. que “O documento particular cuja autoria seja reconhecida nos termos dos artigos antecentes faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor (...)”.

    6 -Por conseguinte, face ao exposto, o facto vertido no artigo 7º da Contestação não é matéria que se considere controvertida, dado que foi julgado como matéria assente (alínea P) facto incompatível com o mesmo, pelo que não pode tal constar da Base Instrutória dos presentes autos, devendo improceder a impugnação do despacho proferido à Reclamação à base instrutória apresentada pelos Recorrentes/Recorridos.

    7-Quantos aos factos vertidos no artigo 19º da Contestação “Não nos podemos esquecer que no âmbito do alegado contrato de crédito, os RR já pagaram a quantia...

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