Acórdão nº 4335/20.3YIPRT.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 09 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelJOÃO MOREIRA DO CARMO
Data da Resolução09 de Novembro de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I – Relatório 1.

B..., S.A., com sede em ..., apresentou requerimento injuntivo, contra T..., S.A., com sede em ..., posteriormente transmutada em acção declarativa comum, na qual requereu a condenação desta no pagamento da quantia de 20.162,38 €, valor referente a 19.562,18 € de capital em dívida, acrescido de juros de mora vencidos, de 450,20 € e vincendos, e 150 € de custos de cobrança da dívida.

Alegou, que a ré lhe adjudicou a reabilitação e conservação de paredes exteriores, restauro de cobertura e aplicação de peitoris no Bairro ..., Lotes 1 a 13 e 15 a 22, nos termos e condições constantes nas Notas de Encomenda a Fornecedores nºs ...1, ...3 e ...0. Efectuado o trabalho conforme acordado entre as partes, a ré não liquidou o total da última factura por si emitida, estando em dívida o valor de 19.562,18 €. Em sede de oposição, a ré alegou que a autora não executou todos os trabalhos contratualizados, o que implicou custos para si, pois teve de contratar outra empresa para proceder à montagem e desmontagem de andaime. Tais custos ascenderam a 28.979,45 €, pelo que, subtraído o que teria que ter pago à autora pelos trabalhos em causa, teve um prejuízo de 14.058,04 €. Ademais, a autora não cumpriu a sua obrigação de assegurar todos os equipamentos e ferramentaria necessários à execução dos trabalhos contratados, pois não tinha disponível um empilhador, que a ré providenciou, tendo pago o valor de 9.318 € pelo seu aluguer. Assim, face a tais valores, apenas pagou a diferença entre estes e o valor da factura final, por não ser devedora de qualquer outro valor. Deduziu, também, reconvenção, através da qual pediu a declaração de compensação do crédito da autora com o seu crédito de 23.376,04 €.

Em sede de réplica, a autora impugnou a matéria alegada pela ré.

* A final foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, e, em consequência: A) Condenou a R. a pagar à A. o valor de 19.562,18 €, acrescido de juros de mora à taxa de 7 % desde 28.1.2020 até integral pagamento, encontrando-se já vencido o valor de 498,97 €, bem como o valor de 40 € a título de indemnização pelos custos de cobrança da dívida; B) Absolveu a R. do restante peticionado; C) Julgou a reconvenção totalmente improcedente, e, em consequência, absolveu a A. do peticionado. * 2. A R. recorreu, concluindo que: 1. A douta decisão em crise, pese embora constitua uma peça jurídica formalmente inexpugnável, ainda assim e salvo melhor, não é totalmente conforme à lei e ao direito, sendo por isso merecedora de objetiva censura por encerrar também manifesto erro na apreciação da prova produzida e na aplicação do Direito.

  1. Antes de mais deverá ser expurgado dos factos assentes o Ponto 13, que encerra um verdadeiro juízo conclusivo, que no caso, até antecipa a resposta a uma das questões de fundo.

  2. Segundo os ensinamentos decorrente do citado Acordão do Supremo Tribunal de Justiça, a matéria de facto só deve ser alterada quando exista inequívoco erro de apreciação da prova carreada para os autos e não mera divergência relativamente à sua apreciação.

  3. E é esta a situação que se verifica nos presentes autos no que respeita ao facto inserto no Ponto 11 e nas alíneas B) e F), dos factos não provados, de acordo com a prova testemunhal e documental carreada para os autos.

  4. Nesse aspecto avultam, pelo conhecimento directo, funções desempenhadas e responsabilidade na execução da obra, os depoimentos do Encarregado da Autora, AA, e do Director de Obra, Engenheiro BB, quem negociou o contrato de sub empreitada.

  5. O Ponto 11 e alínea B) respeitam à questão da quantidade de andaime, enquanto a alínea F) se relaciona com os custos do alugue do empilhador.

  6. Quanto aos primeiros e pese embora a resposta a essa questão implique fundamentalmente uma análise jurídica, ainda assim resulta sobejo do depoimento da testemunha BB ter existido uma redução de fornecimento e montagem de andaime de 11.808,74 m2, para 9.645,70 m2, já que afirmou (sic) “retirei das medições o andaime à B..., S.A. tínhamos na altura 11000 metros de andaime e reduzi para 9000 e qualquer coisa”.

  7. Afirmação reforçada, por estar em consonância e ser comprovada pelos Autos de Medição juntos aos autos pela Autora, dado que a quantidade inicial de fornecimento e montagem de andaime, que era de 10.285 m2 (primeira coluna dos Autos de Medição nº 1 a 6, constantes dos documentos 5 a 10).

  8. Foi corrigida para 11.808,74m2, com a remedição da obra em Março de 2019, como decorre da primeira coluna do Auto de Medição nº 7, constante do documento 11.

  9. E reduzida para 9.645,70 m2, como se infere da primeira coluna do Auto de Medição nº 10, anexado ao documento 14, que como todos os outros, se encontra assinado pelos representantes das partes.

  10. Sendo certo que ficou também demonstrado pelo depoimento da testemunha BB, que a redução de fornecimento, montagem e desmontagem de andaime, visou os lotes 17, 18, 19 e 20, o que também está de acordo e é comprovado pelos Autos de Medição da empresa – T... – que a Ré contratou para proceder à montagem de andaime nesses lotes (vidé primeiras 4 facturas, do documento 1 junto pela Ré).

  11. Assim e em obediência ao princípio da aquisição processual das provas, ínsito no artigo 515º, do Cód. Proc. Civil, o Ponto 11 dos Factos deverá ser corrigido para: 11) Em especifico, a Autora não procedeu à montagem e desmontagem de andaime dos lotes 15, 21 e 22, devendo ser aditado aos factos Assentes, o seguinte facto: 27) Em Junho de 2019, Autora e Ré acordaram reduzir os m2 de andaime a montar de 10.808,74 m2 para 9.645,70 m2.

  12. Uma vez que e por contraposição, a testemunha AA, que não obstante ser o Encarregado da obra e das incongruências de que se deu nota e que os Senhores Desembargadores certamente acolherão, nem sequer foi capaz de indicar os lotes que foram abrangidos pela decisão de redução do andaime.

  13. Relativamente à utilização do empilhador, as afirmações foram antagónicas, uma vez que enquanto a testemunha BB afirmou que “o empilhador era manobrado pelo encarregado da B..., S.A., na maior parte do tempo”, o próprio afirmou o contrário.

  14. Pese embora o seu depoimento, telegráfico e não circunstanciado, não possa ser convincente, mesmo considerando o princípio da imediação, dado não ser crível que uma pessoa que esteve um ano em obra, ter afirmado desconhecer se a Autora utilizou o empilhador e ter afirmado que o transporte de materiais e equipamentos era feito manualmente.

  15. Em contraposição com o depoimento da testemunha BB, que de forma cristalina descreveu toda a obra com pormenor e rigor, quer no que respeita à localização dos edificios, ao estaleiro e aos equipamentos e materiais.

  16. É por inadmissível, por encerrar atroz desprezo pelas regras da experiência comum, como os Senhores Desembargadores certamente confirmarão, que se tenha aceite que com os seus 4 ou 5 trabalhadores, a Autora tenha conseguido montar e desmontar 7.735,64 m2 de andaime (Ponto 14) aplicado 10.431,08 m2 de revestimento (vidé Auto de Medição nº 15, de 29/11/19 - doc. 1) e ainda carregar as peças de andaime da fachada de um edifício, para o tardoz do mesmo, e repetido essa operação em CATORZE edifícios, transportado o revestimento, o cimento e o restante material que aplicaram nos VINTE E DOIS edifícios, só com recurso à sua força braçal ! 18. Impõe-se, deste modo, e sem mais comentários que seja aos factos assentes, o seguinte: 28) A Autora utilizou o empilhador alugado pela Ré para executar os seus trabalhos.

  17. No que às questões de direito concerne, a Douta Sentença em apreço, arrasa por completo a Teoria dos Contratos, secularmente instituída, já que, em boa verdade, reconhece ao Devedor, a quem está obrigado ao cumprimento de uma obrigação, o “direito” de a cumprir parcialmente.

  18. Com efeito, no contrato de subempreitada ficou expressamente consignado, por força da remissão para a Nota de Encomenda nº ...1, que a Autora estava obrigada a fornecer, montar e desmontar 10.285m2 de andaime, que por força da remedição da obra, passou para 11.808,74m2.

  19. Donde, ser o credor da prestação, no caso a Ré e não o obrigado, no caso a Autora, quem detinha o poder soberano de a desobrigar do cumprimento parcial da sua prestação.

  20. O que aquela fez, reduzindo a obrigação da Autora de fornecer, montar e desmontar andaime, de 11.808,74m2 para 9.645,70 m2.

  21. Pelo que, tendo a Autora apenas procedido à montagem de 7.735,84m2 de andaime, é contratualmente responsável por indemnizar a Ré dos prejuízos em que incorreu pelo custo de fornecimento, montagem e desmontagem da quantidade de andaime em falta, isto é, 1.909,84 m2 (9.645,70m2 - 7.735,84m2).

  22. E cujo cômputo corresponderá à diferença entre o valor que tinha, em qualquer caso, que pagar à Autora pelo fornecimento, montagem e desmontagem de andaime – 4€ m2 – e o valor pago à Empresa T... e cujo apuramento terá que ser relegado para liquidação de sentença.

  23. E cuja solução não colide com o facto de se tratar de uma empreitada por série de preços, que apenas respeita à forma de pagamentos dos trabalhos e não ao objecto da empreitada.

  24. A esse montante acrescerá os custos de aluguer do andaime colocado nos lotes 16, 17, 18, 19 e 20, e cobrados pela Empresa T..., no valor de 8.695,95€.

  25. Uma vez que a Autora, por possuir andaime próprio, de resto condição contratual essencial para a adjudicação da obra, apenas exigiu cobrar 4€/m2 pela montagem desmontagem.

  26. Por último e quanto ao empilhador, resulta cristalino da aplicação das regras de interpretação dos negócios jurídicos, há muito consolidadas e com assento no artigo 236º, do Cód. Civil, que a alínea c), do nº 2, da cláusula 11ª do contrato de subempreitada, que era sobre a Autora quem impendiam todos os encargos com o transporte, carga e descarga, movimentação horizontal e vertical, de todos os materiais e equipamentos.

  27. Logo, a confirmar-se que a Autora utilizou o empilhador, como certamente sucederá, sob pena de ser posta em causa a normalidade da vida quotidiana, deverá a...

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