Acórdão nº 3860/10.3TJCBR-B.C2 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 05 de Abril de 2022
Magistrado Responsável | FERNANDO MONTEIRO |
Data da Resolução | 05 de Abril de 2022 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra: No âmbito de inventário aberto para separação de meações, AA veio reclamar contra a relação de bens, de acordo com o disposto no artº. 1348, nº. 6, do C.P.C., alegando que a verba nº. 10 deverá ser excluída por não pertencer ao património do casal.
Em síntese, aquela alega que o referido prédio é do seu pai, quem pretendia doá-lo a si; como o seu ex-cônjuge se enchera de dívidas, os seus pais abandonaram a ideia de concretizar a doação.
A Reclamante invocou a pendência da ação comum n.º 1712/16.....
Os outros interessados contestaram a pretensão, alegando que o prédio é do casal.
Admitida a tempestividade da reclamação pelo STJ, na sequência o Tribunal de primeira instância indeferiu a pretendida exclusão do prédio.
O mesmo Tribunal de 1ª instância também decidiu que, “da análise dos documentos juntos pelos exequentes na execução principal e dos credores, mormente o documento junto pela credora “J...” em 4-12-2013, somente subscritos pelo executado BB, não nos é permitido resolver a questão da verificação das dívidas, com segurança, no que concerne à requerente AA.
* Inconformada, a Reclamante recorreu e apresenta as seguintes conclusões:
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O presente recurso é interposto da sentença que homologou a partilha, porque esta é consequência de ilegalidades e decisões erradas tomadas ao longo do processo, dado que, nos termos legais, só da sentença final homologatória é possível recorrer com subida imediata, podendo, porém, suscitar-se todas as questões que foram incorrectamente decididas ao longo do processo de inventário.
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A ora recorrente interpõe recurso do despacho de 13/2/2021, com a referência CITIUS 8444119, que indeferiu a reclamação apresentada pela ora recorrente contra a relação de bens e do despacho de 19/3/2021, com a referência CITIUS 84953106, que replicou a anterior decisão mantendo o indeferimento da reclamação contra a relação de bens e ordenando o aproveitamento do anterior processado.
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Em 2 de Fevereiro de 2017, a ora recorrente reclamou contra a relação de bens apresentada pelo cabeça-de-casal, no sentido de ser eliminada a verba n°. 10 da relação de bens, que deveria ser excluída por não pertencer ao património do casal (que foi formado por ela e pelo Requerido/cabeça de casal) – Refª. 74367966.
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Após incidências várias – recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, inicialmente não admitido, mas que depois foi admitido, por intervenção do Tribunal Constitucional e julgado procedente -, foi referido incidente julgado totalmente improcedente, sem que tenham sido produzidas as provas requeridas e apesar de os factos considerados provados numa sentença proferida pelo Tribunal da Comarca ... constituírem prova indiciária do bom fundamento da reclamação.
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Havendo um prazo geral para a reclamação da relação de bens, prazo fixado no nº. 1 desse artº. 1348º. do C. Proc. Civil, pode ainda qualquer interessado, desde 1994, reclamar da relação de bens posteriormente, naturalmente desde que ainda não tenha sido realizada a partilha, como é o presente caso.
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Por requerimento de 2/2/2017 (Refª. CITIUS 3047363), a ora recorrente reclamou da relação de bens, por entender que “dela faz parte indevidamente o prédio urbano relacionado sob o nº. ...0”, invocando para tanto a matéria de facto alegada na acção judicial proposta por CC… G) (…) H) (…) I) (…) J) (…) K) (…) L) (…) (Estes pontos (G a L) não foram transcritos porque são relativos à alegação da matéria de facto que no caso é desnecessária.) M) Na sentença com trânsito em julgado proferida na Acção Comum n.º. 1712/16...., que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca ... – Juízo Central Cível ... – Juiz ..., já referida, face aos factos declarados provados, dúvidas não existem que foi CC (pai da ora requerente) quem construiu a casa, quer adquirindo o terreno onde a mesma veio a ser implantada, quer pagando a respectiva construção e embora fosse intenção doar esse prédio à filha, mas nunca o fez e a doação de imóveis tem obrigatoriamente de constar de escritura pública (artº. 947º. do C. Civil) e essa formalidade, porque exigida legalmente não pode ser substituída por qualquer outro meio de prova (artº. 363º., nº. 1 do C. Civil).
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Acresce que, não obstante a posse considerada provada, o certo é que tanto o executado como a sua mulher, não deduziram reconvenção nos referidos autos, na qual pudessem provar a sua propriedade desse prédio, sempre dependente da invocação da usucapião.
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Sendo a usucapião, uma forma de aquisição originária, porque “o usucapiente adquire o seu direito, não por causa do direito do proprietário anterior, mas apesar dele”, como bem refere A. SANTOS JUSTO, Direitos Reais, 7ª. Edição, Lisboa, Novembro de 2020, pág.205º. e segs., “à usucapião são aplicáveis certas regras relativas à prescrição, como as que se referem à suspensão, interrupção da prescrição e recusa do conhecimento oficioso pelo julgador” como resulta expressamente do artº. 1292º.
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A regra mais relevante para o presente caso, é a da recusa do conhecimento oficioso pelo julgador, consagrada no artº. 303º. do C. Civil, onde a lei dispõe que “O tribunal não pode suprir, de ofício, a prescrição; esta necessita, para ser eficaz de ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita, pelo seu representante ou, tratando-se de incapaz, pelo Ministério Público”, sendo indispensável “que haja uma manifestação de vontade por quem pode beneficiar da usucapião”.
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Nem a ora requerente, nem o seu marido alguma vez manifestaram essa intenção de invocar a usucapião, ou sequer moveram qualquer acção para o efeito, pelo que o prédio permanece na titularidade jurídica de CC e sua falecida mulher e, com a morte desta, na sua herança e não é nem nunca foi património comum do casal.
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Também face aos factos referidos, não há qualquer dúvida de que os proprietários CC e sua falecida mulher autorizaram que a filha e o genro habitassem a casa que haviam construído em terreno seu, mas não está provado qualquer acto de inversão do título da posse que legitimasse a detenção da ora recorrente e seu marido como possuidores em nome próprio, pelo que não pode aceitar a ora recorrente que a sua detenção seja considerada como posse, pois não ocorre a inversão do título da posse prevista no artº. 1265º. do C. Civil. - Cfr. ainda artº. 1253º., al. b) do mesmo diploma legal.
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É certo e seguro que com os factos considerados provados na sentença proferida na Acção Comum n.º. 1712/16...., que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca ... – Juízo Central Cível ... – Juiz ... não pode afirmar-se que o prédio seja da ora recorrente e do seu ex-marido, pois, como se demonstrou, não ocorreu qualquer forma de aquisição do mesmo, quer originária, quer derivada pela ora recorrente e seu ex-marido.
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Nenhum argumento se pode extrair da inscrição matricial constante da matriz predial urbana da freguesia ..., Concelho ..., pois, por um lado, a matriz não dá, nem tira direito, sendo apenas a forma de o Estado cobrar os impostos prediais e por outro, como consta do facto 6 considerado provado onde se deu como assente que “quando a casa ficou concluída, a mesma foi participada em nome desta (a ora recorrente), tendo o novo prédio sido inscrito na matriz predial sob o art. ...26, da referida freguesia ..., com indicação de proveniência do art. ...9 e de ter sido ocupado em 16/1/1995, …” U) Provada a aquisição por CC e sua falecida mulher, a construção da casa a expensas destes, a intenção de doar à filha esse prédio, que se não concretizou, surge, eventualmente como acto preparatório dessa doação, a inscrição do prédio em nome da ora recorrente e nada mais que isso, até porque o prédio em causa está...
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