Acórdão nº 4622/20.5T8VIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 26 de Abril de 2022

Magistrado ResponsávelFALCÃO DE MAGALHÃES
Data da Resolução26 de Abril de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:1 I - A) - 1) - 2«[…] AA propôs a presente acção com processo especial de divórcio sem o consentimento do outro cônjuge, contra BB, pedindo que, na sua procedência, seja decretado o divórcio entre as partes.

Alega, para tanto, em síntese e no essencial, que desde 19.05.2020, altura em que a ré comunicou ao autor, através de Advogado, a intenção de divórcio, nunca mais se relacionaram como marido e mulher, tendo cessado qualquer convivência entre ambos e não existindo por banda do autor qualquer propósito de manter a vida em comum.

Invoca como fundamento do pedido o preceituado nos art. 1672º e 1781º, al d) do CC.

Procedeu-se à tentativa de conciliação, não tendo sido viável a reconciliação do casal ou a conversão dos autos em divórcio com o consentimento de ambos. A ré contestou, alegando que em 18.05.2020, o autor foi encontrado, pelo filho, com uma senhora dentro do carro e que, confrontado com tal atitude, deixou de falar com a família, incluindo a mulher. Pugnou assim pela improcedência da acção.

Foi proferido despacho saneador, sem audiência prévia, nos termos constantes de fls. 36, ficando fixados o objecto do litígio e os temas da prova, sem que tenham sido objecto de reclamação. […]». * 2) - Prosseguindo os autos os seus ulteriores termos, veio a ter lugar a audiência final, após o que foi proferida sentença (em 16.12.2021) que, julgando procedente a acção, decretou o divórcio entre o autor e a ré, com a consequente dissolução do casamento celebrado entre ambos no dia 11.02.1979 (assento de casamento nº …5 do ano de 2012 da Conservatória do Registo Civil ...).

3) - Desta sentença recorreu a Ré, tendo o recurso sido admitido como Apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito suspensivo. * B) – a) - É esse recurso de Apelação que ora cumpre decidir e em cujas alegações a Recorrente oferece as seguintes conclusões: «1 - O Tribunal a quo decretou o divórcio entre a recorrente e o recorrido com base, essencialmente, nos seguintes factos que deu como provados: a) no ponto 2) dos factos provados, que em "Maio de 2020, a ré, através de Mandatário, transmitiu ao Autor a intenção de se divorciar do mesmo - doc. de fls. 6 verso"; b) no ponto 3), que "Desde o referido em 2), embora continuem a residir dentro da mesma casa, Autor e Ré passaram a fazer vida autónoma um do outro, pois deixaram de dormir na mesma cama, de comer juntos, de falar um com o outro, de se relacionar sexualmente, de prestar apoio, assistência ou auxílio mútuo, nunca mais tendo convivido como casal"; c) no ponto 4, que "Nenhuma das partes pretende restabelecer a vida em comum".

2 - E o Tribunal a quo chegou àqueles factos com base, de acordo com a fundamentação, nas declarações de parte prestadas pela ré (recorrente) por iniciativa oficiosa do Tribunal (como consta da própria ata) conjugadas com o depoimento prestado pelas testemunhas inquiridas.

3 - Na verdade, a M.ª Juíza a quo baseou a sua convicção, essencialmente, no depoimento da ré, uma vez que as testemunhas, relativamente aqueles factos, apenas tinham um conhecimento indireto, pois apenas sabiam o que o autor lhes transmitiu ou quis transmitir.

4 - Sucede que estamos num processo de divórcio sem o consentimento de um dos cônjuge, em que estão em discussão direitos indisponíveis, e onde, por isso mesmo, não é admissível a possibilidade de um dos cônjuges, no caso em concreto da ré, ser ouvida em depoimento de parte, muito menos o seu depoimento ser valorado.

5 - É verdade que, de acordo com o disposto no art. 452º do C.P.C., a parte pode ser ouvida em declarações de parte, podendo o seu depoimento ser determinado oficiosamente pelo Juiz.

6 - Resulta, contudo, do disposto do n.º 1 do art. 352.º e n.º 2 do art. 356.º, ambos do C.C., que o depoimento de parte visa a confissão, mas, o art. 354.º, al.

  1. do C.C. prescreve que a confissão não faz prova contra o confitente se recair sobre factos relativos a direitos indisponíveis.

    7 - Por outro lado, o art. 466.º do C.P.P., referente à prova por declarações de parte, não permite que as declarações de parte sejam determinadas oficiosamente pelo Tribunal, só podendo ser requerida pela própria parte.

    8 - Ora, todos os factos sobre os quais a ré foi inquirida (basta ouvir a sua inquirição gravada no sistema integrado Habilus Media Studio, das 10:01:47 horas às 10:11:05 horas do dia 22.11.2021) dizem respeito a factos que constituem impugnação dos factos alegados pelo autor como fundamento do pedido de divórcio, ou seja, o seu depoimento incidiu unicamente sobre a parte confessória.

    9 - Não sendo, por isso, admissível a prestação do seu depoimento, uma vez que a sua admissibilidade pressupõe a possibilidade de confissão decorrente da natureza dos factos sobre que incide.

    10 - Ao ter sido determinado o depoimento de parte da ré, o Tribunal a quo violou de forma clara e flagrante o disposto no art. 354.º, al. b) do C.C., tendo feito má aplicação do disposto nesse artigo e no art. 452.º do C.P.C., por ter-se baseado em prova inadmissível, neste sentido vide, entre outros, Ac. da RL de 10/04/2014 e Ac. RL de 10/01/2019, ambos in "www.dgsi.pt".

    11 - Sendo, assim, os factos dos pontos 2), 3) e 4) dos factos provados foram erradamente dados como provados. [...]».

    Terminou, defendendo que se alterasse a decisão recorrida nos termos pugnados nas alegações, e, dando-se provimento ao recurso, se julgasse a ação improcedente, com absolvição da ré do pedido.

    * b) – Na resposta à alegação de recurso, o Apelado veio pugnar pela improcedência deste, mais peticionando a condenação da Recorrente “...como litigante de má-fé, por enquadramento da sua conduta no disposto no artigo 542º n.º 1 e 2 alíneas a) e d) do CPC, em multa e indemnização ao recorrido em valor justo.”.

    * C) - Em face do disposto nos art.ºs 635º, nºs 3 e 4, 639º, nº 1, ambos do novo Código de Processo Civil3 (doravante, NCPC, para o distinguir do Código que o precedeu, que se passará a identificar...

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