Acórdão nº 4931/10.1TBLRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 08 de Novembro de 2001

Magistrado ResponsávelHENRIQUE ANTUNES
Data da Resolução08 de Novembro de 2001
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: 1.

Relatório.

G… propôs contra o seu cônjuge, V…, acção declarativa constitutiva de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, com processo especial, pedindo a dissolução do casamento católico que entre si contraíram, sem convenção antenupcial, no dia 25 de Julho de 1992.

Os cônjuges acordaram, na tentativa de conciliação, no divórcio por mútuo consentimento quanto a alimentos e quanto a utilização da casa de morada da família, e por despacho proferido para a respectiva acta, ordenou-se que o processo passasse a observar os termos do divórcio por mútuo consentimento e assinou-se, a ambos, o prazo de 15 dias para a obtenção de uma decisão negociada quanto à regulação das responsabilidades parentais e quanto à relação dos bens comuns.

Por não ter sido obtido um tal acordo, a autora apresentou a relação de bens comuns, que considera ser a correcta, e alegou, no respectivo requerimento, designadamente, que a divergência das partes centra-se ainda no facto de o réu pretender incluir na relação de bens o saldo de uma conta conjunta do casal, quando o mesmo se encontra a zero desde Agosto de 2009;que o réu pretende arrolar essa conta com o saldo que dela constava nessa data, que ascendia a € 15 000,00, e que, não existindo esse valor no património do casal, não deve a referia conta ficar a constar da relação dos bens do casal.

Por sua vez, o réu alegou, no tocante à relação dos bens comuns, designadamente que ele e autora tinham uma conta bancária que, à data de 10 de Agosto de 2009, tinha o saldo de € 15 060,16 e que a autora, sem o seu consentimento e autorização, levantou todo o dinheiro, montante que integra o activo dos bens comuns e que desde já reclama.

Na diligência de produção de prova testemunhal autora e réu acordaram quanto ao exercício do cuidado parental relativamente aos únicos filhos então menores e quanto à relação de alguns bens como comuns, reiterando que não havia acordo quanto ao relacionamento como bem comum, designadamente da conta conjunta do casal referida por ambos.

Produzida a prova testemunhal proposta por ambas as partes, foi proferida decisão que – depois observar que quanto à conta do casal referida por ambos a que respeita o doc. constante de fls. 96 (onde consta o lançamento na conta de depósitos à ordem … cujo reembolso importou em 15 060,16€, operação efectuada em 10/08/09) não tendo demonstrado a requerente já não existir tal montante por qualquer razão - ordenou o seu relacionamento como bem comum.

Acto contínuo, foi proferida sentença que, designadamente, decretou o divórcio por mútuo consentimento entre a autora e o réu.

A autora apelou da decisão que ordenou o relacionamento como bem comum do saldo da conta bancária, pedindo a sua correcção e a sua substituição por outra que decida não a relacionar como bem comum do casal.

A recorrente condensou os fundamentos do recurso nestas conclusões: … O recorrido concluiu, na resposta, pela improcedência do recurso.

  1. Factos relevantes para o conhecimento do objecto do recurso: … 3.

Fundamentos.

3.1.

Delimitação objectiva do âmbito do recurso.

Além de delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, o âmbito, subjectivo ou objectivo, do recurso pode ser limitado pelo próprio recorrente. Essa restrição pode ser realizada no requerimento de interposição ou nas conclusões da alegação (artº 684 nºs 2, 1ª parte, e 3 do CPC).

Nas conclusões da sua alegação, é lícito ao recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso (artº 684 nº 2 do CPC). Porém, se tiver restringido o objecto do recurso no requerimento de interposição, não pode ampliá-lo nas conclusões[1].

No caso, o único objecto da impugnação é a decisão que ordenou a inclusão na relação dos bens comuns dos cônjuges de um bem. Nestas condições, todas as demais questões sobre que estatuiu a decisão final da causa, maxime, o decretamento do divórcio entre os cônjuges, constituem res judicata (artº 677 do CPC).

Maneira que, tendo em conta o conteúdo da sentença impugnada e das alegações da recorrente e do recorrido, as questões concretas controversas que o acórdão deve resolver são as saber se decisão impugnada se se encontra ferida com o vício da nulidade e, em qualquer caso, se deve ser revogada e substituída por outra que ordene a exclusão, da relação dos bens comuns da recorrente e do recorrido, do saldo da conta bancária.

A resolução destes problemas vincula, naturalmente, à aferição da causa de nulidade da sentença representada pelo excesso de pronúncia e ao exame do princípio da compensação entre o património de cada um dos cônjuges e o património comum.

Os fundamentos do recurso vinculam a um distinguo entre fundamentos absolutos e relativos. Dizem-se absolutos os fundamentos que se forem considerados procedentes pelo tribunal de recurso conduzem sempre à procedência do recurso, porque não são compatíveis com a confirmação da decisão recorrida com outro fundamento; os fundamentos relativos são aqueles que, apesar de serem reconhecidos pelo tribunal ad quem, não impedem a confirmação da decisão recorrida com um fundamento distinto daquele que foi aceite pelo tribunal a quo[2].

Portanto, a improcedência do recurso, e a consequente confirmação da decisão impugnada, podem resultar da modificação pelo tribunal superior, do fundamento dessa mesma decisão. Sempre que a decisão possa comportar vários fundamentos, o tribunal ad quem pode aceitar a procedência do recurso, mas encontrar um fundamento, distinto daquele que foi utilizado pelo tribunal a quo, para confirmar a decisão impugnada.

3.2.

Nulidade da sentença impugnada.

Como é extraordinariamente comum, um dos fundamentos da impugnação é a nulidade substancial da sentença recorrida. No ver da recorrente, esse vício radicaria nesta causa: o excesso de pronúncia (artº 668 nº 1 d), 2ª parte, e) do CPC).

Na verdade, de harmonia com a alegação da recorrente, o recorrido, ao não relacionar o saldo da conta bancária na relação de bens que apresentou, o réu não pediu a sua inclusão na relação dos bens comuns do casal, pelo ao decidir relacionar essa conta bancária, a decisão recorrida violou o artº 661 nº 1 do CPC.

A decisão é nula quando conheça de questões de que não podia tomar conhecimento, portanto, quando esteja viciada por excesso de pronúncia (artº 668 nº 1 d), 2ª parte, do CPC). Por força deste corolário do princípio da disponibilidade objectiva, verifica-se um tal excesso, por exemplo, sempre que o juiz utiliza, como fundamento da decisão, matéria não alegada ou absolve ou condena num pedido não formulado.

Um dos princípios instrumentais do processo civil, i.e., dos princípios que procuram a optimização dos resultados do processo, é decerto o da disponibilidade privada.

Este princípio determina que incumbe às partes a definição do objecto do processo e a realização da prova dos respectivos factos. Assim, ao autor cabe definir o pedido e invocar a causa de pedir, não podendo o tribunal, como consequência do funcionamento deste princípio, conhecer de pedido diverso do formulado ou de causa de pedir diferente da invocada (artºs 467 nº 1 d) e e) e 664, 2ª parte, do CPC). Como complemento desta delimitação privada do objecto processual, incumbe às partes a realização da prova dos factos...

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