Acórdão nº 1375/21.3T8LRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 05 de Abril de 2022

Magistrado ResponsávelVÍTOR AMARAL
Data da Resolução05 de Abril de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra: *** I – Relatório “V..., LDA.”, com os sinais dos autos, intentou ação declarativa comum – de reivindicação – contra “O..., S. A.”, também com os sinais dos autos, pedindo, na procedência da ação e após deferida retificação da petição inicial, de molde a: «a) Declarar-se que o prédio identificado no artigo 10º da p.i. é propriedade da A.; b) Ser a A. condenada ([1]) a demolir/remover a parte do seu pavilhão que se encontra implantado no prédio da A. melhor identificado no artigo 10º da presente p.i. e assim restituir a posse dessa parcela de terreno ocupada à A.

  1. Ser a R. condenada a pagar uma indemnização à A. no valor de 246.988,98€ (…) em consequência do dano causado pela ocupação indevida do prédio da A..

  2. Ser a R. condenada a pagar uma indemnização não inferior a 41.164,83€ (…) mensais a contar da data da propositura da presente acção até à data da efectiva demolição/remoção e do pavilhão que se encontra a ocupar o imóvel da A., valor que deverá ser apurado em sede de liquidação de sentença.

  3. Ser a R. condenada a abster-se de qualquer acto que impeça ou diminua a utilização do prédio pela A.

Tudo com as demais consequências legais».

Alegou, em síntese, que: - a A. é proprietária de um prédio urbano, que identifica ([2]), o qual adquiriu à R. em 22/05/2020, mediante escritura notarial de compra e venda, em cuja sequência procedeu ao respetivo registo definitivo de aquisição, prédio esse composto de parcela de terreno para construção, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...32 e inscrito na respetiva matriz sob o art.º ...90.º; - após a aquisição, a A. constatou, por estudos efetuados, que sobre parte do prédio adquirido à R. se encontra implantado um pavilhão industrial, atualmente propriedade de tal R., «prédio esse inscrito na matriz predial urbana n.º 2633 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... com o n.º ...62/...» (art.º 15.º da petição); - «Verificada esta circunstância, no dia 11 de setembro de 2020, a A. enviou carta à R. informando do sucedido e solicitando a remoção da parte do pavilhão que se encontra implantado no prédio dos A.» (art.º 16.º da petição); - após diversos contactos, a A. foi informada, por entidade ligada à R., «que, afinal, o prédio vendido à A. não corresponde à localização que a R. achava que tinha», propondo «a anulação do negócio de compra e venda» (art.ºs 19.º e 20.º da petição); - o que a A. não aceitou por ter adquirido o imóvel para ampliação das suas instalações industriais, sendo que, até à data, a R. – embora interpelada para o efeito – não procedeu à remoção do pavilhão do prédio da A.; - a ocupação pela R. impede a A. de dar ao imóvel o destino para que o adquiriu ([3]); - a situação vem causando danos à A., que importa sejam objeto de reparação pela R..

A R. contestou, defendendo-se por impugnação – designadamente, no que concerne ao pretendido direito de propriedade sobre o local de implantação do pavilhão aludido – e concluindo pela ineptidão da petição, com a sua decorrente absolvição da instância, ou, assim não se entendendo, por dever a ação ser julgada totalmente improcedente, por não provada, com absolvição dos pedidos.

Para tanto, argumentou que: - tratando-se de interposta “ação de reivindicação”, a A., na al.ª b) do petitório, pede a condenação da R. na demolição/remoção de parte do seu pavilhão que se encontra implantado no prédio da demandante e, assim, na restituição da posse dessa parcela de terreno ocupada, sem, porém, peticionar o reconhecimento de qualquer direito de propriedade sobre a parcela de terreno alegadamente ocupada; - ora, a A. identifica e reconhece, no art.º 10.º da petição, que o prédio urbano de que é proprietária é “composto de parcela de terreno para construção”, sem qualquer construção nele implantada, designadamente “parte de um pavilhão”; - e, por outro lado, deduz aquele pedido no sentido de lhe ser restituída a posse da alegada parcela de terreno ocupada, sem, contudo, alegar ter sido possuidora da parcela em questão, parcela cuja propriedade não reivindica, sendo que não alegou a configuração, os limites, a área e a composição da parcela de terreno sob ocupação (“parte de um pavilhão”); - é, pois, ininteligível, neste âmbito, a causa de pedir, perante a ausência de alegação de factos de suporte que permitissem caraterizar os dois prédios em causa.

A A. exerceu o contraditório, pugnando pela improcedência da invocada ineptidão da petição inicial, para o que salientou que o seu prédio é o melhor identificado sob o art.º 10.º daquela petição e doc. n.º 7 junto com a mesma, enquanto a “parte” ou parcela do prédio da A. sob ocupação (pelo pavilhão da R.) foi alegada nos art.ºs 15.º e 16.º da mesma petição ([4]) e identificada no doc. n.º 13 junto com a mesma, do que a R. tem perfeito conhecimento.

Dispensada a audiência prévia, procedeu-se ao saneamento do processo, conhecendo-se da invocada ineptidão da petição inicial, âmbito em que foi formulado o seguinte dispositivo: «- Julga-se verificada a invocada exceção dilatória da nulidade de todo o processo por ineptidão da petição inicial, ocasionada por falta de causa de pedir e ainda de contradição entre esta e o pedido, com consequente absolvição da Ré da instância.».

Inconformada, recorre a A., apresentando alegação e formulando as seguintes Conclusões ([5]): «A – Considerou o douto Tribunal a quo que a p.i. padece de completa omissão dos imprescindíveis factos estruturantes da causa de pedir, concernentes à prática de actos possessórios da Recorrente e dos seus antecessores, quer sobre a totalidade da área do prédio que se encontra inscrito no registo a favor da mesma, mas essencialmente sobre a parcela em causa.

B – Julgado verificada a excepção dilatória de nulidade de todo o processo por ineptidão da petição inicial, ocasionada por falta de causa de pedir e ainda contradição entre esta e o pedido, com a consequente absolvição da Recorrida da instância.

C – A Recorrente alegou ser dona e legítima proprietária do prédio urbano, composto de parcela de terreno para construção, sito em ... ou ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na CRPredial de ... .../... e inscrito na matriz predial urbana nº ...0.

D – A Recorrida confessou-o. (cfr. artº 10º da sua, aliás, douta contestação).

E – A Recorrida não contraditou os factores descritivos do prédio como as áreas, limites ou confrontações.

F - É entendimento comum doutrinário e jurisprudencial, o de que o Reivindicante basta alegar a presunção derivada do registo para cumprir o ónus de alegação da propriedade na acção de reivindicação – o que a Recorrente fez.

G – A Recorrente, ao demonstrar ser dona e legítima proprietária da totalidade do bem imóvel, demonstra igualmente ser dona e legítima proprietária de todas as partes que o compõem.

H - Se assim não fosse, cair-se-ia no ridículo de, para além de demonstrar a propriedade de um bem, ser forçoso provar a propriedade de cada metro, centímetro ou milímetro de terreno que nele se insere.

I - Salvo melhor entendimento e em oposição com a douta posição do Tribunal a quo, a Recorrente não tem, nem tinha, que invocar quaisquer actos possessórios quer sobre a totalidade da área do prédio inscrito a seu favor, quer sobre a parcela em causa.

J – Só assim tendo que ser, caso a propriedade do prédio em causa tivesse sido colocada em crise pela Recorrida.

K – Neste sentido, Oliveira Ascensão “Se o réu o aceita, há admissão dessa qualidade. Pouco importa até que o autor não tenha sequer incluído, entre os factos constitutivos da causa de pedir, os factos aquisitivos da propriedade.” Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente Recurso de Apelação ser considerado totalmente procedente e, em consequência, ser a Sentença Recorrida revogada.

Pois só assim se fará a Costumada Justiça.

».

Na sua contra-alegação, a Recorrida pugna pela total improcedência do recurso.

*** O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, tendo então sido ordenada a remessa dos autos a este Tribunal ad quem, onde...

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