Acórdão nº 89/21.9T8PCV.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 26 de Abril de 2022

Magistrado ResponsávelLUÍS CRAVO
Data da Resolução26 de Abril de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1] * 1 – RELATÓRIO AA, casada, titular do cartão de cidadão n.º ..., contribuinte fiscal n.º ... e marido BB, casado, titular do cartão de cidadão n.º ... ZX 3, contribuinte fiscal n.º ..., residentes na Rua ..., ..., ..., ... intentaram a presente ação declarativa em processo comum contra CC, viúva, titular do número de identificação fiscal ...28, residente no ..., n.º 1, ..., ..., ..., DD, divorciado, titular do número de identificação fiscal ...92, residente na Urbanização ..., ..., ..., ..., ..., ... e EE, casada, titular do número de identificação fiscal ...01 e marido FF, titular do número de identificação fiscal ...98, residentes na Rua ..., ..., ..., ..., peticionando a condenação dos Réus: i. A reconhecerem a existência de uma servidão de vistas (na modalidade de luz, arejamento e escoamento de gases), concretizada pela janela existente na cozinha do rés-do-chão do prédio dos Autores (com 1,07 metros de largura e 0,32 metros de altura, com início a 1,92 metros do solo), constituída por contrato ou, subsidiariamente, por usucapião, a onerar o prédio dos réus a que corresponde o artigo matricial urbano ...57 da freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...85 daquela freguesia ..., a favor do prédio dos autores com o artigo matricial urbano ...58 da mesma freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...41 da referida freguesia ...; ii. A demolirem o telheiro que construíram no pátio do seu prédio, retirando todos os materiais que ali colocaram de forma adjacente à parede do prédio dos autores e colocando esta no estado em que a mesma se encontrava antes da construção de tal telheiro; iii. A absterem-se da prática de qualquer ato que obstrua ou dificulte a fruição, pelos autores, da servidão.

iv. No pagamento das custas do presente processo.

Alegam para tanto, e em síntese, que, em 1992, obtido o consentimento expresso da 1.ª Ré, foi aberta uma janela na parede nascente do rés-do-chão do prédio dos AA., a deitar diretamente para o pátio interior do prédio dos RR., no local onde se situa a cozinha, por forma a dotar este compartimento – o qual se tratava de uma divisão interior - de luz natural, permitindo igualmente o seu arejamento e o escoamento dos gases resultantes do uso do fogão e da confeção das refeições.

Acrescentam os AA. que, desde aquele ano, de forma ininterrupta e à vista de toda a gente, utilizaram aquela abertura por forma a dotar a cozinha de luz natural, arejando-a e fazendo o escoamento dos fumos, cheiros e gases resultantes do uso do fogão para o exterior da habitação.

Mais alegam que, no final do ano de 2020, os RR. procederam à construção de um telheiro no referido pátio interior do seu prédio, sendo que tal obra, adjacente ao prédio dos AA. e sem respeitar a distância de 1,50m, tapa a abertura feita na parede nascente do prédio destes, impedindo-os de gozar das utilidades conferidas por aquela.

* Regularmente citados, os RR. apresentaram contestação, deduzindo, por um lado, exceção de ilegitimidade passiva relativamente ao 3.º Réu e, por outro lado, aceitando a generalidade da matéria de facto articulada na petição inicial, tendo pugnado, porém, pela improcedência da ação, em consequência de, no seu entender, não se aplicar, in casu, o disposto no artigo 1360.º, do Código Civil.

Na sustentação da posição assumida, alegam os RR. que a abertura feita na parede do rés-do-chão do prédio dos AA. trata-se de uma fresta irregular, porquanto as medidas alvitradas pelos AA. não permitem a qualificação como janela, na medida em que não é possível, através da referida abertura, projetar o corpo nem usufruir de vistas, ao que acresce o facto de tal abertura não possuir parapeito.

Por outro lado, alegam os RR. que a referida abertura é composta por dois varões/barras de ferro, com um intervalo de cerca de 10 cm entre si, o que conduz à não aplicação, no caso em apreço, do disposto no artigo 1360.º, do Código Civil, pela previsão expressa vertida no artigo 1364.º, daquele diploma legal.

Os RR. deduziram ainda pedido de condenação dos AA. em quantia não inferior a €5.000,00 (cinco mil euros), por litigância de má fé.

* Foi proferido despacho saneador – cf. ref.ª ...17, de 07.09.2021 -, no qual se conheceu da exceção de ilegitimidade passiva deduzida pelos RR., sendo a mesma julgada improcedente.

* Realizou-se audiência de discussão e julgamento, com observância de todo o formalismo legal, como se alcança das respetivas atas. Na sentença, considerou-se, em suma, que face à factualidade apurada, importava concluir que no caso se estava perante frestas ou janelas gradadas que não obedeciam às caraterísticas impostas pelos artigos 1363º e 1364º do C.Civil, donde, concordando com a jurisprudência maioritária, mais concretamente quanto ao aspeto de que tais aberturas não poderiam conduzir, sem mais, à aquisição de uma servidão de vistas, nos termos do artigo 1362.º, do Código Civil («pois o artigo 1360.º, n.º 1 apenas se refere ao conceito de janelas, o qual, in casu, se encontra arredado»), sustentou-se o entendimento de que se encontrava constituída a favor do prédio dos AA. uma servidão atípica, de ar e luz, por usucapião (através da abertura rasgada na parede do rés do chão do lado nascente do prédio dos AA., com 1,07m de largura, 0,32m de comprimento e 1,92m de altura a contar do solo), importando condenar os RR. a demolirem o telheiro por si construído e a remover todos e quaisquer obstáculos que tapem essa mesma abertura ou impeçam a entrada de ar e luz através da mesma, o que se traduziu no seguinte concreto dispositivo: «DECISÃO Em face do exposto, julga-se a ação parcialmente procedente e, em consequência, decide-se: i. Condenar os Réus CC, DD, EE e marido, FF, a reconhecerem a existência de uma servidão atípica (de luz e ar), concretizada pela abertura existente na cozinha do rés do chão do prédio dos Autores (com 1,07 metros de largura e 0,32 metros de altura e com início a 1,92 metros do solo), a onerar o prédio a que corresponde o artigo matricial urbano ...57 da freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...85 daquela freguesia ..., a favor do prédio com o artigo matricial urbano ...58 da mesma freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...41 da referida freguesia ..., propriedade dos Autores AA e BB.

ii. Condenar os Réus CC, DD, EE e marido, FF a demolirem o telheiro que construíram no pátio do prédio a que corresponde o artigo matricial urbano ...57 da freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...85 daquela freguesia ..., retirando todos os materiais que ali colocaram de forma adjacente à parede do prédio dos autores e colocando esta no estado em se encontrava antes da construção do referido telheiro.

iii. Condenar os Réus CC, DD, EE e marido, FF a absterem-se de da prática de qualquer ato que obstrua ou dificulte a fruição, pelos autores, da servidão atípica constituída a favor do seu prédio.

iv. Absolver os Réus do pedido de reconhecimento da existência de uma servidão de vistas a onerar o prédio a que corresponde o artigo matricial urbano ...57 da freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...85 daquela freguesia ....

v. Absolver os Autores do pedido de litigância de má fé.

vi. Condenar os Réus nas custas do processo.

* Registe e notifique.».

* Inconformados com essa sentença, apresentaram os RR. recurso de apelação contra a mesma, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões: «1. Os Recorridos peticionaram o reconhecimento pelos Recorrentes da existência de uma servidão de vistas (na modalidade de luz, arejamento e escoamento de gases).

  1. O Tribunal a quo condenou os Recorrentes a reconhecerem a existência de uma servidão atípica (de luz e ar).

  2. O Tribunal a quo condenou os Recorrentes em objecto diverso do pedido, violando os limites da condenação, definidos no artigo 609º do CPC, bem como o princípio do dispositivo, que impõe que a decisão se contenha, quer em substância, quer em quantidade no âmbito do pedido formulado.

  3. O Tribunal procede à qualificação jurídica que considere adequada, mas dentro da factualidade alegada e provada e nos limites do efeito jurídico que se pretende obter com a acção, em respeito à teoria da substanciação, que determina que o Tribunal fica vinculado ao pedido dos Autores.

  4. A condenação em objecto diverso do pedido viola o princípio da estabilidade da instância, consagrado no artigo 260º do CPC, visto que os Recorridos substantivaram a sua pretensão no reconhecimento da existência de uma servidão de vistas e não no reconhecimento de uma servidão atípica.

  5. Os efeitos jurídicos decorrentes da existência de uma servidão de vistas ou de uma servidão atípica são distintos, pelo que a defesa dos Recorrentes seria necessariamente diferente, caso o pedido dos Recorridos tivesse sido o de reconhecimento de uma servidão de vistas atípica, pelo que a impossibilidade de os Recorrente terem apresentado defesa quanto a essa matéria, coarta de forma ostensiva o seu direito de defesa, violando o disposto no artigo 20º nos 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa.

  6. A decisão do Tribunal a quo constitui uma decisão surpresa, atentatória do princípio do contraditório, consagrado no artigo 3º, nº 3 do CPC.

  7. A sentença recorrida é nula, nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea e) do CPC e inconstitucional por violação do artigo 20º nos 2 e 4 da Constituição da República Portuguesa.

  8. O Mestre Henrique Mesquita explicou a diferença que existe entre janelas, frestas regulares e frestas irregulares, posição seguida há largos anos e de forma unânime pela jurisprudência, e que a sentença sub judice segue inicialmente.

  9. O Mestre esclareceu que as frestas que não obedeçam às dimensões e...

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