Acórdão nº 1092/15.3T8LRA.C3 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 05 de Abril de 2022
Magistrado Responsável | LUÍS CRAVO |
Data da Resolução | 05 de Abril de 2022 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra Relator: Des. Luís Cravo 1º Adjunto: Des. Fernando Monteiro 2º Adjunto: Des. Carlos Moreira * 1 – RELATÓRIO AA intentou a presente ação contra BB (melhor identificados nos autos), alegando, em síntese, o seguinte: A ré foi casada com CC, que faleceu a 4 de dezembro de 2005 e que era irmão do autor.
A ré e o seu falecido marido constituíram duas sociedades comerciais por quotas, das quais ambos eram os únicos sócios e gerentes, designadas T..., Ldª e L..., Ldª.
O falecido marido da ré, na sequência de necessidade urgente de dar satisfação aos compromissos comerciais assumidos, no início de 2004, contactou os dois irmãos gémeos, ou seja o aqui autor e o irmão DD, e solicitou-lhes que lhe emprestassem € 60.000, apenas por alguns dias e que de imediato restituía, pois perspetivava a curto prazo a realização de negócios que facilmente lhe dariam o folgo necessário ao pagamento do empréstimo, ou seja, procederiam à venda do azeite da companha que se completava nesta época.
Perante este pedido de irmão para irmãos o autor transmitiu-lhes que tinha de ter a anuência do irmão gémeo, uma vez que a quantia pretendida estava depositada numa conta bancária conjunta que ambos possuíam aberta na C..., CRL, em ..., e, portanto, o dinheiro era pertença de ambos e só por ambos poderia ser movimentado.
Obtida que foi a anuência do dito irmão gémeo – DD, o autor entregou ao marido da aqui ré o cheque do valor pretendido, o qual datou com data de 27 de janeiro de 2004, devidamente emitido à sua ordem.
Este mencionado cheque, uma vez na posse do falecido marido da ré, foi pelo mesmo apresentado a desconto e depositado numa das contas que possuíam abertas no mesmo Banco, fazendo assim sua a totalidade da quantia emprestada.
Uma vez na posse da quantia emprestada, e porque o falecido irmão, CC, não conseguiu restitui-la no prazo perspetivado foi transmitindo ao autor que lhe aguardasse mais algum tempo, ao que o autor foi acedendo, sempre na expetativa de que o falecido irmão CC cumpria a palavra dada, pois sempre a considerou respeitada, já que em momentos anteriores igualmente lhe havia emprestado outras quantias e sempre lhas restituíram.
Passado algum tempo o falecido marido da ré adoeceu e faleceu.
Apesar disso, a Ré, que perfeito conhecimento possuía do empréstimo relatado, sempre lhe transmitiu que ela lhe pagaria a divida, nem que fosse com a entrega de bens pessoais, nomeadamente dos imóveis de que era dona e lhe pertenciam na herança aberta por óbito do marido, razão pela qual o autor foi esperando pelo pagamento.
Mercê de desentendimentos havidos na família da ré, nomeadamente com os dois filhos, o pagamento do empréstimo tornou-se impossível de ser feito e o quinhão hereditária da ré por morte do seu falecido marido foi vendido em processo de execução, tendo a ré ficado sem qualquer património.
O empréstimo havido por parte do autor ao falecido marido da Ré e a esta foi efetuado apenas por acordo meramente verbal, sem redução a escrito, ou seja não foi submetido à forma legal exigida, pelo que a declaração negocial é nula.
Por conseguinte, tem o autor direito a que uma vez declarada que seja a nulidade invocada, por ausência de forma legal, lhe seja restituída a totalidade da quantia emprestada, ou seja € 60.000.
Terminou pedindo a condenação da ré a pagar-lhe € 60.000, acrescidos dos juros legais que se venceram desde a entrada em Tribunal da providência cautelar de arresto (26/1/2015) até integral liquidação, e bem assim condenada a reconhecer o empréstimo efetuado pelo aqui autor e ainda a reconhecer que não tendo sido observada a forma legalmente prescrita para o contrato de mútuo o mesmo é ferido de nulidade e uma vez declarada que seja esta ser condenada por este facto a restituir ao autor a quantia emprestada.
* A ré BB contestou alegando, em síntese, o seguinte: Não é verdade que tenha transmitido ao autor que pagaria a dívida, nem que fosse com bens de que era dona.
A quantia de € 60.000 que o autor alega ter emprestado à ré e ao seu falecido marido foi emprestada à sociedade L..., Lda, para fazer face a dificuldades económicas desta sociedade.
O cheque referido pelo autor foi depositado na conta bancária n.º ...69, titulada pela sociedade L..., Lda e a quantia de € 60.000 foi utilizada para cumprimento de obrigações daquela sociedade, pelo que a ré não pode ser responsabilizada pelo pagamento de uma dívida que não contraiu.
Ainda que a dívida tivesse sido contraída pelo falecido marido da ré, a responsabilidade pelo pagamento competiria à herança aberta pelo seu óbito.
Terminou pugnando pela improcedência da ação.
* Foi proferido despacho saneador, onde foi fixado o valor da ação, determinado o objeto do litígio e fixados os temas da prova.
* A instância foi declarada suspensa na sequência da notícia do óbito da ré e habilitados como seus herdeiros para prosseguir os termos da ação EE e FF.
* Foram apreciados os requerimentos probatórios e designada data para a realização de audiência final.
* Foi realizada audiência final, tendo sido inquiridas oito testemunhas e ouvido o autor em declarações de parte.
* Na sentença proferida na oportuna sequência, foi, além do mais, apreciada uma nulidade e proferida decisão de mérito, tendo sido julgada procedente a ação.
* O habilitado réu EE interpôs recurso tendo por objeto a decisão quanto à questão prévia da arguição da nulidade e a sentença, tendo este Tribunal da Relação ... proferido Acórdão, revogando a decisão recorrida [sobre a arguição de nulidade], que se substitui por outra que faculte ao habilitado Réu EE, ora recorrente, a oportunidade do exercício do contraditório relativamente aos documentos juntos aos autos em 21 de maio de 2018, após o que, na ponderação e em função do que for em concreto exposto/requerido pelo mesmo, se prosseguirá com a continuação da audiência, em consequência do que se revoga igualmente a sentença proferida na sequência oportuna daquela decisão.
* Foi designada data para a continuação da audiência final.
* Foi proferido despacho procedendo à adequação processual, dispensando a designação de data para continuação da audiência final tendo em vista a realização de alegações orais e concedendo aos Ilustre Advogados o prazo de 10 dias para apresentarem alegações por escrito, tendo o Ilustre Advogado do autor apresentado alegações por escrito.
* Foi proferida nova sentença, com conhecimento, além do mais, da suscitada questão da ilegitimidade ativa do A. para demandar a totalidade da quantia titulada pelo cheque ajuizado, relativamente ao que se entendeu ter resultado provado que "DD acertou contas com o autor tendo o autor assumido a titularidade exclusiva do crédito decorrente do cheque cuja cópia consta de fls 24 do apenso A", face ao que concluiu no sentido de ser o A. parte legítima na ação; quanto ao demais, foi julgada procedente a ação.
* O habilitado réu EE interpôs recurso, tendo este Tribunal da Relação ... proferido Decisão Singular, sendo relativamente ao alegado desacerto da decisão sobre a legitimidade ativa do A. no sentido de que essa questão recursiva improcedia; quanto ao demais, julgando procedente a apelação sobre a decisão da matéria de facto, por necessidade de ampliação da matéria de facto em ordem a obter uma convicção consistente e concludente sobre a temática da contração do empréstimo, mormente definição de por quem, a que título, e com que objetivo foi tal feito, assim determinando a remessa dos autos à 1ª instância para que aí, nos termos supra melhor expostos, os factos concretos a tal atinentes sumariamente alegados nos arts. 6º a 9º e 27º da p.i., por um lado e 10º da contestação, por outro lado, na medida em que subsistem controvertidos, sejam objeto de prova e decisão expressa, e bem assim anular a resposta aos pontos de facto “provados” sob “2.” e “3.” (por ser imprecisa e equívoca a sua redação) e ponto de facto “não provado” sob a alínea “a)”, por forma a que, com nova produção de prova (a prova documental apontada, eventualmente a ser carreada suplementarmente para os autos), sem prejuízo da reinquirição da prova testemunhal que teve lugar sobre essas temáticas, se obtenha uma convicção sólida e consistente, que se traduza numa resposta coerentemente fundada sobre o contexto e qualidade em que o referido CC pediu o empréstimo ajuizado, e bem assim o esclarecimento sobre a eventual participação da Ré nesse ato [cf. art. 662º, nº2, al.c) do mesmo n.C.P.Civil]; e anulando a sentença proferida, devendo o julgamento repetir-se * Em cumprimento de tal, na 1ª instância foi admitida prova, ordenada a junção de documentos e designada data para a continuação da audiência final.
* Foi realizada audiência final, tendo sido ouvida a habilitada ré em depoimento de parte e inquiridas quatro testemunhas.
Na sentença, considerou-se, em suma, que face à factualidade apurada, importava concluir que o A. havia entregue ao falecido marido da primitiva Ré, a pedido deste, e com a obrigação de este restituir àquele, a ajuizada quantia de € 60.000, o que configurando um mútuo nulo por falta de forma, determinava a correspondente obrigação de restituição do que havia sido prestado, sendo essa responsabilidade da primitiva Ré BB porque esta, conforme igualmente decorria da factualidade apurada, havia assumido a dívida do seu falecido marido por declaração expressa nesse sentido, do que decorria a legitimidade substantiva passiva da dita, com a consequente responsabilidade dos habilitados réus na medida do que receberam enquanto herdeiros dela, o que tudo se traduziu no seguinte concreto “dispositivo”: «VI. DISPOSITIVO * Face ao exposto, ao abrigo das disposições legais citadas e com os fundamentos invocados, I – Julgo a presente ação procedente e, em consequência, condeno os habilitados réus no pagamento ao autor do valor de € 60.000 (sessenta mil euros), acrescido de juros contados desde a citação e até integral pagamento.
II – Condeno...
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