Acórdão nº 104/19.6T8SPS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 26 de Abril de 2022

Magistrado ResponsávelCRISTINA NEVES
Data da Resolução26 de Abril de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam os Juízes na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra RELATÓRIO AA instaurou acção declarativa de condenação contra BB e Fundo de Garantia Automóvel, peticionando a sua condenação solidária a pagar-lhe a quantia total de € 26.731,27, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida dos respetivos juros de mora, a contar desde a sua citação até integral pagamento.

Para fundamentar o seu pedido alega ter sido embatido por veículo conduzido pelo primeiro R., cuja matrícula se desconhece, bem como se beneficia de seguro de responsabilidade civil, sofrendo diversas lesões corporais, que motivaram o seu internamento hospitalar, submissão a intervenções cirúrgicas e reabilitação, tendo ficado com sequelas permanentes.

* Contestou o 2º Réu, alegando ter procedido à regularização do sinistro com base na figura do fundado conflito com a seguradora Fidelidade, companhia identificada como sendo a seguradora do veículo indicado na participação de acidente elaborada pela GNR, tendo efectuado diversos pagamentos ao A., a título de ressarcimento de danos, bem como a entidades terceiras, como o Hospital ....

Mais alega que o acidente em causa se integra no âmbito dos acidentes de trabalho, pelo que o ressarcimento dos danos patrimoniais sofridos pelo A. competiria à seguradora de acidentes de trabalho.

Conclui pela improcedência da acção, com a sua absolvição do pedido.

* Foi proferido despacho saneador, identificando-se o objeto do litígio, enunciando-se os temas da prova, e admitindo-se a prova apresentada pelas partes, após o que teve lugar a audiência final, sendo proferida sentença na qual se julgou: “a acção parcialmente procedente, já que:

  1. Condeno os Réus BB e Fundo de Garantia Automóvel a pagarem ao A., solidariamente, as seguintes quantias: 1º - a título de danos patrimoniais o montante que o A. porventura deixou de auferir, a título de bolsa pela frequência da acção ou curso de formação apontado em 25 da factualidade, no pressuposto que o A. apenas a auferiria até ao mês de Outubro de 2017, cuja liquidação relego para decisão ulterior, com o limite de 1.206,67 euros; 2º - a título de danos não patrimoniais, o montante, actualizado, de 25.000 euros, acrescido de juros moratórios contados da data da prolação da presente sentença, à taxa de 4% ao ano, até efectivo e integral pagamento.

  2. Absolvo os Réus do demais peticionado.

    ” * Não conformado com esta decisão, impetrou o Fudo de Garantia Automóvel recurso da mesma relativamente à matéria de direito, formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem: “Conclusões: 1º. O Apelante não se conforma com a decisão do Tribunal a quo, que, não tendo sido apurada matrícula do alegado veículo causador do sinistro, mas sendo conhecido o responsável civil pelo mesmo, condena o Fundo de Garantia Automóvel ao pagamento dos valores peticionados pelo A., sinistrado, nos presentes autos.

    1. Assim como, na parte em que fixou as quantias a liquidar ao lesado a título de indemnização, pelos danos alegadamente sofridos, por serem manifestamente exagerados e desajustados atendendo ao caso concreto.

    2. Sempre se dirá que o Tribunal a quo não fez uma correta interpretação e aplicação do direito ao caso concreto.

    3. Sempre se dirá que, deveria ter sido feita prova quanto aos temas supra referenciados, para que o Tribunal a quo pudesse vir a julgar a presente ação parcialmente procedente, condenando o FGA.

    4. O Recorrente FGA garante a reparação dos danos causados por responsável desconhecido ou isento da obrigação de seguro em razão do veículo em si mesmo, ou por responsável incumpridor da obrigação de seguro de responsabilidade civil automóvel, conforme dispõe o artigo 47º nº 1 do DL nº 291/2007 de 21/08.

    5. E nos presentes autos é conhecido o alegado responsável pelo sinistro.

    6. Do rol de matéria dada como provada, foi identificado o 1º Réu como sendo o causador do acidente, mas não resultou provada a matrícula do veículo por si conduzido.

    7. Desta forma, salvo o devido respeito, nunca poderia o Tribunal a quo vir a julgar procedente ou parcialmente procedente, como foi o caso, a presente ação.

    8. Na medida em que, o caso dos autos não se subsume nas situações previstas no nº 1 do artigo 47º do DL nº 291/2007 de 21/08, pois estamos perante um caso em que o alegado responsável pelo acidente é conhecido, mas desconhecida a matrícula do veículo em questão.

    9. Mais se dirá que, de acordo com o previsto no artigo 341º do CC “As provas têm por função a demonstração da realidade dos factos.” 11º. E ainda que, de acordo com o disposto no artigo 342º nº 1 “Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.” 12º. No presente processo judicial, não foi feita prova da matrícula do veículo alegadamente responsável pela ocorrência do sinistro.

    10. Da participação de acidente ficou a constar que o 1º Réu conduzia o veículo de matrícula ..-..-SZ, contudo, surgiu a dúvida sobre qual é que seria efetivamente o veículo conduzido pelo 1º Réu e, nesse caso, o Tribunal a quo não deveria ter condenado o Recorrente FGA, com fundamento na aplicação do supra referido artigo 47 do DL nº 291/2007 de 21/08.

    11. Pelas razões supra expostas quanto à errada interpretação do referido preceito legal, mas ainda por violação do disposto quanto à regras do ónus da prova e ainda por violação do disposto no artigo 414º do CPC.

    12. No presente caso deveria ter resultado numa absolvição dos Réus, uma vez que, surgiu a dúvida quanto à matrícula do alegado veículo lesante e por aplicação do disposto no referido artigo 414º do CPC, o Tribunal a quo deveria ter decidido contra a parte a quem o facto aproveita, portanto, contra o aqui Recorrido.

    13. O Tribunal a quo desrespeitou os limites do princípio da livre apreciação da prova estatuídos, designadamente, no artigo 607º, nº 5 do CPC.

    14. O Juiz apreciou a prova de forma errada, ultrapassando os limites à sua livre apreciação, ao concluir pela condenação do Réu FGA, sendo o alegado responsável conhecido e não tendo sido feita prova da matrícula do veículo lesante, prova essa que cabia ao Autor, aqui Recorrido! 18º. E, havendo dúvida quanto à matrícula do veículo lesante, deveria o Tribunal a quo absolver o aqui Recorrente, por aplicação do artigo 414º do CPC.

    15. Decidiu o Tribunal de 1ª Instância fixar a quantia de € 25.000,00 para indemnização dos danos não patrimoniais sofridos pelo lesado, mas salvo o devido respeito, que é muito e merecido, o Recorrente FGA não perfilha do mesmo entendimento, pois é inevitável comparação com a jurisprudência recente, mostra-se decisiva para aferir da correção da verba fixada ao Autor, aqui recorrido, pelo Tribunal de 1ª Instância.

    16. Vejamos, então, a seguinte jurisprudência sobre a compensação pelo dano não patrimonial: - Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, processo nº 342/17.6T8CBR.C1, de 22 de janeiro de 2019: “4. A determinação do quantum da indemnização do dano não patrimonial deve orientar-se por uma valoração casuística, orientada por critérios de equidade; 5. A indemnização destinada a ressarcir os danos não patrimoniais sofridos por um qualquer lesado não deve revestir carácter miserabilista, nem esquecer o aumento regular dos seguros obrigatórios estradais, e dos respectivos prémios, justificantes do aumento das indemnizações, nem cair em excessos; 6. No que respeita ao dano moral, provando-se que a A. ficou curada em cerca de 400 dias, sendo de 35 dias o período de défice funcional temporário total, que a mesma sofreu um quantum doloris médio de grau 4/7 e dano estético de grau médio-baixo de 2/7, além do défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável de 7 pontos, bem como repercussão permanente nas actividades de lazer de grau médio de 4/7, ponderando tais elementos, o disposto nos arts. 496º, nº 4, 1ª parte, e 494º do CC, sem esquecer o disposto no art. 8º, nº 3, do CC (que aponta para o julgador levar em conta o paralelismo de casos análogos, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito), considera-se justo e équo a indemnização no valor de 20.000 €.” 21º. Mais se refere o caso plasmado no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, processo nº 1760/16.2T8VCT.G1, de 30-05-2019, que refere que “não podemos deixar de ponderar como graves os padecimentos do Autor decorrentes do acidente em causa, sobretudo tendo em consideração que a cura das lesões demandou um longo período de tempo (205 dias no total), com imobilização do membro superior esquerdo durante um período de seis semanas e a inerente alteração da sua vida pessoal, familiar e profissional, sendo o período de repercussão temporária na atividade profissional total de 150 dias, que o quantum doloris se situou acima da média (4 numa escala de 0 a 7), que as dores e as dificuldades acrescidas na realização das tarefas quotidianas (traduzidas no défice funcional de 4 pontos) o acompanharão ao longo de toda a sua vida, bem como, que o Autor ficou a padecer de um dano estético permanente fixável no grau 2, é de considerar que a mitigação dos mesmos se satisfaz adequadamente com a quantia de 15.000 €.” 22º. O FGA entende que tal posição não é juridicamente justa, equilibrada e, com o devido respeito e toda a consideração não espelha de forma correta a factualidade dada como provada.

    17. O Recorrente é do entendimento que os factos dados como provados não conduzem à fixação de uma indemnização de valor tão elevado.

    18. Assim como, não resultou da prova produzida em audiência, a convicção para a fixação da indemnização do Recorrido, a título de danos não patrimoniais, na quantia de € 25.000,00.

    19. As testemunhas que prestaram depoimento sobre o estado do Autor, nomeadamente, quanto aos danos morais do mesmo, designadamente, a testemunha CC, mãe do A., mencionaram o estado psicológico do mesmo, mencionando que este foi para o psiquiatra, que anda nervoso e ansioso.

    20. Contudo, do relatório médico, resultou provado que o Recorrido apenas passou a...

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