Acórdão nº 766/17.9T8ACB.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 26 de Abril de 2022
Magistrado Responsável | FONTE RAMOS |
Data da Resolução | 26 de Abril de 2022 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I. Em 28.3.2017, freguesia ... instaurou a presente ação declarativa comum contra AA, pedindo que seja decretada a resolução do contrato de arrendamento celebrado entre as partes e a condenação do Réu à entrega imediata do local arrendado, livre e devoluto de pessoas e bens.
Alegou, em síntese: é dona do prédio urbano referido no art.º 1º da petição inicial (p. i.); por contrato celebrado em 30.9.1991 (promessa de arrendamento para vigorar até à celebração da escritura pública, que nunca veio a ser celebrada) deu aquele prédio em arrendamento ao Réu pelo período de dez anos; o espaço em questão tem estado ao abandono, porque o Réu deixou de nele exercer qualquer atividade; o Réu deixou de liquidar a “renda” desde o ano de 2002; foi acordado que não há lugar a qualquer indemnização pelos trabalhos e construções que o Réu fez no espaço; viu-se obrigada a rescindir o contrato.
O Réu contestou, invocando a nulidade do contrato por falta de forma. Referiu ainda, nomeadamente, que procedeu no imóvel objecto do arrendamento a obras com o conhecimento da A., as quais valorizaram aquele prédio (de menor valor que as ditas obras); depositou as “rendas” devidas (quando a A. deixou de querer receber) e tem utilizado o local arrendado.
Concluiu pela improcedência da ação e pediu a condenação da A. como litigante de má fé.
Reconvindo, pediu (em alternativa): a) A declaração de que o Réu adquiriu o referido prédio por acessão industrial imobiliária, nos termos do disposto no art.º 1340º do Código Civil (CC); b) A condenação da A. a pagar-lhe a quantia de € 220 000, correspondente à restituição em dobro do que recebeu do Réu; c) A condenação da A. a pagar-lhe a quantia de € 110 000 a título de indemnização pelas benfeitorias úteis realizadas pelo Réu no prédio da A..
A A. replicou concluindo como na p. i. e pela improcedência da reconvenção.
No saneador (de 02.3.2019 / fls. 196) foi declarada a nulidade [por falta de forma] do contrato de arrendamento celebrado entre a A. e o Réu, em 30.9.1991, que tinha por objeto o prédio rústico inscrito na matriz sob o n.º ...26, da freguesia ...
, e, em consequência, condenou-se o Réu a entregar à A. o referido imóvel, livre e devoluto de pessoas e bens; o mesmo despacho firmou o objecto do litígio e enunciou os temas da prova[1].
Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal a quo, por sentença de 28.10.2021, julgou totalmente improcedente a reconvenção, com a consequente absolvição da A..
Inconformado, o Réu apelou formulando as seguintes conclusões: 1ª - Deve ser julgado não provada a matéria vertida nos pontos 15 a 17 dos factos provados - ao julgar essa matéria provada o Tribunal a quo viola o disposto nos art.ºs 3º, 596º, 619º e 620º do Código do Processo Civil (CPC), bem como o art.º 289º do CC.
2ª - Tendo o contrato celebrado entre A. e Réu viola o disposto no art.º 289º do CC decisão que julgue provada matéria que foi expressamente clausulada nesse contrato. (sic) 3ª - Um contrato é um acordo de vontades; se o contrato foi julgado nulo, é porque esse acordo de vontades foi julgado nulo.
4ª - Não pode o Tribunal, a quo, por ser contraditória a decisão, dizer simultaneamente que não pode socorrer-se das cláusulas do contrato nulo, por causa dessa nulidade, e ao mesmo tempo, julgar provada matéria que foi clausulada nesse contrato, com o argumento de que uma testemunha depôs nesse sentido.
5ª - Viola também tal decisão sobre a matéria de facto o disposto no art.º 596º do CPC, uma vez que tal factualidade não estava sequer remotamente elencada nem no Objecto do Litígio nem nos Temas da Prova.
6ª - Tendo o referido contrato sido julgado nulo, tal decisão viola, também, o caso julgado material e formal (art.ºs 619º e 620º do CPC).
7ª - Violando igualmente o disposto no art.º 3º do CPC, designadamente o princípio da proibição da prolação de decisões surpresa, ínsito do seu n.º 3, bem como o princípio do contraditório.
8ª - Em prejuízo do Réu, que tinha alegado factos na sua contestação relativos à formação e interpretação do contrato (julgado nulo), que, em face do despacho que fixou o objecto do litígio e os temas da prova, se viu impedido sobre eles produzir prova.
9ª - O Réu não reagiu contra o referido despacho, pois o mesmo é correto em face da nulidade declarada.
10ª - Não pode o Tribunal a quo decidir sobre matéria expressamente excluída desse despacho, e, tendo a intenção de o fazer, estava obrigado a prevenir as partes - não o fazendo e decidindo como decidiu, viola os referidos princípios processuais, do contraditório e da proibição de prolação de decisões surpresa.
11ª - A sentença recorrida, neste quadro processual, fáctico e normativo, não é justa, não realiza as finalidades do Direito, não faz uma composição equitativa do litígio e não dá satisfação às justas expectativas de uma das partes.
12ª - Julgando provados esses factos, e imiscuindo-se o Tribunal a quo na questão da vontade das partes e do acordo das partes, a sentença é nula, nos termos do disposto no art.º 615º, n.º 1, al. d), in fine, por não poder conhecer dessa matéria, em face da nulidade do contrato já declarada.
13ª - Devem, portanto, ser excluído dos factos provados os factos ali elencados como n.ºs 15, 16 e 17.
14ª - A declaração de nulidade do contrato não impede a aquisição por acessão industrial imobiliária, nem está arredada a referida acessão em virtude de haver entre as partes uma relação jurídica, pelo que, decidindo como decidiu o Tribunal a quo violou o disposto nos art.ºs 1339º ss. do CC; estando verificados todos os requisitos, deve ser declarada a aquisição, pelo Réu, do prédio onde realizou as obras, conforme pedido na Reconvenção.
15ª - Se assim se não entender, estando provados todos os requisitos, deverá a A. ser condenada a indemnizar o Réu no valor de € 146 392, correspondente ao valor das benfeitorias realizadas de boa fé pelo Réu no prédio da A..
16ª - Não pode ser julgado nulo o contrato, e em consequência dessa nulidade o Réu ser condenado a restituir à A. o que dela recebeu (o prédio), e não ser a A. condenada a restituir ao Réu aquilo que dele recebeu (as obras), ficando violado o disposto no art.º 289º do CC.
A A. não respondeu.
Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, importa reapreciar e decidir, principalmente: a) se a declaração de nulidade do contrato de arrendamento (e o demais decidido no despacho saneador) exclui ou afasta a factualidade provada dos n.ºs 15, 16 e 17, devendo ser dada como não provada; b) entendendo-se de forma diversa, se existe violação do princípio do contraditório e violação de caso julgado ou ocorre a nulidade da sentença; c) pedido reconvencional (acessão industrial imobiliária/benfeitorias), sendo que a eventual modificação da decisão de mérito depende, sobretudo, da procedência daquela impugnação de facto.
* II. 1. A 1ª instância deu como provados os seguintes factos: A) Factos provados no saneador/sentença que decidiu parcialmente do mérito: 1) Em 30.9.1991, a A. e o Réu outorgaram um escrito particular denominado de “contrato-promessa de arrendamento”, onde consta, além do mais, o seguinte: 1 – A Junta de Freguesia ... é legítima proprietária da propriedade rústica inscrita na matriz respetiva sob o número ...26, desta freguesia ...
(…); 2 – Considerando que o 2º outorgante [réu] se propõe, as suas expensas valorizar aquele espaço, construindo nele infraestruturas que perderá a favor desta autarquia (…), deliberou este executivo dar de arrendamento aquele local nas precisas condições em que se encontra, ao 2º outorgante, a fim de que disponha dele nos moldes aqui acordados; (…) 5 – O valor anual da renda estabelecida será de 60 000$00...
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