Acórdão nº 1901/218T8FIG.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 22 de Novembro de 2022
Magistrado Responsável | JOÃO MOREIRA DO CARMO |
Data da Resolução | 22 de Novembro de 2022 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
I – Relatório 1.
AA, residente em ..., intentou acção declarativa contra Zurich Insurance plc, Sucursal em Portugal, com sede em ..., pedindo seja a ré condenada a: a) assumir 100% da responsabilidade pagamento dos danos sofridos decorrentes do sinistro; b) pagar ao autor a quantia a titulo de indemnização pelo sinistro de 23.250 €; c) pagar ao autor a quantia que vier a ser apurada a titulo de privação do veículo; d) tudo acrescido de juros legais vencidos e vincendos calculados desde a data do sinistro até efectivo e integral pagamento.
e) pagamento da certidão de participação de acidente de viação no montante de 76 €.
Alegou, em suma, a contratação com a ré de seguro que compreendia a cobertura de “danos próprios”, a ocorrência de um acidente de viação. O condutor abandonou o local por necessidade de se colocar em segurança e contactar o autor, dono do veículo, e não chamou a autoridade por não ter meios para o fazer, desconhecendo que ela tinha sido chamada ao local. Foi efectuada a peritagem e apurada a perda total do veículo, sendo calculado o valor da indemnização em 23.250 €, com dedução da franquia contratual. A ré deve pagar 20 €/dia de paralisação do veículo desde o dia do acidente. O veículo acima identificado era o único que o autor dispunha para as suas deslocações pessoais e profissionais.
A ré contestou, alegando, em síntese, que o sinistro está excluído da garantia do seguro por o condutor se ter ausentado do local do sinistro antes da chegada das autoridades deixando o veículo abandonado em plena via, e impugnou as circunstâncias em que ocorreu o acidente e o condutor se ausentou do local, e o valor dos danos.
O autor respondeu à excepção, pugnando pela improcedência.
* A final foi proferida sentença que julgou a acção improcedente.
* 2. O A. recorreu, concluindo que: i) Andou mal o Tribunal a quo ao extrair a conclusão da prova produzida e de uma errada interpretação normativa, no improcedimento da acção ii) O objeto do litígio é “Responsabilidade contratual da ré seguradora pelo pagamento do montante reclamado na sequência do acidente de viação.
iii) Não faz parte do tema de prova a identificação do condutor.
iv) Não foi provado que o condutor não era o identificado nos autos, v) Encontra-se nos autos teste de álcool efetuado ao condutor.
vi) O ponto 7 dos factos não provados deveria estar como facto provado.
vii) A douta sentença é elaborada salvo o devido respeito em eventuais contraordenações estradais, que não estão em causa nos autos.
viii) O que está em causa é, tão só, a interpretação de uma clausula contratual.
ix) A Ré excluiu a responsabilidade com base na clausula 44.ª n.º 1 das Condições Gerais do Contrato de Seguro, com a epígrafe “Exclusões Gerais”, dispõe que: (… transcrição de texto).
x) A Ré não impugna que se trata de um contrato de adesão, e como tal a interpretação em caso de dúvida deve ser a mais favorável ao aderente.
xi) As dúvidas que se levantam na interpretação de tal norma são 1. saber se o abandono do condutor está cronologicamente dependente do chamamento das autoridades policiais, 2. se basta o abandono em si mesmo, independentemente das autoridades terem sido chamadas antes ou depois da saída do condutor do local, ou se tem que ser posterior a tal chamamento, 3. ou ainda se está dependente de juízos de prognose se as autoridades serão ao não chamadas ao local.
xii) A interpretação que deve ser feita de tal cláusula por aplicação do referido artigo 11º é a no sentido de que, o abandono deve ser posterior ao chamamento da polícia e não está dependente de qualquer outra circunstância, como seja o dito juízo de prognose pois trata-se de um contrato de adesão.
xiii) O único circunstancialismo associado a tal cláusula é o abandono do local antes das autoridades serem chamadas quando o forem.
xiv) Caberia à ré fazer prova que as autoridades tinham sido chamadas antes do abandono do A do local do sinistro, prova que não logrou fazer nesse sentido, mas sim em sentido contrário, xv) O A fez prova dos factos constitutivos do seu direito, e não impugnados pela Ré, xvi) A Ré não fez prova dos factos e circunstâncias que excluem a sua responsabilidade.
xvii) Não restam dúvidas que existiu na Douta sentença uma errada interpretação das normas jurídicas supra descritas, e do objecto do litigio.
xviii) E em consequência proferida uma sentença que deve ser revogada e substituída por uma que julgue procedente a acção nos precisos termos em que foi peticionada.
xix) Tudo ponderado impõe-se decisão pelo Tribunal ad quem nos termos e para os efeitos do previsto nos artigos 639.º, 640.º e 662.º do Código do Processo Civil, que declare provado por procedente a presente apelação.
Nestes termos e nos demais de direito que V. Ex. os doutamente suprirão, deverá ser dado provimento ao recurso apresentado, e em consequência ser a decisão proferida alterada e substituída por outra que declare procedente a acção nos precisos termos peticionados.
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A R. contra-alegou, pugnando pela manutenção do decidido.
II - Factos Provados
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O autor AA celebrou com a Ré “Zurich”, um contrato de seguro do ramo automóvel, atinente ao veículo ligeiro de matrícula “..-RG-..”, marca ..., modelo ....
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O contrato de seguro iniciou a sua vigência no dia 29 de Março de 2021.
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E ficou titulado pela apólice n.º ...14.
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O autor optou por contratar a condição especial de “Zurich Auto Protecção (Choque, Colisão, Capotamento e Incêndio)”, com o capital de Eur. 23 250, 00.
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Foi também contratualizada uma franquia de 2% a cargo do segurado.
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Na parte final da apólice vem consignado o seguinte : “Este contrato de seguro é constituído pelas condições gerais, especiais e particulares anexas e ainda pela proposta que lhe serviu de base. Esta apólice deverá ser conferida pelo tomador de seguro; na falta de reclamação, no prazo de 30 dias, será tida como inteiramente conforme”.
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As referidas condições gerais, especiais e particulares estão impressas em livro de 106 páginas e constituem o Doc. n.º 2 junto com a contestação.
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A cláusula 44.ª n.º 1 das Condições Gerais do Contrato de Seguro, com a epígrafe “Exclusões Gerais”, dispõe que: “1 – Além das exclusões previstas no Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil – Parte I – e nas exclusões próprias de cada Condição Especial, ficam também excluídos os: (…) c) Sinistros quando o condutor do veículo seguro recuse submeter-se a testes de alcoolémia ou de detecção de substâncias estupefacientes ou psicotrópicas, bem como quando voluntariamente abandone o local do acidente de viação antes da chegada da autoridade policial, quando esta tenha sido chamada”.
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No dia 06 de Julho de 2021, o veículo referido em A) circulava na estrada dos armazéns de ..., Concelho ....
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Cerca das 00h.30, o seu condutor despistou-se ocorrendo um choque em pilar e posterior capotamento.
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O piso encontrava-se molhado devido às condições atmosféricas.
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A autoridade policial, mais concretamente a Guarda Nacional Republicana, deslocou-se ao local do sinistro, depois de ter sido chamada para o efeito.
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Quando a G.N.R. chegou ao local não se encontrava lá qualquer condutor.
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O condutor saiu do local antes da chegada da G.N.R e não chamou as autoridades.
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Encontrando-se o “RG” imobilizado em plena via, sem sinalização.
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O condutor sabia que as autoridades seriam...
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